Não se ignora que, após a apresentação da Resposta à Acusação, alguns juízes tem tido o mal vezo de abrir vistas ao Ministério Público, a pretexto de lhe oportunizar o “contraditório”. Sem embargo de respeitável opinião em sentido contrário[1], entendemos que o Ministério Público não pode se pronunciar após a apresentação de defesa escrita pelo acusado no rito comum ordinário. Permitir que o Parquet se manifeste nos autos após a Resposta à Acusação ofende, não só a legalidade do Código de Processo Penal, mas a própria Constituição.
Com a máxima venia, muito embora tal praxis venha se consagrando, a intervenção do Ministério Público após a Resposta à Acusação no rito comum ordinário eiva assaz de tisna nulificante insanável o processo criminal (não se tratando de mera irregularidade). Explica-se. Em primeiro lugar, está em jogo uma questão de princípio. Os dogmas do contraditório e da ampla defesa, sempre, em todos os ritos, colocam a manifestação defensiva após a manifestação acusatória. Permitir a inversão dessa ordem seria perverter princípios indeclináveis do Estado Democrático de Direito. Sem embargo, a Defesa sempre deve falar por último. Aliás, o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA e o TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO, já decidiram no seguinte sentido:
Com efeito, há uma ofensa à Constituição, por violação à ampla defesa e ao contraditório, princípios reitores da Magna Carta. Destarte, desde um marco que sufraga a dialética ínsita a um sistema acusatório, a tese articulada pela Acusação deve ser feita na denúncia, para que a Defesa esgrima uma antítese na resposta, e, logo em seguida, o Juízo extraia uma síntese judiciária. Frise-se: Tese acusatória na denúncia; antítese defensiva na resposta; síntese judiciária na decisão. Eis a dialética contraditória do sistema acusatório, que coloca cada personagem no seu devido lugar dentro do protagonismo da relação jurídica entabulada entre partes. Dentro dessa ótica, ofenderia a dialética processual se a Acusação pudesse, num primeiro momento, articular sua tese acusatória e, depois que a Defesa opusesse sua antítese defensiva, o Ministério Público pudesse tornar a apresentar uma tese, sem que a Defesa objetasse nova antítese, para que o Juiz extraísse a sua síntese. Mesmo que a Defesa pudesse objetar nova antítese, haveria profunda insegurança jurídica em saber quando o Juiz abriria vistas ao Ministério Público e quando não abriria. Aliás, nem se alegue, aqui, que o Ministério Público se manifestaria na condição de custus legis. Sem querer invadir a seara da discussão acerca da condição do Ministério Público – se fiscal da lei ou se parte – o fato é que, nesta etapa embrionária do processo, em que o titular da ação penal recém ofereceu a denúncia, prepondera a sua condição de parte, na perspectiva de um sistema adversarial e acusatório. Portanto, deve ser repelida a ilação de que, na condição de custus legis, o Ministério Público poderia ser instado a se manifestar acerca das teses que a Defesa articula na resposta. Em segundo lugar, cabe lembrar que a mens legis que inspirou a mini-reforma da Lei Adjetiva Penal em 2008 caminhou no sentido de se proporcionar um contraditório prévio ao recebimento da denúncia. Assim, haveria um esvaziamento estratégico do instituto da Resposta à Acusação, se o Ministério Público pudesse se manifestar após a Defesa, nesta oportunidade. Em terceiro lugar, por derradeiro, há uma questão de ordem legal, que deve ser defendida. Note-se bem: o art. 409 do CPP permite, sim, que o Ministério Público se manifeste após a Resposta à Acusação. Todavia, duas ressalvas merecem ser salvaguardadas: a uma, que o art. 409 do CPP diz respeito ao Rito do Tribunal do Júri; a duas, que o Ministério Público só pode ser instado a se pronunciar após a Resposta à Acusação, quando a Defesa junta documentos ou argui preliminares. Isto significa que: (a) se o legislador tomou o cuidado de salvaguardar as hipóteses em que o Ministério Público poderia se manifestar após a Resposta à Acusação; (b) se somente existe previsão de tal manifestação no Rito do Júri, e, ainda assim, apenas quando a Defesa junta documentos ou argui preliminares; e (c) se, no Rito Comum Ordinário, não houve semelhante previsão; portanto, isto só pode significar que o silêncio legislativo em relação à manifestação do Ministério Público após a Resposta à Acusação no Rito Comum Ordinário, foi um silêncio proposital, com um significado muito claro – o legislador quis que o Ministério Público não se manifestasse após a Resposta à Acusação, no Rito Comum Ordinário. Afinal, não faria sentido que o legislador tivesse salvaguardado duas hipóteses (juntada de documentos ou argüição de preliminares) nas quais o Parquet pode se manifestar no Rito do Júri, se, sempre, o Ministério Público pudesse se manifestar, independentemente do rito ou do conteúdo da resposta. Por fim, não há que se falar na possibilidade de analogia, a fim de se importar, ao Rito Comum Ordinário, as disposições do art. 409 da Lei Instrumental Penal, que permite ao Parquet manifestar-se após a Resposta à Acusação. De um lado, porque não se pode fazer analogia in malan partem ao Acusado. De outro lado, porque não se pode fazer analogia da exceção para a regra. À guisa de conclusão, pode-se dizer que deve ser considerado nulo, de pleno direito (leia-se: com prejuízo presumido), o processo-crime em que o Ministério Público se manifestou após a Resposta à Acusação no Rito Comum Ordinário. Adriano Bretas Advogado Criminal Professor de Direito Processual Penal da PUC/PR Membro da Comissão de Advogados Criminais da OAB/PR Matteus Macedo Advogado Criminal Pós-graduando em Direito Penal e Processual Penal [1] Vide o atual posicionamento do STJ nos julgamentos do HC 164.490/PE e RHC 66.376/SP e do STF no julgamento do HC 105.739/RJ; Comments are closed.
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