Tive o prazer de ler um livro bastante interessante esses dias. É uma obra de contos jurídicos, a qual tive a honra de receber de um amigo escritor. A proposta é bastante salutar, e, intencionalmente ou não, acaba por contribuir para com o movimento “Direito & Literatura” de maneira singular.
“Contos Jurídicos: um dedo de prosa e um gole de justiça”, do autor Schleiden Nunes Pimenta, reúne diversos contos que permeiam os meandros do mundo jurídico. A cada capítulo, uma história reflexiva que prende a atenção do leitor logo pelo seu modo de introdução. É que cada conto inicia com uma ementa, daquelas que “resumem” acórdãos, onde ali se expõe o espírito que envolve o conto que segue. Vale conferir. Dentre aqueles contos presentes no livro que mais me despertaram a atenção, está o “Ciranda”. Em que pese a reflexão trazida pelo autor siga ainda para um outro ponto, o primeiro parágrafo da história serve como uma crítica cabível e necessária para com a importância da responsabilidade política nos cargos públicos. Cito aqui a passagem em comento:
Bingo, como diria Lenio Streck, jurista que vive alertando em seus escritos sobre a necessidade de se atentar para a responsabilidade política dos juízes na condução de seus cargos. E aqui esse alerta serve para com todo e qualquer cargo da administração estatal, vez que a responsabilidade para com aquilo que o cargo se destina a cumprir deve ser levado em conta antes mesmo da escolha do candidato a determinado cargo. Diversos são os fatores que podem ser apontados como aqueles que contribuem para a problemática existente em alguns segmentos dos cargos públicos. Em todos os lugares podem ser observadas pessoas que desempenham suas funções com responsabilidade, bem como pessoas que pecam por diversos motivos. Muitos dos problemas são estruturais, mas muitas vezes a questão é de base, e essa base é aquela anterior ao sustentáculo que edifica o próprio cargo em si. Explico melhor: é o velho problema da formação, da cultura, da educação. No cenário jurídico, isso atualmente é visto de forma gritante. Com a explosão dos cursos jurídicos, a procura por concursos públicos se tornou a grande gana de vários estudantes (ou foi a procura demasiada por concursos públicos que resultou na explosão dos cursos jurídicos). Criou-se um círculo vicioso, onde uma das consequências disso é o estudante que está preocupado meramente em passar numa prova de concurso para ficar “tranquilo pelo resto da vida”. Se fosse apenas até aí, tudo bem. É a escolha de cada um. Mas os problemas que disso resultam são vários (preocupação apenas com aquilo que “cai na prova”, e não com o aspecto da formação do bacharel em si; “boom” dos livros jurídicos voltados exclusivamente para concursos, relegando-se a preocupação doutrinária para com o Direito; isso e muito mais), mas o principal deles que aqui busca se expor é o do total descompromisso que alguns acabam tendo para com a responsabilidade política que os cargos públicos exigem. Faz pouco tempo que ouvi de um colega que há defensor público que aduz não gostar de gente pobre. Pois é. Também já ouvi de “concurseiro” que o sonho é ser juiz, mas odeia qualquer tipo de contato com as partes (no geral mesmo – tanto as partes “autor” e “réu”, como os profissionais que representam essas partes). E não para por aí. Colegas que fazem tudo quanto é tipo de concurso público, mas muitas vezes sequer sabem quais as funções que deverão desempenhar no caso de lograrem êxito em algum desses: o que importa é o salário chamativo e o status que o cargo proporciona. E assim o círculo vicioso se torna cada vez mais duro, portanto, mais difícil de ser rompido. É por isso que se vê alguns profissionais confundido os seus papeis, bem como outros ignorando que há pessoas necessitando de uma prestação efetiva do desempenho da função do outro lado do balcão de atendimento. Chamar a atenção para a responsabilidade política que existe em cada tipo de cargo público é mais do que necessário. E isso vai para muito além dos cargos jurídicos. A questão possui problemas enraizados que precisam de um tratamento de base para que, aos poucos, pelo menos possa se ter algum tipo de mudança significativa. Daí o êxito na frase em que Schleiden inicia o conto aqui mencionado, que poderia muito bem servir como um arremate, vez que traz uma crítica necessária para que a reflexão seja posta em prática, visando mudanças efetivas: “muitos profissionais vivem da imagem do cargo”. Paulo Silas Taporosky Filho Advogado Especialista em Ciências Penais Especialista em Direito Processual Penal Especialista em Filosofia Mestrando em Direito pela UNINTER Membro da Rede Brasileira de Direito e Literatura Membro da Comissão de Prerrogativas da OAB/PR Referências PIMENTA, Schleiden Nunes. Contos Jurídicos: um dedo de prosa e um gole de justiça. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015. p. 227 Comments are closed.
|
ColunaS
All
|
|
Os artigos publicados, por colunistas e convidados, são de responsabilidade exclusiva dos autores, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento da Sala de Aula Criminal.
ISSN 2526-0456 |