Como é de conhecimento geral, no Brasil, pessoas com idade inferior a 18 anos são considerados inimputáveis, ou seja, não respondem penalmente por seus atos praticados.
Tal situação gera um sentimento de intranquilidade em boa parte da população, por entender que a sanção através do ECA (Estatuto da Criança e Adolescente) não seria suficientemente para conter crimes cometidos por pessoas inatingíveis pelo Código Penal, conforme previsão da Constituição Federal, em seu Art. 228[1]. Para atender os anseios populares, há em discussão na CCJ 04 Projetos Lei que versam sobre a matéria. São eles: PEC 74/2011; PEC 33/2012; PEC 21/2013; e PEC 115/2015. Importante destacar que, em que pese todos tratarem de proposta de emenda a Constituição Federal para possibilitar a redução da maioridade penal, não se tratam se mera repetição, pois cada um deles têm pontos particulares que os diferenciam. Vejamos:
O PL nº 74/2011 pretende a redução da maioridade penal para 15 anos, apenas nos casos de homicídio doloso e roubo seguido de morte. Se a intenção era a de combater crimes praticados por inimputáveis, a limitação de tipos penais não parece ser suficiente para atingir o objetivo de punir adolescentes através da legislação Penal, pois vários crimes (atos infracionários) violentos continuariam no âmbito do ECA.
O PL nº 33/2012 tem a interessante proposta de criar um instituto chamado de “desconsideração da inimputabilidade penal”. Todavia, tal proposta parece estar descontextualizada com a realidade forense, isto porque além da maioria das Varas Criminais espalhadas pelo país não terem condições mínimas para realizar tal exame complexo (basta comparar com o instituto do incidente de insanidade mental), tal projeto não explica onde o adolescente permaneceria durante a realização da “desconsideração da inimputabilidade penal”. Portanto, trata-se de um projeto descontextualizado com a estrutura do Poder Judiciário.
Já o PL 21/2013 é o projeto com redação mais simples e objetiva, apenas pretende a alteração do marco da maioridade penal para 15 anos, sendo aplicável a qualquer tipo de crime e também a contravenção penal. Porém aqui fica a seguinte indagação: se com a redução da maioridade penal haverá também modificações nos crimes em que há a previsão de pena maior quando a vítima tem menos de 18 anos, ou seja, se o tratamento diferenciado para vítimas com idade inferior a 18 anos sofreia alteração. Da mesma forma, o PL não explica se adolescentes com idade entre 15 e 18 anos seriam retirados da esfera de proteção do ECA. Claramente, trata-se de uma proposta que limita o objeto tão somente em relação à punição, pois não faria muito sentido poder punir criminalmente um adolescente e ao mesmo tempo essa mesma pessoa estar amparada pelo ECA. Em outras palavras, fica a dúvida se um adolescente poderia ser autor do crime de pedofilia em uma Ação Penal e vítima pelo mesmo crime em outro processo.
A redação do PL 115/2013 é semelhante a do PL 74/2011, a exceção da idade mínima da maioridade penal para 16 anos e a ampliação do rol de crimes. Aqui vale destacar que o PL 115/201 não prevê, pelo menos de forma explicita, a possibilidade de punir um adolescente em caso de cometimento de crime equiparado ou semelhante a hediondo, tais como tráfico de drogas, terrorismo e tortura, ou o crime de roubo por exemplo. De acordo com site do Senado Federal, dos 04 Projetos Lei acima, o PL 33/2012 é o que possui maior aceitação popular, segundo pesquisa realizada através de meio eletrônico. Por se tratar de um tema com muita aceitação popular, e principalmente por existirem inúmeros artigos científicos que debatem se a redução da maioridade penal seria a solução para conter a criminalidade, o único objetivo tratado aqui é tentar demonstrar quis seriam os efeitos na prática, caso algum dos projetos fosse aprovado. Como já dito anteriormente, o que também pode ser confirmado em todas as justificações dos Projetos Lei acima destacados, a intenção com a redução da maioridade penal é dar uma resposta mais rígida à sociedade, em relação a atos infracionários (até que exista efetiva emenda na Constituição Federal, adolescente comete ato infracional e não crime) cometidos por adolescentes. Pois bem, como a intenção da redução da maioridade penal é trazer para o campo do Direito Penal, pessoas que por enquanto são inimputáveis, é certo que a execução penal, bem como todos as modalidades de prisão processual também devem estar atreladas a discussão. Neste ponto a questão começa a ficar complexa, isto porque se a ideia é combater a criminalidade, tornando adolescentes imputáveis, a solução não pode ser apenas com a simples alteração do marco limitador da inimputabilidade previsto pela Constituição. Resumindo, como redução da maioridade penal irá, por evidente, acarretar em aumento do número de pessoas presas antes do trânsito em julgado (prisão em flagrante, temporária, preventiva e execução provisória da sentença, prisão por pensão alimentícia[6]) e também após o trânsito em julgado (execução penal), é preciso que exista lugar para esses adolescentes. Aqui é preciso fazer uma breve pausa para refletir a situação atual do nosso sistema prisional. No início de 2.017, após rebeliões em penitenciárias no norte do Brasil, a Ministra Carmen Lúcia convocou os presidentes de todos os Tribunais de Justiça para debater a crise do sistema prisional. Além da falta de estrutura para possibilitar a recuperação dos presos, um dos pontos centrais do debate foi à falta de vagas nos estabelecimentos prisionais[7]. Pouco antes das rebeliões ocorridas nas penitenciarias no Norte do país, após vários precedentes análogos, o STF editou a Súmula Vinculante n º 56 que estabelece o seguinte:
Vejamos agora o precedente que foi mencionado na Súmula Vinculante:
A partir do conteúdo da Súmula Vinculante em destaque é fácil compreender que, não é possível que um preso condenado permaneça em regime mais gravoso do que o devido. Tal Súmula Vinculante foi editada pelo STF em 2.016, formulada a partir de diversos precedentes. Levando-se em consideração que o Supremo Tribunal Federal é a última instância do Poder Judiciário, é certo que os precedentes que resultaram na edição da Súmula Vinculante nº 56 são referentes a casos penais ocorridos há muitos anos. Assim, inobstante a Súmula Vinculante nº 56 ser recente, o problema da falta de vagas no sistema prisional é antigo. Para ilustrar a situação, eis um precedente do TJRS, que no ano de 2.009, determinou que o cumprimento de uma condenação em regime semi aberto fosse convertida em prisão domiciliar, “enquanto não houver estabelecimento que atenda aos requisitos da Lei de Execuções Penais”: Eis a ementa:
A crise no sistema penitenciário não é recente, e pior, o precedente do TJRS não é um caso isolado. Muito antes da edição da Súmula Vinculante nº 56, a jurisprudência de vários Tribunais tinha o posicionamento de não admitir o cumprimento de pena em local inadequado:
A falta de vagas é apenas um dos problemas dentro do sistema penitenciário, que a julgar pela recente edição da Súmula Vinculante nº 56, está muito longe de ser resolvido, pois a solução adotada é a substituição por prisão domiciliar com ou sem monitoramento eletrônico. Situação ainda pior é a dos presos provisórios (prisão em flagrante, temporária e preventiva). O Conselho Nacional do Ministério Público apresentou recentemente um relatório que apontou que das cadeias públicas espalhadas pelo Brasil, visitadas no ano de 2.015[15], 40% dos presos são provisórios (sem condenação transitada em julgado). Para se ter ideia, no resto do mundo, a média de presos provisórios é de 25%[16]. Outro dado que se faz necessário comentar é o número de brasileiros com idade entre 15 a 19 anos. De acordo com o ultimo CENSO realizado em 2.010, a população masculina de faixa etária de 15 a 19 anos correspondia a 8.558.868, enquanto a feminina era de 8.432.002[17]. Justamente por conta de tais números é que não há como tratar do tema de redução da maioridade penal, sem que exista uma estrutura mínima para receber os novos imputáveis. Se o aumento da criminalidade é causa direta da impunidade (de acordo com a justificação de todos os Projetos Lei sobre redução da maioridade penal), e a solução seria através do encarceramento de uma das maiores faixas da população brasileiras (adolescentes com idade entre 15[18] e 18 anos), a mera alteração do marco limitador da inimputabilidade (Art. 228 CF), não será medida suficiente para combater o crime. Pelo contrário, pois como é possível notar pelos precedentes acima, bem como pelas recentes rebeliões, o sistema penitenciário não tem vagas suficientes para os adultos, portanto, a simples alteração da maioridade penal vai levar o sistema penitenciário ao total colapso por déficit de vagas. Assim, se a premissa utilizada para a redução da maioridade penal era a de conter a impunidade dos adolescentes, a possibilidade de que estes passem responder criminalmente por seus atos, sem lugar suficiente para cumprir a pena, vai acarretar em mais pessoas, que deveriam cumprir pena em algum estabelecimento prisional passem a cumprir em suas casas, ou monitoradas por tornozeleira eletrônica, conforme é o que determina a Súmula Vinculante 56 do STF. Não adianta querer prender se não há lugar. Ainda que se admitisse a redução da maioridade penal como solução ao aumento dos índices de criminalidade, o repentino aumento da população carcerária, sem a menor dúvida, vai causar um efeito inverso, qual seja a substituição por prisão domiciliar de muitos condenados (possivelmente também de presos provisórios pelo mesmo motivo). O problema do aumento da criminalidade é de solução muito mais complexa do que simplesmente reduzir a maioridade penal. A questão não gira somente em torno de ser contra ou a favor da redução da maioridade penal, e sim se o país tem ou não estrutura. Desde a publicação do primeiro Projeto Lei sobre o tema, que ocorreu em 2.011, o nosso país sediou uma Copa do Mundo e uma Olimpíada. Enquanto tais eventos mundiais foram realizados com sucesso e com uma estrutura padrão de primeiro mundo, pessoas continuam a morrer em filas de hospital, o nosso trânsito é um dos mais violentos do mundo, o acesso e a qualidade de ensino continuam com níveis insatisfatórios e o nosso sistema penitenciário, além não servir para ressocializar, já não tem mais vagas. Para finalizar, fica o convite para que o leitor assista à palestra do professor Amilton Bueno de Carvalho[19], para que possa refletir se o aumento da criminalidade deve ser atribuído à impunidade, e se em razão disso a resposta seria o encarceramento ou o aumento das penas. Thiago Luiz Pontarolli Advogado. Especialista em Direito Penal e Processual Penal. Referências: [1] Art. 228 CF - São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial. [2] Disponível em: http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/101484. [3] Disponível em: http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/106330 [4] Disponível em: http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/112420 [5] Disponível em: http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/122817 [6] Se a redução da maioridade penal fosse aprovada, seria possível prender um adolescente emancipado que não paga pensão alimentícia? Esse ponto não foi abordado por nenhum dos Projetos Lei. [7] Disponível em: http://g1.globo.com/politica/noticia/carmen-lucia-recebe-presidentes-dos-tjs-nesta-quinta-e-discute-crise-nos-presidios.ghtml [8] STF - RE 641320, Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, DJ 11.5.16. [9] TJRS – APC 70029175668, Amilton Bueno de Carvalho, 5ª Cª Cr., DJ 15.04.09. [10] STJ – RHC 45787, Marco Aurélio Bellizze, 5.ª Tª., DJ. 13.05.2014 [11] TJPR – HC 1124951-7, Marques Cury, 3ª Cª Cr., DJ 26.09.13. [12] TJSP – HC 00044226220168260000, Otávio de Almeida Toledo, 16ª Cª Cr., DJ 15.03.16. [13] TRF 3 - HC 0025778-93.2013.4.03.0000, Paulo Domingues, 1.ª T.ª, DJ 14.01.14. [14] TJSE – HC 2010314290, Geni Silveira Schuster, 1ª Cª, Cr, DJ 17.01.11. [15] Disponível: http://www.cnmp.mp.br/portal/images/Publicacoes/documentos/2016/Livro_sistema_prisional_web_7_12_2016.pdf [16] http://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2016-12/presos-provisorios-agravam-situacao-do-sistema-prisional-diz [17] http://vamoscontar.ibge.gov.br/atividades/ensino-fundamental-6-ao-9/49-piramide-etaria.html [18] Dos 4 Projetos Lei, os PL 74/2011 e PL 21/2013 preveem a redução da maioridade para 15 anos. [19] Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=VBsJJdNSdWM. Comments are closed.
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