Passou a ser comum, após o início da Operação Lava Jato, os meios de comunicação veicular notícias[1] referentes à condução coercitiva, junto a uma série de medidas (prisão preventiva, temporária, medida de busca e apreensão) no momento de deflagração da persecução policial.
Inclusive, a forma reiterada das vezes em que a condução coercitiva é mencionada pelos veículos de comunicação, faz parecer que o deferimento da medida seria uma espécie de elemento necessário ao andamento do Inquérito, ou mesmo da instrução processual. Mas quando é possível determinar uma condução coercitiva? Inicialmente, é essencial desfazer qualquer possível confusão entre a condução coercitiva com as modalidades de prisão. Em nosso atual arcabouço jurídico penal há três possibilidades de prisão, são elas: a prisão em flagrante (aquela em que o sujeito é surpreendido durante a prática de um crime, logo após, ou perseguido[2], devendo ser homologada em audiência de custódia, em 24 horas após o fato[3]), a temporária (que somente pode ser decretada durante o Inquérito, dentro dos requisitos impostos pela Lei 7.960/89, por prazo determinado[4]e[5]) e a prisão preventiva (que pode ser decretada tanto na fase de Inquérito quanto na judicial, desde que presentes os requisitos previstos no Art. 312 CPP[6], sem prazo definido). Por sua vez, a condução coercitiva é uma medida deferida pelo Juiz, quando alguém, após ser devidamente intimado se recusa a comparecer perante a Autoridade Judicial ou Policial, sem justificativa.
Assim, por mais que uma leitura apressada possa sugerir, a condução coercitiva não pode ser confundida como uma modalidade de prisão[7], e sim uma medida que visa obrigar o comparecimento de pessoa relevante à produção de prova (vítima[8], acusado[9], testemunha[10], perito[11], etc.[12]e[13]), porém, somente quando deixar de atender a uma intimação. Portanto, a condução coercitiva é uma medida que visa garantir a produção da prova, após a recusa injustificada de comparecimento de pessoa regularmente intimada. Levando-se em consideração que somente pode(ria) ser conduzido de forma coercitiva, alguém que tivesse se recursado a comparecer perante Autoridade Policial ou Judicial, será que as 81 pessoas conduzidas coercitivamente na deflagração da Operação Carne Fraca[14], se recursaram a comparecer a sede da Policial Federal, após intimadas? O Código de Processo Penal não é um mero livro de sugestões e sim de regras. Da forma como a condução coercitiva vem sendo aplicada, não há a menor dúvida do desvirtuamento da sua função. Além do constrangimento desnecessário que essas 81 pessoas passaram, ao serem surpreendidas com presença da Polícia Federal em suas casas, possivelmente, a validade da produção da prova poderá (leia-se deverá!) ser questionada, por ter sido realizada de forma contrária a Lei. Thiago Pontarolli Advogado Criminal Especialista em Direito Penal e Processual Penal Referências: [1] http://oglobo.globo.com/economia/silas-malafaia-alvo-de-conducao-coercitiva-em-caso-de-corrupcao-em-royalties-1-20657682; http://blogs.oglobo.globo.com/lauro-jardim/post/pf-conduz-coercitivamente-ex-presidente-do-pactual.html; http://oglobo.globo.com/brasil/presidente-do-tce-rj-levado-depor-por-agentes-da-pf-20637069; http://oglobo.globo.com/brasil/pt-pede-que-stf-declare-ilegal-conducao-coercitiva-19062118; http://blogs.oglobo.globo.com/lauro-jardim/post/policia-federal-busca-operador-do-pmdb-do-senado-para-conducao-coercitiva.html; http://oglobo.globo.com/brasil/pf-convoca-funcionario-de-duda-mendonca-citado-em-panilha-da-odebrecht-1-20289707. http://www.conjur.com.br/2017-mar-21/moro-determina-coercitiva-blogueiro-descobrir-fontes. [2] Art. 302. Considera-se em flagrante delito quem: I - está cometendo a infração penal; II - acaba de cometê-la; III - é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração; IV - é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração. [3] CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS - Artigo 7º - Direito à liberdade pessoal 5. Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo. [4] Art. 2° A prisão temporária será decretada pelo Juiz, em face da representação da autoridade policial ou de requerimento do Ministério Público, e terá o prazo de 5 (cinco) dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade [5] § 4o A prisão temporária, sobre a qual dispõe a Lei no 7.960, de 21 de dezembro de 1989, nos crimes previstos neste artigo, terá o prazo de 30 (trinta) dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade. [6] Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria. [7] Aqui é preciso citar uma posição divergente da Doutrina, pois Guilherme da Souza Nucci entende que a condução coercitiva seria uma “modalidade prisão cautelar de curta duração”- ver em NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 13ª ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2014. [8] Art. 201. (...) § 1o Se, intimado para esse fim, deixar de comparecer sem motivo justo, o ofendido poderá ser conduzido à presença da autoridade. [9] Art. 260. Se o acusado não atender à intimação para o interrogatório, reconhecimento ou qualquer outro ato que, sem ele, não possa ser realizado, a autoridade poderá mandar conduzi-lo à sua presença. [10] Art. 218 CPP - Se, regularmente intimada, a testemunha deixar de comparecer sem motivo justificado, o juiz poderá requisitar à autoridade policial a sua apresentação ou determinar seja conduzida por oficial de justiça, que poderá solicitar o auxílio da força pública [11] Art. 278. No caso de não-comparecimento do perito, sem justa causa, a autoridade poderá determinar a sua condução. [12] Art. 411, § 7º CPP - Nenhum ato será adiado, salvo quando imprescindível à prova faltante, determinando o juiz à condução coercitiva de quem deva comparecer. [13] Art. 535 CPP - Nenhum ato será adiado, salvo quando imprescindível a prova faltante, determinando o juiz a condução coercitiva de quem deva comparecer. [14] http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/pf-deflagra-carne-fraca/ Comments are closed.
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