Artigo da colunista Paula Yurie Abiko no sala de aula criminal, vale a leitura! ''Mesmo com os dados mencionados, na execução penal observa-se a dificuldade no reconhecimento da presunção de inocência em ações penais posteriores. Para os apenados que cumprem pena na execução, o não reconhecimento da presunção de inocência em condenação na ação penal posterior, seja por novo delito ou fuga, enseja demasiadas sanções disciplinares, como as descritas no artigo 64, inciso III do Estatuto Penitenciário do Paraná, além da regressão de regime, alteração da data base para a progressão de regime e demais benefícios, como livramento condicional, remição de penas, saídas temporárias''. Por Paula Yurie Abiko Após 1 ano de vigência da Lei nº 13.964/2019, denominada de pacote ‘’anticrime’’, a legislação já mostrou a que veio. Conforme os dados do Conselho Nacional de Justiça, chegamos em 900 mil presos no sistema carcerário brasileiro. E chegamos a 900 mil presos no sistema prisional, após um ano da pandemia global do Sars Cov 2, com curva ascendente de contágio, conforme demonstrado no gráfico elaborado pelo monitoramento semanal do Conselho Nacional de Justiça. Portanto, observa-se que mesmo no período de calamidade pública que nos encontramos, com o preocupante cenário atual, o encarceramento segue em um ritmo acelerado e contínuo. No tocante à desigualdade social e aos impactos da pandemia, reflete ROTHENBURG, (2020, p. 18): ‘’Há um evidente efeito reflexivo da pandemia em relação aos pobres: eles são os mais e mais severamente atingidos pelo Covid-19, que impacta duramente a economia e acaba por provocar um aumento da pobreza’’, ainda o autor traz uma reflexão fundamental sobre a tributação das grandes fortunas ou a necessidade de implementação de uma renda básica de cidadania, ressaltando: ‘’ A desigualdade material suscitada pelo Covid-19 interpela o Direito a adotar mecanismos efetivos de redistribuição de renda, que haverão de incluir o asseguramento de uma renda básica e a tributação das grandes fortunas’’. Outro dado preocupante, é a quantidade de presos provisórios no país sofrendo os impactos do sistema prisional nesse período de calamidade pública, conforme os dados do CNJ, é possível observar que mais de 40% são de presos provisórios, com mais 24,65% com execução provisória da pena. Apenas 35,05% possuem condenação definitiva. Muitos desses indivíduos após a devida instrução processual poderão ser absolvidos, mas já cumprem pena. Em um momento de aceleração exacerbada do contágio de Sars Cov 2, acentua-se a preocupação dos familiares com os apenados.
Ainda, para os apenados que cumprem pena na execução penal, houve o recrudescimento do poder punitivo com a Lei nº 13.964/2019, que sofreu severas alterações. Houve alteração no tocante à saída temporária de indivíduos que cometeram delitos equiparados a hediondos com resultado morte. Conforme disposição do artigo 122, §2°, os mesmos não terão direitos às saídas temporárias no âmbito da Execução Penal. Outro ponto controverso na redação da atual lei é a homologação de faltas graves pela recusa em submeter-se ao procedimento de identificação do perfil genético, previsto no artigo 50, indo contra os princípios basilares da presunção de inocência. As alterações nos delitos considerados hediondos também foram bem significativas, sendo incluídos no rol, o roubo circunstanciado pela restrição de liberdade da vítima, nos termos do artigo 152, §2°, V, o roubo com emprego de arma de fogo, conforme artigo 152, §2° A, inciso I, ou pelo emprego de arma de fogo de uso proibido ou restrito, bem como foi inserido no rol dos crimes hediondos o furto qualificado com a utilização de explosivos ou de artefato análogo que cause perigo comum, nos termos do artigo 155, §4° A. Conforme os dados do INFOPEN, quase metade dos indivíduos privados de liberdade foram condenados por delitos patrimoniais ou tráfico de drogas, e, portanto, a inclusão de mais delitos patrimoniais no rol de delitos equiparados a hediondo ensejará um aumento exponencial da população prisional. Há presunção de inocência na execução penal? Mesmo com os dados mencionados, na execução penal observa-se a dificuldade no reconhecimento da presunção de inocência em ações penais posteriores. Para os apenados que cumprem pena na execução, o não reconhecimento da presunção de inocência em condenação na ação penal posterior, seja por novo delito ou fuga, enseja demasiadas sanções disciplinares, como as descritas no artigo 64, inciso III do Estatuto Penitenciário do Paraná, além da regressão de regime, alteração da data base para a progressão de regime e demais benefícios, como livramento condicional, remição de penas, saídas temporárias. No tocante à presunção de inocência na execução penal ressalta BRITO (2019, 74): ’’É certo que, mesmo após sua condenação por um crime anterior, sua conduta posterior deve ser analisada caso a caso, e o estado de inocência deve acompanhá-lo, para que antes da revogação ou destituição de algum direito, possa provar sua inocência’’. Soa no mínimo desarrazoado e desproporcional, aplicar sanções disciplinares a apenados que podem vir a ser considerados inocentes posteriormente, ainda mais no âmbito da execução penal, no qual reiteradamente direitos e garantias fundamentais dos apenados são mitigadas. Isso pois, o entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre o sistema carcerário brasileiro é de estado de coisas inconstitucional, nos termos da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 347, pelos demasiados problemas presentes no cárcere brasileiro, superlotação, proliferação de doenças, falta de locais adequados para higiene pessoal, em completa dissonância com o que prevê a Constituição da República e a Lei de Execução Penal.
Nos casos de fugas sem novos delitos, é essencial ouvir os apenados antes da homologação da falta. Muitos denotam na prática que fugiram para visitar os genitores ou filhos doentes, ou para, em um ato de desespero, tentar prestar algum auxílio aos familiares. Nesses casos, é possível pleitear o afastamento das faltas graves, dependendo da gravidade da situação exposta. Nos casos em que for devidamente homologada, deve-se sempre observar os princípios da proporcionalidade e individualização da pena, eis que são vedadas as sanções coletivas, nos termos do artigo 45, §3º da Lei de Execução Penal. 2.2. Regressão de regime A regressão de regime também possui impactos claros na execução penal, considerando que para progredir de regime novamente, como exemplo do regime fechado para o regime semiaberto, e posteriormente ao regime aberto, será necessário o cumprimento de novo lapso temporal. O regime fechado, como possui um cumprimento de pena mais severo, pode dificultar o trabalho e estudo dos apenados, sendo mais um óbice à concessão de remições de penas por trabalho e estudo, prejudicando em demasia os apenados que almejam um reinserção social, além da falta de locais para estudo e trabalho a todos durante o cumprimento das penas. O trabalho é um direito do apenado na execução penal, ressaltando Roig (2018, p. 88) nesse sentido: Por outro lado, indicando que o trabalho também é direito do apenado, aponta o art. 41 da LEP: “constituem direitos do preso: II – atribuição de trabalho e sua remuneração”. O inadimplemento estatal quanto à atribuição de trabalho aos presos faz surgir o direito à chamada remição ficta, a beneficiar aqueles que desejam trabalhar, mas não o fazem por absoluta falha do Estado. Ainda, uma regressão do regime semiaberto ao regime fechado, pode impossibilitar uma harmonização no regime semiaberto, muito importante para apenados e apenadas que conseguem um emprego com o uso da tornozeleira eletrônica. Para as apenadas é ainda mais importante, eis que a maioria possui filhos pequenos, e a harmonização facilita no deslocamento e cuidado das crianças menores. 2.3. Alteração da data base para a progressão de regime Quando há a homologação das faltas graves na execução penal, altera-se a data base para a progressão de regime. Isso quer dizer que se um apenado encontra-se no regime semiaberto e tem falta grave homologada, sendo regredido de regime, apenas irá progredir ao regime semiaberto novamente, quando cumprido novo lapso temporal, agora com base nas porcentagens de progressão de regime previstas na Lei nº 13.964/2019. Com base na Lei n° 13.964/2019, a progressão de regime ocorrerá da seguinte forma: I – 16% da pena, se o apenado for primário e o crime tiver sido cometido sem violência à pessoa ou grave ameaça; II – 20% da pena, se o apenado for reincidente em crime cometido sem violência à pessoa ou grave ameaça; III – 25% da pena, se o apenado for primário e o crime tiver sido cometido com violência à pessoa ou grave ameaça; IV – 30% da pena, se o apenado for reincidente em crime cometido com violência à pessoa ou grave ameaça; V – 40% da pena, se o apenado for condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, se for primário; VI – 50% da pena, se o apenado for: a) condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, com resultado morte, se for primário, VEDADO O LIVRAMENTO CONDICIONAL; b) condenado por exercer o comando, individual ou coletivo, de organização criminosa estruturada para a prática de crime hediondo ou equiparado; ou c) condenado pela prática do crime de constituição de milícia privada; VII – 60% da pena, se o apenado for reincidente na prática de crime hediondo ou equiparado; VIII – 70% da pena, se o apenado for reincidente em crime hediondo ou equiparado com resultado morte, VEDADO O LIVRAMENTO CONDICIONAL. Diante do claro impacto no regime prisional dos apenados na execução penal, é de suma importância que a homologação de falta grave e regressão do regime prisional ocorram somente após o trânsito em julgado da ação penal posterior. Ainda, o cenário preocupante e a curva ascendente de contágio do Sars Cov 2, ensejam maior cautela na hora de condenar provisoriamente os apenados, ou homologar faltas graves na execução penal em ações sem o trânsito em julgado, por todas as consequências no cumprimento da pena expostos, bem como na vida dessas pessoas. Paula Yurie Abiko Especialista em direito penal e processual penal - ABDCONST. Pós graduanda em Direito Digital (CERS). Graduada em direito - Centro Universitário Franciscano do Paraná (FAE). Membro do Grupo de Pesquisa: Modernas Tendências do Sistema Criminal. Membro do grupo de pesquisas: Trial By Jury e Literatura Shakesperiana. Membro do GEA - grupo de estudos avançados - teoria do delito, (IBCCRIM). Membro do Neurolaw (grupo de pesquisas de Direito Penal e Neurociências – Cnpq). Membro do GEDIPI (grupo de pesquisas de direito penal internacional da FAE - Cnpq). Integrante da comissão de criminologia crítica do canal ciências criminais. Integrante da comissão de Direito & literatura do Canal ciências criminais. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: BRITO, Alexis Couto de, Execução penal, 5ª edição, São Paulo: Saraiva Educação, 2019. CHAVES JR., Airto. Além das grades: a paralaxe da violência nas prisões brasileiras. 1. ed. Florianópolis, Tirant lo blach, 2018. Conselho Nacional de Justiça, Banco Nacional de monitoramento de prisões, <https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2019/08/bnmp.pdf>, acesso em 05 de abril de 2021. ROTHENBURG ,Walter Claudius, COVID-19 PARA TODAS E TODOS: PANDEMIA, IGUALDADE E DEMOCRACIA, Covid 19, crise sanitária e crise de direitos: perspectivas jurídicas sobre a pandemia no Brasil, México e Colômbia, Coordenadores: Pietro de Jesús Lora Alarcón, Walter Claudius Rothenburg, São Paulo, Tirant Lo Blanch, 2020. ROIG, Rodrigo Duque Estrada, Execução penal: teoria crítica, 4ª edição, São Paulo: Saraiva Educação, 2018. NOTAS: O sistema prisional acaba tornando-se um ambiente violento e com poucas chances de ressocialização diante das arbitrariedades cotidianas, a tese Doutoral de Chaves Jr trabalha esses pontos, ressaltando que: ‘’ Na medida em que se articula a manutenção de uma estrutura de violência no campo penal legislativo, abandonam-se quaisquer chances de desconstrução de uma Violência estrutural: reproduz-se a si mesma num programa de circularidade e na melhor forma daquilo que Michel Foucault denominou de ‘’isomorfismo reformista’’, pois, apesar de sua idealidade, suas reformas legais servem para que coisas se mantenham exatamente como estão (solução puramente artificial e simbólica’’, p. 188 e 119, CHAVES JR., Airto. Além das grades: a paralaxe da violência nas prisões brasileiras. 1. ed. Florianópolis, Tirant lo blach, 2018. Para citar um exemplo das doenças no sistema prisional, ressalta-se o alto índice de doenças como tuberculose no cárcere por exemplo. Ressaltam Winter e Garrido: ‘’A tuberculose no Brasil também se apresenta como um grave problema de saúde pública, apesar das taxas de incidência e mortalidade terem caído nos últimos anos. Só em 2015 o número de casos novos de TB confirmados representou 63.189. Entre 2005 e 2014, contabilizou-se uma média de 70 mil novos casos de TB e 4.400 mortes. Nos últimos anos, houve no Brasil uma queda de 20,2 % na incidência de TB e uma redução em 21,4% no índice de mortalidade de TB, cumprindo as metas internacionais3. No entanto, o panorama da tuberculose no Brasil ainda inspira cuidados, especialmente entre pessoas privadas de liberdade’’, <https://www.scielo.sa.cr/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1409-00152017000200020&lang=pt>, acesso em 06 de abril de 2021.
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