Muito se tem visto e ouvido nos noticiários sobre a possibilidade de o vazamento do teor da delação premiada gerar nulidade, descarte, lacração e até mesmo envelopamento para sua inutilização ou inadmissibilidade.
Mas indagamos: o que isso tem de verdade? Realmente existe a possibilidade do vazamento do inteiro teor ou de parte da delação premiada gerar nulidade? Pode gerar nulidade processual? Pode haver descarte, lacração e até mesmo envelopamento para sua inutilização ou inadmissibilidade? Antes de ingressarmos ao cerne da questão e nas respostas, cabe asseverar o conceito de delação premiada. Delação premiada consiste na denúncia que um dos coautores ou partícipe faz à autoridade, no sentido de responsabilizar seu comparsa e ainda confessar sua autoria na prática delitiva. Adalberto José Aranha[1], sobre o tema, leciona: “A delação ou chamamento de co-réu consiste na afirmativa feita por um acusado, ao ser interrogado em juízo ou ouvida na polícia, e pela qual, além de confessar a autoria de um fato criminoso, igualmente atribui a um terceiro a participação como seu comparsa”. Luiz Flávio Gomes sustenta que ocorre a chamada delação premiada quando o acusado não só confessa sua participação no delito imputado (isto é, admite sua responsabilidade), senão também delata, incrimina outro ou outros participantes do mesmo fato, contribuindo para o esclarecimento de outro ou outros crimes e sua autoria[2] . Também denominada ‘chamamento de cúmplice’, ocorre quando no interrogatório o réu, além de reconhecer sua responsabilidade, incrimina outro, atribuindo-lhe participação[3] . A delação premiada está prevista em várias leis do ordenamento pátrio, mas foi com advento da Lei das Organizações Criminosas que, a delação teve uma dinamização e detalhamento melhor no campo prático. Indiscutivelmente, a delação premiada é um importante e eficaz instrumento de combate e repressão a crimes, mormente em crimes que envolvam organizações criminosas e que utilize as cortinas do aparato público para desenvolver ações delitivas. A sofisticação e articulação fisiológica criminosa evoluiu inimaginavelmente, e o Estado deve acompanhar esses avanços, propiciando aos órgãos responsáveis pela persecução penal, meios para elucidação das práticas delitivas da micro e macrocriminalidade, sob pena de prestigiar pessoas criminosas que fazem do crime, meios de obterem lucro fácil, influências espúrias e dizimar coletivamente inúmeras vidas e sonhos de cidadãos de bem (de recursos que não chegam para escolas, saúde, segurança pública etc, em virtude dos desvios e subtrações entre outros artifícios engenhosos que a Operação Lava-Jato tem revelado). Antes que pescadores de águas turvas lancem as críticas, adiantamos que não se faz discurso aqui de que “os fins justificam os meios”, mas propomos a premissa de “que os fins justificam os fins” e em que pese as críticas defensivas ao redor da moral e da ética que recaem sobre o delator e à delação, ambos ao final exercem um papel de hombridade muito maior do que as críticas lastreadas no falso puritanismo (que se olvida da conduta anterior do delatado entre outros aspectos), além de trazer resultados práticos como: revelar-se os propósitos de que o delator reconheceu os erros; além de responsabilizar os demais responsáveis; recuperar eventuais valores e bens obtidos com as práticas e restabelecer a situação ao estado anterior; devolver dinheiro aos cofres públicos e prestar informação de quem são as pessoas que agiam na surdina e nos bastidores). Fique claro, se querem tratar de ética e moral que são temas importantíssimos e relevantes para o Direito, que façam nas proporções devidas e reais, não debitando a “conta” apenas ao delator, mas também aos grandes figurões criminosos por de trás do aparato organizado de poder. Não se pode misturar os institutos ou dar colorido e consequências que a lei (instrumento legítimo) não conferiu para tanto. Qualquer tentativa nesse sentido de nulificar a delação obtida de forma lícita com observância aos requisitos legais em vista de vazamento, é despida de fundamento legal – pelo menos de acordo com o vigente ordenamento jurídico. Situação diversa teríamos, se o colaborador fosse torturado para delatar, porquanto a suas falas já viriam ao mundo contaminada, cuidando-se de prova ilícita. Agora se o colaborador presta a delação, e posteriormente essa delação vaza integralmente ou parcialmente, não há ilícito na prova e nem nulidade a ser arguida. Nessa hipótese, deve se investigar o agente responsável pela divulgação não autorizada – que incorreu em possível crime, mas sem se cogitar por qualquer inquinação de nulidade do teor da delação vazada. Há discussão no sentido de ser possível ou não punir o agente da imprensa pela referida divulgação antecipada (vazamento). Em que pese existirem vozes defendendo à punição, pensamos que a mesma é discutível, no viés de não se punir o agente de imprensa que noticiou a delação, em vista do art. 220, § 1o, da Constituição da República Federativa do Brasil, que permite a ampla divulgação de informações de interesse público, que corresponde ao caso de delações envolvendo valores vultosos desviados ou saqueados dos cofres públicos entre tantas outras modalidades criminosas. Não bastasse isto, o artigo 5o, inciso XIV, também da Carta Política Fundamental, resguarda o sigilo da fonte do profissional de jornalismo. Esse profissional não é obrigado a dizer quem lhe passou o conteúdo da delação realizada, mas ainda não homologada ou até mesmo homologada. Temos para nós que o fato de delações premiadas serem publicadas (vazadas) pela imprensa mesmo antes de as colaborações serem homologadas pela Justiça ou até depois não têm o condão e nem a força hercúlea de anular tais depoimentos (oitivas, interrogatórios etc). De outro lado, caso a investigação descortine agente integrante de investigação policial ou de operação que repassou a informação à imprensa, deveria o agente responder, em nossa visão, pelo delito cometido na forma do artigo 18 da Lei 12.850/2013 ou do artigo 325 do Código Penal (violação de sigilo funcional), a depender do caso concreto. De qualquer forma, se socorrendo das lições retiradas, no HC 13.589 – SP do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, impõe pontuar que a problemática do caráter sigiloso do acordo do investigado colaborador, ou acordo de delação premiada, deve ser analisada sob duplo aspecto: 1º aspecto: o sigilo da própria existência do acordo e de seus termos; e, 2º aspecto: o sigilo do conteúdo das declarações prestadas – sem jamais cogitar sua nulidade em caso de vazamento, se mantido o atual quadro do ordenamento jurídico pátrio. O advogado, Jorge Coutinho Paschoal, traz interessante divagação defendendo a não nulidade em caso de vazamento, assim como sobre a ausência de previsão de nulidade em caso de divulgação indevida do teor de delação premiada e discute as teorias de nulidade implícita. Confira-se (PASCHOAL, 2016, p. 1):
Como dito acima, comungamos do mesmo pensamento, qual seja, pela não incidência de nulidade em caso de vazamento de acordo de delação premiada. Ora, admitir as teses de nulidade, descarte, envelopamento ou lacração para inutilização, em caso de vazamento de acordo de delação premiada, seria um verdadeiro absurdo, pois bastaria vazar o teor da delação para tudo ser declarado nulo ou sem utilização prática, imperando-se mais uma vez a impunidade e outros interesses na contramão dos anseios sociais que estariam plenamente esvaziados. Com isto, se admitidas essas respeitáveis teses, podem ter certeza, teríamos incalculáveis fatores de multiplicação dos vazamentos. Adiante, em que pese ser censurável o vazamento de delação premiada, não se pode privilegiar a própria torpeza de delatados e de outros interesses escusos. Por zelo ao debate, trazemos à baila uma posição interessante do advogado, Antonio Eduardo Ramires Santoro, embora respeitosamente, não concordemos com aquela. O mencionado advogado defende em sua publicação outra ótica, analisando para isto, o artigo do juiz, Guilherme de Souza Nucci, ponderando que (SANTORO, 2016, p. 1).:
No artigo supra como se nota, cogita-se possível inadmissibilidade da obtenção da delação, sem descartar a incidência de nulidade (que teria aplicabilidade somente após à admissão) no vazamento de acordo delação, teses estas que apesar de sedutoras não podem se sustentar, por tudo que foi esposado. Conclusão Em conclusão, o vazamento do sigilo da delação – apesar de ser fato grave e trazer eventuais embaraços e prejuízos substanciais para as investigações ou andamento da ação penal, rendendo ainda à configuração de eventuais crimes – absolutamente não inquina de nulidade à colaboração feita de forma lícita, com a observância dos demais requisitos legais, e não inquina de nulidade o processo (ação penal ou outro procedimento). Entendemos também que possíveis vazamentos de acordo de delação premiada não podem ensejar descarte, “lacração”, envelopamento para inutilização ou inadmissibilidade da delação, diante do atual quadro do ordenamento jurídico brasileiro. Joaquim Leitão Júnior Delegado de Polícia no Estado de Mato Grosso Ex-assessor do Tribunal de Justiça de Mato Grosso Especialista em Ciências Penais Especialista em Gestão Municipal Referências bibliográficas: ARANHA, Adalberto José Q.T. de Camargo. Da prova no processo penal. 7. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2006. GOMES, Luis Flávio, CERVINI, Raul, OLIVEIRA, Willian Terra de. Lei de lavagem de capitais. São Paulo: RT, 1998. NUCCI, Guilherme de Souza. Vazamento de delação premiada gera nulidade da prova? Publicado no site Gen Jurídico da Editora Método em 06 de fevereiro de 2017. Disponível em: <<http://genjuridico.com.br/2017/02/06/vazamento-de-delacao-premiada-gera-nulidade-da-prova/>>. Acesso em 02 de abril de 2017. PASCHOAL, Jorge Coutinho. Delações vazadas podem ser anuladas? Publicação no Empório do Direito em 30/03/2017. Disponível em: <<http://emporiododireito.com.br/delacoes-vazadas-podem-ser-anuladas/>>. Acesso em 02 de abril de 2017. SANTORO, Antonio Eduardo Ramires. Vazamento das declarações do colaborador gera inadmissibilidade da colaboração premiada. Publicado no site Empório do Direito em 22/12/2016. Disponível em: <<http://emporiododireito.com.br/tag/vazamento-de-delacao/>>. Acesso em 02 de abril de 2017. TOURINO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 3. v. 27. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva 2005. [1] ARANHA, Adalberto José Q.T. de Camargo. Da prova no processo penal. 7. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 132. [2] GOMES, Luis Flávio, CERVINI, Raul, OLIVEIRA, Willian Terra de. Lei de lavagem de capitais. São Paulo: RT, 1998, p. 344. [3] TOURINO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 3. v. 27. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva 2005, p. 205. Comments are closed.
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ISSN 2526-0456 |