Painel de Entrevistas com personalidades
ligadas ao Direito Penal, Processual Penal,
Criminologia e áreas correlatas
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Sala de Aula Criminal teve o privilégio de ouvir o doutorando Alaor Leite[1] falando a respeito do Projeto de Lei do Senado Federal nº 236/2012 – reforma do Código Penal brasileiro.
A iniciativa em obter as observações do lúcido pesquisador se deu em virtude de um projeto em que participam três colunistas[2] do Sala de Aula Criminal – o Grupo de Estudos de Direito Penal da CAI-OAB/PR, com enfoque nas alterações legislativas em decurso no país. Alaor Leite organizou uma valiosíssima obra[3], em que reuniu grandes nomes da doutrina penal nacional, tecendo observações críticas acerca do referido projeto. Em breve teremos aqui no site do Sala a resenha desta obra – fique atento! A despeito de sua rotina acadêmica extremamente atarefada, o autor conversou com o diretor do Sala de Aula Criminal, Paulo Incott, sobre alguns aspectos da reforma. Veja os principais pontos da entrevista: Paulo Incott: Desde que a sua obra foi lançada houve iniciativas no sentido de sanar os problemas apresentados? Alaor Leite: Não. A rigor, o reformador mostra-se coerente desde o início da reforma: não escuta a ciência nacional, nem tampouco observa o debate internacional. O PLS 236/12 perdeu força, e aguardou por longos meses a designação de novo relator, já que os relatores anteriores, Pedro Taques e Vital do Rego, passaram a ocupar outros cargos políticos. O novo relator, o Senador Antonio Anastasia, foi apenas designado em recente data, 15/09/16. É provável, assim, que a reforma, que teve seu início em 2012 por proposição do Senador José Sarney, retome o seu curso no ano que vem. No começo, com a designação do Ex-Senador Pedro Taques, que fora membro do Ministério Público Federal, acreditava-se que a ciência seria prestigiada, em razão do notório saber jurídico que ostenta aquele relator originário. Lamentavelmente, como hoje é cediço, não foi o que ocorreu. Ao contrário, buscou-se uma solução “compatibilista”, numa tentativa de abraçar múltiplas – e por vezes contraditórias – demandas institucionais. Algo como reformar os hospitais para atender aos planos de saúde, e não aos pacientes. O Senador Anastasia foi atuante professor da vetusta Faculdade de Direito da UFMG, o que naturalmente reacende as nossas esperanças de que, dessa vez, haverá um diálogo verdadeiro com a ciência. Note-se: verdadeiro, pois a ciência brasileira, estou certo, jamais se prestará ao papel de aparecer na reforma penal apenas como inaudito ornato, de modo a legitimar um processo legislativo notavelmente inidôneo. Nesse momento, cabe-nos denunciar os equívocos e indicar rumos para uma discussão racional. Paulo Incott: Aqueles que se manifestam na defesa do texto do PLS 236/2012 desqualificam os equívocos apontados como sendo produto de uma escolha da política criminal abordada. Em sua visão é legítima esta alegação? Alaor Leite: Se foram escolhas, foram escolhas completamente equivocadas e em descompasso com a ciência brasileira e internacional – basta ler o vasto material científico que a ciência brasileira produziu. É ônus do reformador apresentar as fontes, os argumentos científicos, as pesquisas empíricas em que se baseia o Projeto. A partir da justificativa do Projeto, é possível debater com a seriedade científica que qualquer anseio de encarcerar pessoas exige. A justificativa do último relatório do PLS 236/12, contudo, é sofrível e paupérrima em termos jurídicos. Como os reformadores não revelam as fontes em que se apoiaram, não posso evitar a dura conclusão de que, até aqui, as escolhas não são político-criminais, mas político-pessoais ou político-institucionais. Paulo Incott: O Brasil está passando por um momento turbulento no que diz respeito ao posicionamento do judiciário na esfera penal. Mudanças significativas vêm ocorrendo, como no caso da presunção de inocência, delação premiada e na possibilidade do uso de provas obtidas por meio ilícito. Seria esse o melhor momento para tramitar no Congresso uma proposta de Novo Código Penal? Alaor Leite: A procela não costuma ajudar o navegador. De outro lado, reformas penais acabam sempre ocorrendo como resposta a um contexto de turbulências sociais, políticas e econômicas. É o destino do penalista aprender a navegar em mar encapelado. Creio que há duas observações pertinentes nesse momento. A primeira é a de que, no plano ideal, seria possível pensar numa reforma global, mas que seguisse um ritmo calmo, para que o aprofundamento das matérias fosse possível. Se for pra correr, é melhor deixar como está. A Parte Geral dos Códigos Penais, em especial, não está à disposição dos legisladores, mas é fruto de uma complexa interação entre tradição jurídica, jurisprudência, estudos científicos etc. Não há como alterar essa parte dos Códigos sem a participação dos técnicos. A segunda observação é a de que, se de um lado a tentativa de reforma global é ambiciosa e exige tempo, deve-se evitar a todo custo a revisão de leis penais por “pacote de medidas”. Parte de nosso problema é precisamente a falta de unidade sistemática em nossa legislação penal. A ideia de reforma em retalhos é em si desaconselhável para nossa legislação, que padece de notória assistematicidade. Nesse sentido, a reforma global é mais louvável em seu propósito, ainda que este permaneça ambicioso. Como dito, uma reforma global pode ser boa, desde que seja técnica e refletida. O ambicioso propósito torna-se, contudo, irresponsável caso venha acompanhado de açodamento, o que parece ser o caso. Paulo Incott: Que alterações em sua opinião seriam bem-vindas em relação ao Código Penal em vigor? Alaor Leite: Há algumas alterações pontuais na Parte Geral que poderiam até ocorrer – a definição do erro de proibição no art. 21, o regramento do estado de necessidade no art. 24, a definição de autoria no art. 29 –, mas que exigiriam debate amplo. Se o timing político não corresponder ao tempo dos debates profundos, é melhor não alterar a nossa Parte Geral. Na Parte Especial, é preciso rever, sim, a sistemática de alguns grupos de crimes, como os crimes patrimoniais, que são responsáveis por grande parte de nossa taxa de encarceramento. Há grandes desproporções nessa matéria, e nosso legislador não seguiu, nesse particular, a melhor técnica. Não há dúvida de que há que se discutir alguns temas polêmicos, como a necessidade de se criminalizar a infidelidade patrimonial no setor privado e público, de se rever a questão da criminalização do uso de drogas. Qualquer alteração, por pontual que pareça, deve ser precedida por uma concepção sistemática para a Parte Especial. Acrescentar aqui, retirar acolá – como quem muda móveis de lugar –, embora confortável e por vezes politicamente venal, soa, a mim, improdutivo e, por vezes, cabotino. Entrevista concedida em 30/11/2016. [1] Alaor Leite é Mestre (LL.M.) em Direito pela Ludwig-Maximilians Universität München. Doutorando.em Direito na Ludwig-Maximilians Universität München, sob a orientação do Prof. Dr. Dr. h. c. mult. Claus Roxin. Coordenador Adjunto e Membro do Conselho Editorial da Revista Brasileira de Ciências Criminais (RBCCrim) [2] Paulo Silas T. Filho, Paulo Eduardo P. de Oliveira e Paulo R Incott Jr [3] LEITE, Alaor. Reforma Penal. São Paulo: Atlas, 2015.
3 Comments
5/14/2023 07:55:46 pm
Agradeço pelo compartilhamento da entrevista com o doutorando Alaor Leite sobre o Projeto de Lei do Senado Federal nº 236/2012 – reforma do Código Penal brasileiro. É sempre importante ouvir especialistas e suas análises críticas sobre as mudanças legislativas em curso no país. Parabéns ao Sala de Aula Criminal pela iniciativa e aguardamos ansiosamente pela resenha da obra organizada pelo doutorando Alaor Leite.
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ISSN 2526-0456 |