Tenho escrito aqui para o Sala abordando reflexões que partem da pesquisa nas áreas da Criminologia, Filosofia, Sociologia e Psicologia. Hoje, porém, gostaria de pedir licença ao leitor para abordar uma temática completamente diferente.
O motivo que anima esta alteração, ou melhor, este intervalo, tem que ver com o fato de que vivemos um período de intensificação das agressões perpetradas através das redes sociais, que desgastam quem aprecia o debate, a escrita e o diálogo. A cada vez que se externa suas percepções ou o resultado de seus estudos e se recebe, não um possível contraponto que o leva a avaliar melhor seus conceitos e rever o caminho trilhado para suas conclusões, mas sim uma enxurrada de ofensas, afrontas e insultos, pessoais inclusive, provenientes na maioria das vezes de pessoas com as quais você nunca se relacionou diretamente, a vontade é mesmo desistir. Ainda esses dias vi o amigo Cyro Marcos Silva ser injuriado ao extremo em virtude de ter sido completamente mal interpretado em um comentário que fez relacionado ao sistema prisional brasileiro. Diante desse quadro, me sinto movido a escrever aqui sobre três (haveriam muitos outros) tipos de argumentação para os quais a resposta mais produtiva é encerrar o assunto e “pegar o rumo”. Entenda isso como um desabafo e uma estratégia. Nem de longe os escritos se prestam a exaurir as formas de argumentação possíveis, muito menos ensaiar uma espécie de “manual” (que seria neste caso do que NÃO fazer). 1. Argumentos ad personam: consistem em desvalorizar ou desautorizar o discurso do outro através de ataques que incidem sobre a sua pessoa, suas escolhas, seu carácter ou seus atos. Exemplos típicos: “aquele é um socialista de iPhone”. “Defende os pobres mas anda de carro do ano”. Note que a linha de raciocínio se recusa a avaliar o que foi dito ou refutar a idéia apresentada, preferindo se dirigir contra a suposta contradição entre o que pessoa diz e faz. Acontece que, muitas vezes, a síntese conclusiva (enunciado - o que a pessoa diz > o que pessoa faz > conclusão que aponta suposta contradição) empregada é falaciosa. Nos exemplos citados é assim por pelo menos dois motivos: primeiro em virtude da generalização ou mutilação do significado atribuído ao significante “socialismo”; segundo em virtude da falsa contradição atribuída à posse de bens materiais e o desejo de igualdade social (já confundida e generalizada dentro de um satanizado “socialismo”). Dentro desta perspectiva da falsa contradição é possível que a falácia se apresente também como “falso dilema” (apresentação de duas formas de visão/solução como as únicas possíveis, sendo plausíveis outras). 2. Redução ao absurdo: consiste em demonstrar o argumento do outro como um absurdo, utilizando-se de uma falácia lógica. Procura tornar seu enunciado verdadeiro por mostrar sua negação como falsa. Também conhecido como prova indireta ou recusa à contradição. Esta forma de argumentação difere da hipérbole, que pode ser bem utilizada e útil. A hipérbole é uma figura de linguagem que serve para enfatizar um ponto, muitas vezes dramatizando-o (por exemplo, na frase: “estou morrendo de sede”). Difere também do simples apontamento de contradições dentro da linha de raciocínio do seu interlocutor ou entre as conclusões desse e seu resultado prático ou real (as consequências da aceitação dos enunciados). Obviamnete isso seria válido. Já a redução ao absurdo é empregada sem o comprometimento com a explicação que subjaz necessária, bastando por si e gerando uma resistência ao argumento contrário, bloqueando as linhas de diálogo - ou o interlocutor se insere na mesma linha de argumentação, sob o risco de reforçar o absurdo levantado ou, pela impossibilidade de trazer o diálogo ao razoável novamente, se cala. Ex. - Enunciado: não se deve garantir um tratamento humanístico aos que cometeram um crime porque estes não conferiram um tratamento humanístico às suas vítimas. Se eu aceito o contrário estou dizendo que: os criminosos deram um tratamento humanístico às vitimas (enunciado absurdo) ou, estou dizendo que os criminosos devem receber um tratamento melhor do que as suas vítimas (enunciado absurdo). O argumento é falacioso pelo seguinte (minimamente): primeiro, porque o Estado não pode agir segundo as mesmas motivações/paixões de seus súditos; ele obrigatoriamente deve se restringir a agir dentro da racionalidade ditada pelo consenso, consubstanciada, primordialmente, na Constituição (que inclusive, no caso do Brasil, define seus “fundamentos” e “objetivos fundamentais” – arts. 1º e 3º CF/88). Segundo, porque a pena não possui mais finalidade vingativa no Estado Democrático de Direito (embora o Brasil esteja muito longe de ser um... porém, como é o projeto em construção, precisa servir de parâmetro). Dar um tratamento idêntico ao supostamente utilizado por aquele que cometeu o crime é a base do talião, há séculos superado e inaceitável numa sociedade que se diz pós-moderna (ou mesmo modernamente tardia). Há inclusive uma questão principiológica (estruturante) aqui, traduzida no que é conhecido como “vedação ao retrocesso em matéria de direitos humanos”. 3. Ladeira Escorregadia: pode ser definido como o argumento que faz parecer que, se permitirmos que aconteça A, isso fará com que aconteça B, por isso não podemos permitir que A ocorra. Semelhante ao argumento do tipo Causa Falsa, que não será tratado neste momento, embora assaz relevante. Essa linha de raciocínio evita que se lide com a questão real, voltando a atenção para possibilidades extremas. Como não apresenta nenhuma prova de que tais hipóteses extremas realmente ocorrerão, esta falácia toma a forma de um apelo à emoção do medo. Ex - Enunciado: se permitirmos a legalização da comercialização de drogas viveremos rodeados de pessoas drogadas. Este argumento ignora o consumo elevadíssimo de psicotrópicos já legalizados, como antidepressivos e calmantes, acessíveis sem muito esforço por seus dependentes. Inclua-se nesta análise o álcool e veremos como a sociedade tem convivido com substâncias estimuladoras ou depressoras do sistema nervoso central já por séculos. Ignora também que a lei não é eficiente em impedir o uso. Segundo a OMS o consumo tem crescido a cada ano, sem nenhuma amostra de redução obtida com a repressão penal. Darei por encerrado este escrito. Acredito que, com as breves observações expostas, se possa perceber que a habilidade em argumentar (ou teimar e agredir verbalmente) não pode ser tida como sinônimo de inteligência, sabedoria ou sequer de conhecimento. Estes podem sim ser percebidos na capacidade de aceitar visões diferentes, dialogar com civilidade, perceber no outro uma fonte rica de aprendizagem e, acima de tudo, “só [saber] que nada sabemos”. Paulo Roberto Incott Jr Diretor Executivo do Sala de Aula Criminal Pós-graduando em Direito Penal e Processual Penal Pós-graduando em Criminologia Referência COPI, Irving M. Introdução à lógica. São Paulo: Mestre Jou, 1994 Comments are closed.
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ISSN 2526-0456 |