Artigo de Izabele Vitoria Santos e Stéfanie Santos Prosdócimo no sala de aula criminal, vale a leitura! ''No tocante à clemência, esta pode ser definida como sentimento ou disposição de perdoar, indulgência pela ação cometida, conforme entendimento do STJ.[4] Vale dizer, não é o reconhecimento da não culpabilidade, mas sim um pedido de desculpas aceito por intermédio da íntima convicção do jurado. Na hipótese de absolvição do réu por quesito genérico, cabível o recurso de apelação, a ser interposto no prazo de 5 dias contados da decisão do Júri, quando esta for manifestamente contraria à prova dos autos, nos termos do artigo 593, inciso III, alínea “d”, do Código de Processo Penal''. Por Izabele Vitoria Santos e Stéfanie Santos Prosdócimo Inicialmente, cumpre informar que o Tribunal do Júri concede existência a principal forma de representação da sociedade perante o sistema jurídico, onde a própria comunidade atingida pelo fato típico, ilícito e culpável possui a competência de aplicar a solução judicial, esta consubstanciada nos parâmetros de seus valores.[1]
A instituição do júri é norteada por princípios, estes de cunho constitucional, são eles: plenitude de defesa, sigilo das votações e soberania dos veredictos. Além disso, compete-lhe o julgamento dos crimes dolosos contra a vida (artigo 5º, inciso XXXVIII, alíneas “a”, “b”, “c” e “d”, da Carta Magna). Feita essa breve análise acerca do juízo natural competente para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, pode-se agora enfrentar o ponto principal desta sucinta escrita: o exame do posicionamento dos tribunais superiores quando a divergência em torno da absolvição do acusado com fundamento na tese de clemência e a insurgência ministerial sob o argumento de contrariedade à prova dos autos. No que tange ao Conselho de Sentença, prima facie, cabe mencionar que o artigo 472 do Código de Processo Penal estabelece que após a formação do Conselho de Sentença, o presidente irá se levantar, os presentes no plenário também, depois disto o presidente fará aos jurados a seguinte exortação: “Em nome da lei, concito-vos a examinar esta causa com imparcialidade e a proferir a vossa decisão de acordo com a vossa consciência e os ditames da justiça.”, na sequência os jurados deverão responder: “Assim o prometo”. Finda a instrução processual, os jurados serão submetidos aos quesitos e a votação acerca da matéria do fato e da absolvição. Ademais, importante mencionar que os quesitos serão formulados obedecendo a ordem prevista no artigo 483 do Código de Processo Penal. Merece especial atenção o quesito previsto no inciso III do artigo supracitado, que possui o seguinte texto “se o acusado deve ser absolvido”. Sobre o quesito acima citado, os ensinamentos de Eliete Costa Silva Jardim:[2] Nesse quesito, concentram-se todas as possíveis teses defensivas e viabiliza-se a absolvição do réu por quaisquer motivos, valorizando-se o sistema da íntima convicção e o princípio da soberania dos veredictos. A par da simplificação da quesitação, cuja complexa formulação anterior gerava incontáveis polêmicas e arguições de nulidade, a previsão da obrigatoriedade do quesito genérico de absolvição propicio ao jurado manifestar livremente a sua convicção independentemente do reconhecimento da materialidade e da autoria ou participação e de forma não necessariamente adstrita às teses defensivas articuladas. Assim, se o jurado decidir pela absolvição, pouco importa a razão pela qual o fez, pouco importa se acolheu alguma tese esposada pela defesa ou se alguma outra motivação interna o orientou. Ante o exposto, é possível concluir que a convicção e posterior decisão do jurado é íntima e não há necessidade de fundamentação externalizada acerca da mesma.[3] Impõe salientar que a falta de quesito obrigatório gera nulidade do julgamento, de acordo com os termos da Súmula nº 156 do Supremo Tribunal Federal, in verbis: “É absoluta a nulidade do julgamento, pelo júri, por falta de quesito obrigatório''. No tocante à clemência, esta pode ser definida como sentimento ou disposição de perdoar, indulgência pela ação cometida, conforme entendimento do STJ.[4] Vale dizer, não é o reconhecimento da não culpabilidade, mas sim um pedido de desculpas aceito por intermédio da íntima convicção do jurado. Na hipótese de absolvição do réu por quesito genérico, cabível o recurso de apelação, a ser interposto no prazo de 5 dias contados da decisão do Júri, quando esta for manifestamente contraria à prova dos autos, nos termos do artigo 593, inciso III, alínea “d”, do Código de Processo Penal. Sobre o tema, a doutrina de Aury Lopes Jr:[5] Já que está autorizado que o jurado absolva por qualquer motivo, por suas próprias razões, mesmo que elas não encontrem amparo na prova objetivamente produzida nos autos, será que ainda cabe esse recurso? A resposta sempre nos pareceu negativa, não cabendo mais esse recurso por parte do Ministério Público quando a absolvição for com base no quesito genérico, até porque a resposta não precisa refletir e encontrar respaldo na prova, ao contrário dos dois primeiros (materialidade e autoria), que seguem exigindo ancoragem probatória pela própria determinação com que são formulados. O réu pode ser legitimamente absolvido por qualquer motivo, inclusive metajurídico, como é a “clemência” e aqueles de caráter humanitário. Como forma de ilustrar a ideia desenvolvida, veja-se um caso concreto de homicídio tentado que tramitou na Comarca de Londrina/PR. O Conselho de Sentença reconheceu a materialidade e a autoria delitivas, contudo, absolveu a ré, tendo em vista a tese de clemência utilizada pela defesa. Logo após, o órgão acusador interpôs recurso de apelação com fulcro no artigo 593, inciso III, alínea “d”, do Código de Processo Penal. Ao final, o recurso foi desprovido, segue a ementa: APELAÇÃO CRIMINAL. INSURGÊNCIA MINISTERIAL. TRIBUNAL DO JÚRI. HOMICÍDIO TENTADO. ABSOLVIÇÃO. ALEGAÇÃO DE DECISÃO CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS NÃO VERIFICADA. POSSIBILIDADE DE ABSOLVIÇÃO FUNDADA EM CLEMÊNCIA NOTADAMENTE POR SER TESE SUSTENTADA PELA DEFESA E SE ENCONTRAR APOIADA NO CONJUNTO PROBATÓRIO - PRINCÍPIOS DA SOBERANIA DOS VEREDICTOS E PLENITUDE DE DEFESA. RECURSO NÃO PROVIDO. (TJPR - 1ª Câmara Criminal - 0074292-68.2015.8.16.0014 - Londrina - Rel.: DESEMBARGADOR NAOR RIBEIRO DE MACEDO NETO - J. 21.03.2019, sem negrito no original). Nesse sentido, apresenta-se um segundo exemplo, no qual o indivíduo foi denunciado pela suposta prática dos crimes de homicídio simples (artigo 121, caput, do CP) e tráfico de drogas (artigo 33, caput, da Lei nº 11.343/2006), sendo que este foi absolvido. Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso de apelação e sustentou que a decisão era manifestamente contrária à prova dos autos. Em seguida, o Juízo não acolheu o recurso e contra argumentou que os jurados podem decidir de acordo com sua íntima convicção, desde que haja elementos a corroborar com a tese defensiva. Além disso, ressaltou o princípio constitucional da soberania dos veredictos. A ementa do caso analisado: TRIBUNAL DO JÚRI. APELAÇÃO CRIMINAL. HOMICÍDIO SIMPLES E TRÁFICO DE DROGAS (ART. 121, “CAPUT”, DO CP E ART. 33, CAPUT, LEI 11.343/2006). ABSOLVIÇÃO. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. NULIDADE DO JULGAMENTO EM RELAÇÃO AO CRIME DE TRÁFICO DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE SOB O ARGUMENTO DE DECISÃO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS, EIS QUE INEXISTENTE PREVISÃO LEGAL PARA A ABSOLVIÇÃO POR CLEMÊNCIA. NÃO ACOLHIMENTO. POSSIBILIDADE DE OS JURADOS DECIDIREM DE ACORDO COM SUA ÍNTIMA CONVICÇÃO, DESDE QUE HAJA ELEMENTOS NOS AUTOS A CORROBORAR A TESE DEFENSIVA. PRINCÍPIO DA SOBERANIA DOS VEREDICTOS. LICITUDE NA VOTAÇÃO BASEADA NA ÍNTIMA CONVICÇÃO DOS JURADOS LEIGOS. DECISÃO ESCORREITA, QUE DEVE SER MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. (TJPR – 1ª Câmara Criminal – 0011124-87.2016.8.16.0069 – Cianorte - Rel.: DESEMBARGADOR MIGUEL KFOURI NETO - J. 15.06.2018, sem negrito no original) Diante da divergência ora levantada, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a repercussão geral do Tema 1087: “Possibilidade de Tribunal de 2º grau, diante da soberania dos veredictos do Tribunal do Júri, determinar a realização de novo júri em julgamento de recurso interposto contra absolvição assentada no quesito genérico, ante suposta contrariedade à prova dos autos”. [6] Por fim, cabe destacar que a decisão mencionada torna mais tênue o sistema da íntima convicção e o princípio da soberania dos veredictos. Além disso, reforça-se que os jurados não estão vinculados às teses de defesa, a outros fundamentos jurídicos ou a razões fundadas em juízo de equidade ou clemência. IZABELE VITORIA SANTOS Graduanda em Direito, 5º período, Centro Universitário Internacional UNINTER. Estagiária no Tribunal de Justiça do Paraná. Membro do Grupo de Estudos (PIC): Direito Penal e Literatura. E-mail: [email protected] STÉFANIE SANTOS PROSDÓCIMO Advogada. Pós-graduanda em Direito Penal e Processo Penal pelo Centro Universitário Internacional UNINTER. Pós-graduanda em Direito Processual Civil pelo Centro Universitário Internacional UNINTER. Membro do Grupo de Estudos (PIC): Direito Penal e Literatura. E-mail: [email protected] NOTAS: [1] SILVA, Rodrigo Faucz Pereira. AVELAR, Daniel Ribeiro Surdi de. Os 200 anos do Tribunal do Júri no Brasil. Consultor Jurídico, 2022. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2022-jun-18/tribunal-juri-200-anos-tribunal-juri-brasil>. Acesso em: 03 abr. 2023. [2] JARDIM, Eliete Costa Silva. Tribunal do Júri – Absolvição Fundada no Quesito Genérico: Ausência de Vinculação à Prova dos Autos e Irrecorribilidade. Revista EMERJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 67, p. 13-31, 2015. Página 3. Disponível em: <https://www.emerj.tjrj.jus.br/revistaemerj_online/edicoes/revista67/revista67_13.pdf>. Acesso em: 02 abr. 2023. [3] PANZOLDO, Lisandra. SILVA, Rodrigo Faucz Pereira. AVELAR, Daniel Ribeiro Surdi de. SAMPAIO, Denis. A ausência de motivação dos veredictos no júri. Consultor Jurídico, 2022. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2022-out-08/tribunal-juri-ausencia-motivacao-veredictos-conselho-sentenca>. Acesso em: 02 abr. 2023. [4] Campos, Walfredo C. Tribunal do Júri - Teoria e Prática, 6ª edição. Disponível em: Minha Biblioteca, Grupo GEN, 2018. Apud Clemência, segundo o STJ,58 “significa sentimento ou disposição de perdoar, indulgência pela ação cometida. Acesso em: 15 abr. 2023. [5] JUNIOR, Aury Lopes. Tribunal do júri: a problemática apelação do artigo 593, III, “d” do CPP. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2017-ago-18/limite-penal-tribunal-juri-problematica-apelacao-artigo593-iii-cpp>. Acesso em: 03 abr. 2023. [6] Supremo Tribunal Federal – STF. Tema 1087. Disponível em: < https://portal.stf.jus.br/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=5745131&numeroProcesso=1225185&classeProcesso=ARE&numeroTema=1087>. Acesso em: 16 abr. 2023.
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