355 ml da mais pura prova...

Da Série: "Baseado em Casos Sur(reais)!"
​Episódio 8

- “A senhora, suponho, vende cerveja no seu comércio. Certo?”
- “Sim! É um restaurante. Vendo cerveja, sim...”
- “Com base no seu cardápio... qual é o valor de cada latinha?”
- “Dezesseis reais, Excelência. Cada latinha!”

​Por Marion Bach

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Cabelos longos e negros. Julguei que a negritude havia sido conquistada com muita tintura. Devo admitir, porém, a possibilidade de erro. Embora me dedicasse a todo detalhe de cada julgamento, desde que assumi o cargo de Juiz de Direito em Arapoti, nunca entendi muito sobre tinturas.

Roupa com transparência, colada ao corpo. Um tanto rechonchudo. Esse segundo julgamento me foi facilitado, é verdade. As provas – bem como o culote da simpática senhora – eram visíveis e extensas.
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Cumprimentou o guarda, já na porta de entrada do Fórum. Em seguida, cumprimentou os dois servidores do cartório. Cruzou olhar com um advogado, que consultava um processo no balcão. Mesmo diante da evidente intenção do (indelicado) advogado de não lhe cumprimentar, a senhora fez questão de sorrir. E ainda o chamou pelo nome. Tão simpática.Agia como se fosse velha conhecida de todos.

Entrou na sala e se sentou. Logo seria interrogada. Li, então, a acusação que lhe imputava o Ministério Público. Segundo a denúncia, os cabelos longos e negros seriam proprietários de uma casa de prostituição, na qual foram encontradas, exercendo o ofício, três moças menores de idade.

Talvez inspirado pelas vestimentas da ré, optei por conduzir o interrogatório de modo bastante... transparente.

- “A senhora é, de fato, proprietária de uma casa de prostituição aqui em Arapoti?”
- “Jamais, Excelência. Jamais. Eu tenho apenas um comércio.”
- “E que tipo de comércio a senhora tem?”
- “Uma lanchonete. Restaurante...”
- “Entendo. Consta no processo, porém, que nesse seu restaurante existiriam três quartos.”
- “Excelência. Sou de família simples. Não tenho condições de ter dois imóveis. Reformei a minha própria casa para abrir o meu comércio. Os três quartos são meus. Da minha residência.”
- “A senhora, pelo que verifiquei, – aceite os meus pêsames - é viúva. Também não possui filhos. Há necessidade de três quartos?”
- “Um quarto é meu. O outro é utilizado pela minha sobrinha, que mora em Ponta Grossa, mas gosta mesmo é de passar férias em Arapoti. O terceiro, Excelência, o senhor está convidado a conhecer: tem apenas dois beliches.”
- “Certo, certo. A polícia, quando esteve no seu comércio, constatou a presença de três moças menores de idade. Quem seriam essas moças?”
- “A minha sobrinha! Justamente! Passando as férias em Arapoti. Gosta tanto que dessa vez trouxe uma coleguinha!”
- “E a terceira moça?”
- “Olha, Excelência... agora o senhor me apertou. Sei que não é o correto e que posso ser responsabilizada. Mas prefiro confessar. A terceira moça, menor de idade, trabalha para mim. É caixa do restaurante. Não tive condições de registrar a carteira de trabalho...”

O advogado, que acompanhava a simpática e conhecida senhora, não escondia o alívio com o desenrolar do interrogatório. Os espectadores, que lotavam a sala de audiência de Arapoti – fiéis apreciadores do tempero do restaurante -, trocavam olhares de esperança. Mas, desde que assumi o cargo de Juiz de Direito de Arapoti, me dedico a todo detalhe de cada julgamento. Parti, então, para a última pergunta.

- “A senhora, suponho, vende cerveja no seu comércio. Certo?”
- “Sim! É um restaurante. Vendo cerveja, sim...”
- “Com base no seu cardápio... qual é o valor de cada latinha?”
- “Dezesseis reais, Excelência. Cada latinha!”

O julgamento, devo confessar, me foi facilitado. A prova – bem como o preço da cerveja – era grandiosa por demais.Tingidos ou não, aqueles longos cabelos negros não poderiam ser absolvidos.
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Difícil, porém, foi fundamentar a minha – tão íntima – convicção...

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Marion Bach
Advogada
Mestre em Teoria do Estado pela UFPR
Professora de Direito Penal da UNICURITIBA e UNIFAE

​* O protagonista da presente crônica é Daniel Ribeiro Surdi de Avelar, Juiz de Direito Titular da 2a Vara do Tribunal do Júri de Curitiba/Paraná.

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