Todos aqueles que se aventuram na advocacia, sobretudo na advocacia criminal, acabam por se deparar, vez ou outra, com ela, a famosa audiência. Ela costuma ser, quiçá, o maior receio dos advogados iniciantes, por diversos motivos, mas o principal deles talvez seja o fato de não habituarem os futuros causídicos com a dinâmica tão peculiar da audiência de instrução já nas faculdades.
Somos muito acostumados a escrever e quase nada em falar. No processo penal, a audiência de instrução é o momento crucial na construção da tese de defesa. Ao contrário do processo civil, no qual a audiência é importante, mas se presta tão somente para afirmar o que foi estabelecido na inicial ou na contestação, no processo penal a estratégia defensiva tem como momento principal a audiência. É na audiência de instrução o momento adequado para trazer testemunhas, questionamentos aos peritos e, principalmente, é o momento para fazer com que os acusados tragam suas versões e apresentem sua reconstrução histórica dos fatos. Aliás, a audiência nada mais é do que isso, reconstrução histórica de fatos. Por isso mesmo é importante que o advogado criminal esteja devidamente preparado para apresentar uma reconstrução histórica condizente com a tese defensiva a ser arguida em alegações finais, já sedimentando o caminho para a argumentação a ser feita nos memoriais. Mas como conduzir a audiência? Talvez seja esse o principal questionamento dos jovens advogados. Em primeiro lugar, conhecimento dos autos é essencial. E não pensem que a audiência exige unicamente um conhecimento geral do feito. É preciso mais. A audiência exige que o advogado detenha um domínio preciso dos detalhes do processo, das minúcias. Estudar o caso em sua integralidade é a primeira grande medida a ser adotada pelo criminalista ao se dirigir a uma audiência. Por isso, não tenham vergonha em montar resumos do processo, fazer cópias de documentos importantes, de levarem os depoimentos prestados pelas testemunhas na fase de inquérito policial para confrontá-las em juízo. Se tiverem que levar uma mochila inteira de papéis importantes, levem. Nada disso tem o condão de diminuir a competência do advogado, mas, ao revés, serve para mostrar a todos os presentes o seu comprometimento com a causa. Outro ponto importante reside justamente na instrução das testemunhas e acusados. Não, isso não significa exigir que eles mintam ou inventem histórias – até porque testemunhas são compromissadas com a verdade, sob pena de crime – , longe disso. Significa que é necessário ao advogado, um dia ou dois antes da audiência, que chame todos aqueles que serão ouvidos para uma reunião, fazendo perguntas a eles como se estivesse do lado da acusação ou do juízo, até mesmo para poder dosar o quanto a testemunha pode ser prejudicial a sua defesa, se não será o caso de dispensá-la no dia. Da mesma forma, é importante ouvir o réu um dia antes, mostrando a ele todos os pontos que podem ser prejudiciais à defesa, para que o mesmo saiba a sua real situação dentro do processo e, com isso, tenha plena consciência do quanto é importante sua participação efetiva no momento de seu interrogatório. A instrução prévia é um ato de extrema importância. Por fim, temos a questão do que deve ser perguntado. As perguntas, em resumo, devem seguir a linha de sua defesa futura, a ser feita em alegações finais. Se você, por exemplo, quer provar que o réu não estava no local do crime, é importante que indique testemunhas que o viram em outro local, fazendo questionamentos nesse sentido, dentro de uma ordem lógica. Não se pergunta diretamente se “o senhor viu o réu no local x”, mas, sim, se ele sabe do que se trata o processo, se ele conhece o réu, sobre o que ele faz (caso sua função seja o fato que fez com que visse o réu noutro lugar) etc. Novamente, a audiência é reconstrução histórica de fatos, por isso mesmo deve ser conduzida nesse sentido, levando com que a testemunha ou o acusado afirmem fatos que, concatenados, irão culminar numa história linear. Mas e às testemunhas de acusação, o que perguntar? A dica é a mesma, deve se ter o conhecimento preciso do processo. Geralmente o Ministério Público não se reúne com as testemunhas por ele arroladas, o seu critério de seleção baseia-se no que foi dito ou apurado no inquérito policial. Justamente por isso é importante ao advogado ter conhecimento preciso dos detalhes dos autos, sobretudo da investigação preliminar, que originou o processo penal. As testemunhas de acusação devem ser confrontadas pelo que falaram na investigação criminal e também com detalhes da investigação. Não busquem fazer perguntas tão detalhadas que seriam difíceis de responder por qualquer um, do estilo, qual era o horário preciso dos fatos. Mas prefiram perguntas no sentido de perquirir sobre os detalhes e circunstâncias fáticas. Por exemplo, testemunhas policiais não têm muitas lembranças de fatos que atenderam, eles atendem ocorrências diversas todos os dias. Perguntas que transcendam o boletim de ocorrências (geralmente lido por eles antes da audiência) podem ser de grande valia. Pode ser vantajoso, a depender do caso, questionar sobre os detalhes do local da ocorrência, das pessoas que ali estavam, de quem os chamou, de como eles tomaram conhecimento dos fatos, são perguntas detalhadas que poderão culminar em respostas como “não me recordo” ou “não sei”, retirando um pouco da credibilidade da narrativa e deixando a acusação sem uma parcela de sua reconstrução histórica. Ademais, se for bom para sua segurança, levem consigo um roteiro de perguntas. Em resumo, preparação é essencial, sempre. Não importa se você tem um ou quarenta anos de advocacia criminal. Todo caso é único. E por exclusivo que é, merece uma preparação exclusiva. Com isso, espero que tenha ajudado a todos que ainda receiam pelo dia que sentarão na cadeira da defesa e assumirão a palavra. Então, boa audiência a todos. Douglas Rodrigues da Silva Especialista em Direito Penal e Processo Penal Advogado Criminalista Comments are closed.
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