É inegável, todo jovem advogado criminal sonha com o seu primeiro júri. Desde o dia em que decidiu ser defensor de causas criminais, o profissional se imagina em meio ao plenário do tribunal popular envergando as vestes talares diante do atento e impávido conselho de sentença. Imagina-se em longos discursos e frases de efeito. Vê-se bradando contra os arbítrios acusatórios e contra a sanha punitiva que se volta contra o seu assistido.
A instituição do tribunal do povo – como costuma ser chamado – é sedutora. Os seus rituais, a sua estrutura, os seus componentes. Tudo chama a atenção do jovem causídico e lhe movimenta a curiosidade e o desejo. O tribunal do júri, da maneira como é construído no imaginário forense, se mostra, de fato, mágico. Tanto que é quase impossível encontrar um acadêmico que não queira assistir ou participar de uma sessão de julgamento, ainda que a mesma seja meramente simulada. Entretanto, a advocacia perante o tribunal do júri não é tarefa para aventureiros, tampouco pode ser vista como mero exercício de retórica. A atuação no tribunal popular não se resume a vestir beca e argumentar em voz alta. Não se restringe à atividade de confronto com os acusadores. Não é, em hipótese alguma, uma peça teatral. Mas se apresenta como uma atividade extremamente técnica que exige do profissional muito mais do que um belo conjunto de frases de efeito. Por isso mesmo, não é local adequado àqueles “criminalistas de ocasião” ou “tribunos de conveniência”. O procedimento do tribunal do júri, ao contrário do que muita gente pensa, não se restringe ao julgamento perante o conselho de sentença. Na realidade, o que chega ao plenário é muito pouco perto do que efetivamente foi trazido e debatido na primeira fase do procedimento. A prova, em sua forma mais elementar, é discutida antes mesmo da causa chegar ao plenário, pois é trazida aos autos e enfrentada de maneira incisiva quando o processo sequer apresenta sentença de pronúncia (quando se decide se determinado caso deve ir ou não ao plenário). A produção da prova e a primitiva construção da tese defensiva ocorrem já no chamado sumário de culpa. É ali o momento em que os elementos de prova serão amealhados no processo pela primeira vez e, consequentemente, serão postos sob o crivo do contraditório. A construção da estratégia da defesa terá, pois, o seu primeiro “termômetro” – na medida em que ali serão feitas as primeiras impugnações à construção defensiva – justamente na primeira fase do procedimento do júri. Daí a importância de atuação do advogado desde o início do processo e a importância de um conhecimento que transcenda a mera oratória. É preciso, antes de tudo, pleno conhecimento dos autos e a exata compreensão da estratégia que será adotada. Também é preciso que se tenha o correto entendimento de quais são os elementos essenciais a serem apresentados no sumário de culpa, as chances concretas de impronúncia e absolvição sumária e a prudência de se apresentar elementos direcionados especificamente ao plenário. Não se olvide que – embora equivocado – o entendimento aplicado quando do momento da pronúncia ainda é pelo prestígio do in dubio pro societate. Ou seja, ainda que existam dúvidas sobre a autoria do delito doloso contra a vida, deve-se priorizar o julgamento do feito pelo juízo da causa, qual seja, o conselho de sentença do tribunal popular. Portanto, nem sempre vale a pena o advogado gastar todos os seus “cartuchos” na fase do sumário de culpa. Ante uma iminente pronúncia, é melhor manter a cautela. Além disso, deve se perder o costume de achar que o nosso rito do júri segue aquele consagrado no imaginário popular em razão dos filmes estadunidenses. Aqui, em oposição ao que ocorre no sistema anglo-saxão, não vigora a possibilidade da surpresa. Todos os elementos que serão levados à apreciação do conselho de sentença devem ser juntados com antecedência, para que seja franqueado a outra parte o exercício do contraditório. Com efeito, maior cautela ainda deve ter o advogado ao avaliar quais elementos devem ser juntados no “apagar das luzes”. Quando do julgamento em plenário, novamente, não se pode perder de vista que o júri, não obstante composto por membros do povo, exige a técnica. Não é pelo fato de “falar para o povo” que deve o advogado descurar do conhecimento jurídico. Por suposto, o discurso não deve ser exatamente o mesmo utilizado nos meios forenses cotidianos, mas, ainda assim, deve traduzir com eficácia a tese jurídica pretendida. Ainda, embora os debates orais sempre sejam acalorados e bastante contundentes, o respeito deve sempre vigorar entre as partes. Mesmo quando o embate passe para questões pessoais. Mesmo quando a ex adversa não seja um oponente minimamente polido e cordato – ou nem mesmo ético. Deve-se prezar pela mais absoluta civilidade, sem, claro, deixar de lado a necessária combatividade aos desmandos muitas vezes cometidos pelas autoridades públicas presentes no tribunal – como também por outros advogados, algumas vezes não muito bem intencionados. Por fim, não se pode esquecer que um bom tribuno não age só, não existe solitário. Os melhores advogados do tribunal do júri sempre atuam em equipe, pois sabem da importância do causídico de retaguarda. Têm a exata noção de que, muitas vezes, não podem fazer a melhor leitura da causa, máxime porque estão severamente envolvidos no debate. Tal tarefa, por outro lado, pode ser muito melhor desempenhada pelo advogado que atua na “cobertura”. O olhar atento e objetivo daquele profissional, assim como a facilidade que este tem em consultar documentos e materiais essenciais – já que não se encontra no centro da discussão –, permite uma complementação eficaz e profícua ao discurso apresentado pelo tribuno. A propósito, não raras vezes, um júri é decidido no “detalhe” e estes elementos, na maioria das situações, não conseguem ser apreendidos pelo tribuno que se encontra no momento da sustentação. É bastante comum que a peça crucial ao desenvolver da tese acusatória surja das observações da equipe de retaguarda, pois ela se encontra distanciada o suficiente do epicentro dos debates para que possa se concentrar na busca dos pontos decisivos. Uma equipe convergente e competente é muito mais importante ao deslinde do caso do que efetivamente um bom orador. Enfim. De tudo isso, o conselho que fica é de que não deve o jovem advogado, movido pela ânsia e pelo desejo de se ver perante o júri, embrenhar-se em aventuras processuais, prejudicando a si e ao próprio assistido. Antes de se arriscar perante o tribunal popular, é preciso que se tenha respeito por esta instituição, reconhecendo que ainda se é pequeno diante da magnitude que ela representa. Significa que não se deve atuar perante o júri? Absolutamente que não. Porém, talvez o mais prudente seja justamente observar antes de falar. Estudar antes de agir. E, principalmente, ver como os grandes tribunos do júri atuam, quem são suas equipes, quais profissionais os auxiliam, como se portam diante das adversidades e até mesmo o tom de voz que usam. Além disso, às vezes é preciso compreender que a tribuna não nos pertence, que nosso potencial é muito melhor desempenhado na “cobertura” em vez do “pelotão de frente”. O tribunal do povo tem espaço para todos e não é vergonha alguma reconhecer que a oratória não é o nosso melhor atributo. O afã de querer se fazer aparecer não pode suprimir o compromisso assumido com o cliente e com a causa. Se nosso melhor lugar é na retaguarda, é ali onde devemos dar nosso melhor. Todos são importantes à equipe e devem contribuir com aquilo que têm de melhor. Certo é que tribunal do júri, sem dúvida, é apaixonante, mas, em contrapartida, costuma ser implacável em destruir reputações dos que são mal preparados ou afobados. Advogar no tribunal popular não é tarefa para amadores. Aos jovens advogados – assim como eu –, é preciso calma. Todos terão o seu momento, desde que não descurem nunca do devido preparo e comprometimento com o melhor desempenho da árdua tarefa de defender. Aos que se preparam, sempre haverá uma chance de brilhar, seja no tribunal do júri, seja em qualquer lugar. Douglas Rodrigues da Silva Especialista em Direito Penal e Processo Penal Advogado Criminal Comments are closed.
|
ColunaS
All
|
|
Os artigos publicados, por colunistas e convidados, são de responsabilidade exclusiva dos autores, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento da Sala de Aula Criminal.
ISSN 2526-0456 |