Li uma noticia[1] que me causou uma certa estranheza: Indenização para preso por más condições de presídio deve ir para a vítima, diz Promotor.
Bom, mais um caso do espírito punitivista do Ministério Público que, na maioria das vezes se dá por falta de estudo das bases e fundamentos do Direito Processual (em que pese haver Promotores que estudam o Direito interdisciplinariamente, respeitam as leis, as teorias jurídicas e, principalmente, a Constituição). Explico. Pesquisa recente divulgada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV, 2016)[2] feita junto ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) mostra que, embora a persecução criminal seja apenas uma das várias atribuições do Ministério Público, o foco da maioria dos membros do Ministério Público se dá para a Persecução Criminal. Senão vejamos, segundo a pesquisa as três maiores prioridades dos integrantes do MP são combate à corrupção (para 62% dos entrevistados), investigação criminal (49%) e infrações penais envolvendo crianças e adolescentes (47%), todavia são também atribuições do MP defender a aplicação das leis e o patrimônio público; Zelar para que o poder público efetive os direitos sociais e coletivos previstos na Constituição, como saúde, educação e meio ambiente Defender os direitos e interesses das populações indígenas Realizar o controle externo da atividade policial. O que fica evidente que não são prioridades no exercício das atribuições do órgão. Mas voltando ao tema central, quanto a indenização de presos, aqui estamos que tratando basicamente de uma causa de ilegitimidade ativa. Legitimidade ativa significa aquelas pessoas (físicas ou jurídicas) que estão aptas a fazer um pedido para a Justiça. Legitimidade é, inclusive, uma das condições da Ação (ao lado do Interesse de agir e da possibilidade jurídica do pedido). O douto Promotor Piracicabense afirma que, de acordo com a LEP em seus artigos 39, I e VII é dever do condenado indenizar as vítimas dos crimes que ele cometeu; até ai tá tudo perfeito, o problema é quando o Promotor acha que tem legitimidade para fazer o pedido de indenização contra o acusado, tendo em vista que, a Ação Civil Ex-Delicto (arts. 63 a 68 do Código de Processo Penal) que é o instrumento próprio para se requerer a indenização no âmbito criminal, ela embora esteja disciplinada no Código de Processo Penal, por ter caráter indenizatória ela, portanto, é de natureza cível. E quanto a legitimidade para pedir a indenização o código traz uma lista taxativa (não exemplificativa, ou seja, não pode ser ampliada tais hipóteses), logo quem tem legitimidade ativa para propor Ação Civil Ex-Delicto é:
Por essa parte final do artigo entendemos que em havendo Defensoria Pública na comarca de atuação do Promotor, restaria afastada a legitimidade ativa do Ministério Público. Nessa mesma esteira caminha a jurisprudência do STJ nos autos do REsp 888.081-MG e o STF também no RE 341.717-SP. Logo, o Ministério Público somente teria legitimidade para propor ação civil Ex-delicto, frise-se, se não houvesse Defensoria Pública. Todavia nosso posicionamento encontra divergência na doutrina:
Em que pese tal divergência, acreditamos que a fala do eminente representante do parquet vai além da mera questão de competência processual penal, pois ainda que se tratasse de uma competência concorrente (e aqui ousamos discordar, conforme visto assim), o que fica claro é caráter punitivista e “etiquetador” do Ministério Público em desconsiderar o preso como um sujeito de direitos. Haja vista que o julgado do RE 580252 – STF expõe e denuncia, acima de tudo, “condições degradantes por força do desleixo dos órgãos e agentes públicos” dos presídios brasileiros. No julgado do referido Recurso Extraordinário 580252 o plenário do STF aprovou a seguinte tese:
Desta forma o STF reconhece que caso não haja a observância de padrões mínimos de humanidade no Sistema Prisional em que o preso tiver sido recolhido caberá a devida indenização ao preso. Contudo o douto Promotor entende em sentido contrário ao decisum do Pretório Excelso, ou seja, influenciado inconscientemente pela teoria do etiquetamento dos indivíduos no sistema penal. Aqui se faz importante rever a tese do labelling approach ou do “etiquetamento das condutas” (corrente desenvolvida pela escola de Chicago no inicio do século XX – autores como BECKER, LEMERT, GOFFMAN, etc.) para entender o porquê estamos tratando de um Processo de Criminalização. Essa corrente sociológica, de forma precisa e escorreita define o crime como um interacionismo social, ou seja, ele é revelado através de processos formais e informais de definição e seleção. Uma conduta não é criminal “em si”, nem o seu autor um criminoso por concretos traços de sua personalidade ou influências de seu meio ambiente. A criminalidade se revela principalmente, como um status atribuído a determinados indivíduos mediante um duplo processo: a “definição legal de crime, que atribui à conduta o caráter criminal, e a “seleção” que etiqueta e estigmatiza um autor como criminoso entre todos aqueles que praticam tais condutas". (ANDRADE, 2016) O que o Promotor quis dizer, em outras linhas, traduz muito desse “etiquetamento”, o qual desconsidera o preso como sujeito de direitos, logo, o preso não teria direito a indenização, porque o preso não teria direito a nada. Ele (o preso), não é sequer, por essa lógica, mais um ser humano. Essa mentalidade desenvolvida por setores do Ministério Público é legitimada pela sociedade e pelos juízes. Parece que esquecemos que existem seres humanos lá, e nesse processos desumanizamos eles e nos desumanizamos também. Por isso o Sistema Penal é cruel. Rodrigo Bahia Advogado Pós-graduando em Ciências Criminais Referências: CHOUKR, Fauzi Hassan. Código de Processo Penal: comentários consolidados e crítica jurisprudencial. 6ªed. São Paulo: Saraiva. 2014. p. 215-216. ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Sistema Penal Máximo x Cidadania Mínima: códigos de violência na era da globalização. 2ª ed. rev. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado. 2016. p. 51. Indenização para preso por más condições de presídio deve ir para a vítima, diz Promotor. Disponível em: http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI254524,61044-Indenizacao+para+preso+por+mas+condicoes+de+presidio+deve+ir+para. Acessado em 27 de fev. de 2017. Pesquisa do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESEC/FGV) coordenada por Julita Lemgruber. Disponível em: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2016/12/12/O-que-o-Minist%C3%A9rio-P%C3%BAblico-deve-fazer.-E-o-que-seus-integrantes-acham-mais-importante-fazer. Acessado em 27 de fev. de 2017. [1] Indenização para preso por más condições deve ir para a vítima. Disponível em: http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI254524,61044-Indenizacao+para+preso+por+mas+condicoes+de+presidio+deve+ir+para. Acessado em 27 de fev. de 2017. [2] Pesquisa do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESEC/FGV) coordenada por Julita Lemgruber. Disponível em: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2016/12/12/O-que-o-Minist%C3%A9rio-P%C3%BAblico-deve-fazer.-E-o-que-seus-integrantes-acham-mais-importante-fazer. Acessado em 27 de fev. de 2017. [3] CHOUKR, Fauzi Hassan. Código de Processo Penal: comentários consolidados e crítica jurisprudencial. 6ªed. São Paulo: Saraiva. 2014. p. 215-216. Comments are closed.
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