Atualmente percebe-se como as notícias veiculadas sobre os temas que abordam a corrupção na vida política e as suas consequências são tratadas por uma indiferença patológica, seja pelas instituições democráticas, seja pela sociedade. No entanto, pouco se fala sobre a devida conduta ética republicana - afirmação do espírito público - como o mínimo esperado no que tange ao comportamento daqueles que se encontram na política. Cabe a este estudo demonstrar, brevemente, o surgimento da República e da democracia no mundo, bem como estas são aplicadas em nosso país, explanando o que a Constituição Federal declara, numa breve comparação entre o texto constitucional e a realidade.
Preliminarmente, antes de adentrar quanto ao surgimento da República como lugar de sentido do aperfeiçoamento da Democracia, tanto no seu sentido formal quanto material - pretende-se definir o conceito de ética republicana como a separação entre o público e o privado a fim de se constituir, nessa linha de pensamento, a República como espaço no qual os governantes devem exercer sua função em prol do povo, cuidando dos interesses públicos e comuns, cuja orientação das atitudes se fundamenta na dimensão Ética[1], especialmente nos tempos de Pós-Modernidade[2]. A palavra República, advém, do latim res pública, cujo o seu significado é coisa pública. A sua compreensão, elaboração e efetivação visa abranger a Justiça Social[3] num determinado Estado. Nesse caso, há uma preocupação com o Bem(ns) Comum(ns)[4] e a Norma Jurídica como fontes de uma sadia e digna organização social. Por esse motivo, analisa-se que o tempo foi um fator essencial para a mudança da sociedade, bem como tal modificação foi contribuidora para o crescimento estatal, o que refletiu em mutações na construção do modelo de Estado com a finalidade de melhor aplicar a justiça de acordo com a realidade social. Sobre o tema, Rawls[5] leciona:
Quanto à democracia, esta possui sua origem no grego, demokratia, cuja a base do significado é dividida em duas palavras: demo significa povo e kratos que tem o sentido de poder. Logo, demokratia significa “poder do povo”. Essa condição política se manifesta na cidade de Atenas, onde se descobriu um sistema diferenciado de governo, em que muitos poderiam exercê-lo. Bobbio[6] define o surgimento da democracia nas seguintes palavras:
Nessa linha de pensamento, o instituto da democracia é aquele que permite a participação do povo na vida política institucional. Atualmente existem várias formas de democracias: direta e indireta. Esta última, também conhecida como democracia representativa é a utilizada pelo nosso país, no qual os cidadãos elegem os seus representantes a partir do voto. No entanto, existem procedimentos para a existência da democracia, conforme leciona Bobbio[7]:
O grupo de pessoas tem poder para decidir sobre os assuntos que interessem à todos. A Democracia, contudo, não se restringe tão somente aos contornos do Estado Nação. O seu território pode ser encontrar em espaços supra e transnacionais, ou seja, percorre todos os caminhos do globo no qual se permite identificar e debater formas de assegurar o Bem Comum. A partir dessa análise, tem-se o real sentido da Democracia como forma oposta da Autocracia. Neste sentido, Bobbio[8] segue com a seguinte lição: Por isto, para que uma decisão tomada por indivíduos (um, poucos, muitos, todos) possa ser aceita como decisão coletiva é preciso que seja tomada com base em regras (não importa se escritas ou consuetudinárias) que estabeleçam quais são os indivíduos autorizados a tomar decisões vinculatórias para todos os membros do grupo, e à base de quais procedimentos. Todavia, e a partir desse argumento, Sen traz outros fatores para uma reflexão mais abrangente do tema ao expor que “[...] as realizações da democracia dependem não só das regras e procedimentos que são adotados e salvaguardados, como também do modo como as oportunidades são usadas pelos cidadãos.” Sob igual critério, Ramos [9], cita que:
Neste sentido, Fidel foi feliz ao mencionar que a Democracia para ter sua eficácia, precisa atingir as pessoas comuns, ou seja, cidadãos que necessitem de um maior amparo estatal por apresentarem uma maior condição de vulnerabilidade financeira, caso contrário, o efeito seria o corrompimento da democracia. O que não pode faltar num Estado Democrático que se preze é a devida atenção acima mencionada, devendo os pobres ter prioridades ao mesmo tempo que lhes são garantidos todos os direitos, como forma de estabelecer uma Democracia justa. Os governantes devem seguir os preceitos da ética republicana, sob pena de transformar o Estado em impiedoso e injusto. Esse reflexo do desrespeito à ética republicana, onde o Estado estaria imerso numa política de corrupção e corruptores, seria o aumento da condição de vulnerabilidade dos menos favorecidos, tornando-os “cidadãos de segunda classe”, ou seja, sem alternativas de escolhas políticas partidárias, pois as suas necessidades imediatas – tais como alimentação, saúde, educação – interferem de modo significativo nas suas liberdades de escolha. Neste sentido, Sen [10] explica:
Após abordar brevemente sobre a República e a Democracia, adentrar-se-á numa breve análise da Democracia no Estado brasileiro, tratando sobre os preceitos constitucionais e a sua eficácia, entrelaçando com a atual ética republicana que é apresentada em nosso país. O tema da Ética Republicana não é uma exclusividade dos virtuosos[11], entendido num sentido mais imaterial, metafísico, mas que se desenvolve pelo imaginário sócio-político-jurídico de qualquer sociedade se confere orientação a agir livre. Por esse motivo, Cunha[12] rememora que:
Já no tocante à Constituição Federal, esta é a Carta que estabelece a organização do Estado. O Brasil, sob a égide da Carta Magna tem como forma de governo, a República; forma de Estado, a Federação; regime político, a democracia; sistema de governo, o presidencialismo. Ao iniciar a leitura da Constituição, justamente no preâmbulo, que é uma espécie de prefácio elaborado pelo constituinte originário, encontra-se abarcado um conjunto de enunciados determinantes no tocante aos ideais, valores[13], origem, promulgação do texto constitucional, ter-se-á, preliminarmente, a base de formação estatal sendo utilizada como vetor interpretativo de valores supremos da sociedade. Nesse caso, a redação do preâmbulo expressa:
O nosso Estado Democrático de Direito traz um rol de valores jurídicos que lhes são próprios a fim de se defender e promover os princípios da democracia pluralista, a Dignidade da Pessoa Humana como pilar do Ordenamento Jurídico. Coaduna-se valores republicanos próprios (Liberdade, Igualdade, Fraternidade, Justiça Social, Cidadania, Segurança Jurídica, entre outros) com valores republicanos pós-modernos (Leveza, Agilidade, Rigor, Exposição, Pluralismo, Coerência, Coração Inteligente, entre outros)[14]. Esses são os fatores pragmáticos para a realização da Democracia na República. Seguindo a leitura do texto constitucional, em seu Título I, nomeado Dos Princípios Fundamentais, têm-se inseridos os fundamentos do Estado Democrático de Direito: Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I – a soberania; II – a cidadania III – a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V – o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. O artigo constitucional supramencionado apresenta o nome oficial do Estado brasileiro – “República Federativa do Brasil”, elucidando quanto ao modelo de Governo, a República e quanto ao modelo de Estado, a Federação. Os seus respectivos incisos, trazem consigo toda a base principiológica da qual emana a construção do Estado, ou seja, são meta-princípios, dos quais emanarão outros regramentos e princípios que regerão o país. Quanto ao parágrafo único, tem-se o princípio da soberania popular. Na sequência da leitura do texto constitucional, o artigo 3º e os seus respectivos incisos demonstram os objetos da República. Neste, não somente reside o caráter principiológico, mas, também, o caráter programático, dirigente, ou seja, encontra-se nesse dispositivo alguns efeitos que não serão produzidos de maneira imediata, porém é obrigação do Estado cumpri-los. Segundo o artigo 3º: Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Nos artigos acima mencionados, reside o espírito público da nossa República, devendo ser respeitados. No que tange à ética republicana, tem-se a existência de dois viéses: o primeiro se refere ao governante, cuja função é governar pelo e para o povo visando sempre o Bem(ns) Comum(ns), bem como assegurar o bom funcionamento da democracia e república como instituições; o segundo estabelece que os governados têm a obrigação de saber votar com lucidez, de aproveitar as oportunidades que lhes são garantidas por lei com o fito de contribuir para o bom desenvolvimento do país. Não existe nenhuma Nação que se aperfeiçoe ao longo do tempo sem a presença permanente, de um lado, do Estado, e, do outro, da Sociedade. Nesse caso, a Democracia por si não faz surtir os efeitos almejados se não houver a sua aplicabilidade de maneira eficaz. Sobre o tema, Sen sinaliza[15]:
A democracia vai muito além do que os seus preceitos indicam. Para o seu funcionamento, os governantes precisam respeitar e seguir as orientações éticas e legais. Esse duplo vetor hermenêutico se estabelece como meio eficaz de afastar todas as formas de corrupção. Esta, uma vez implantada no país, tende sempre a crescer, gera catástrofes sociais, aumenta a vulnerabilidade de pessoas e grupos, desconstrói a Justiça Social. Os governados sentem uma verdadeira sensação de anomia, de injustiça[16] em relação à aplicação das leis e de suas garantias. Atualmente, o Brasil vive tempos sombrios em relação à corrupção. Evidencia-se uma verdadeira afronta aos preceitos constitucionais desde as raízes de uma Ética Republicana. Dissemina-se que a única regra válida no jogo democrático é o capital que move as engrenagens institucionais e provoca, calamitosamente, o caos do uso do poder na sua dimensão relacional e legal. Nesse caso, fica esclarecido que a Justiça Social precisa sair dos papéis para a prática efetiva. Por esse motivo, Sen[17] destaca que:
Sobre o exposto, há de se analisar que uma boa parte da crise pela qual o Brasil atravessa é fruto da ausência de uma Ética e Valores republicanos em tempos de Pós-Modernidade. Quando operações entre poderes institucionais, como a Lava-jato, difunde, seletivamente, objetivos que não pertencem ao universo da Democracia e/ou da República, percebe-se que a corrupção[18] dominou todos os espaços públicos e comuns. O Estado não se torna mais a entidade destinada a proteger as pessoas, mas torna-las vulneráveis diante de tantas ameaças que desequilibram a harmonia dos poderes. Sejam todos bem-vindos à Era da Cegueira Moral[19] (e Legal) na República. Doutor em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí, Professor Permanente do Programa de Pós-Graduação em Direito (PPGD) – Mestrado – do Complexo de Ensino Superior Meridional – IMED. Aicha de A. Q. Eroud Graduanda em Direito pela Faculdade de Foz do Iguaçu - Fafig [1] Ação humana política destinada a averiguar quais são as condutas consideradas razoáveis para a vida de uma Sociedade. A finalidade dessa atitude demonstra-se pelo exercício da virtude habitual. Essa prática se caracteriza pela busca perene da excelência moral e intelectual. [2] Trata-se de uma postura que readmita “[...] o Outro como próximo, como alguém muito perto da mão e da mente, no cerne do eu moral, de volta da terra devastada dos interesses calculados à qual ele foi exilado; uma ética que restaura o significado moral autônomo da proximidade; uma ética que lança novamente o Outro como a figura decisiva no processo pelo qual o eu moral chega ao que é seu”. BAUMAN, Zygmunt. Ética pós-moderna. Tradução de João Rezende da Costa. São Paulo: Paulus, 1997, p. 99. [3] “Quanto à JUSTIÇA SOCIAL, ao aceitar o esquema teórico proposto, é preciso incorporá-la como atitude e, coerentemente, exercê-la em comportamentos. Assim, quando se solicita JUSTIÇA SOCIAL, não se pode realizar o apelo ingênua ou maliciosamente – como se o seu destinatário único fosse o Estado, ou um outro, como o Governo. O verdadeiro destinatário dos apelos à JUSTIÇA SOCIAL é o seu Agente: - o todo social, ou seja, a Sociedade. A JUSTIÇA SOCIAL somente apresentará condições de realização eficiente, eficaz e efetiva se a Sociedade, no seu conjunto, estiver disposta ao preciso e precioso mister de contribuir para que cada pessoa receba o que lhe é devido pela sua condição humana. E, da parte do Estado, caso ele exerça uma efetiva, contínua e legítima Função Social. Neste contexto, destaco três pontos estratégicos: 1º - a noção de JUSTIÇA SOCIAL não pode ser presa a esquemas fixados a priori e com rigidez indiscutível; 2º - a conduta do Estado não pode ser paternalista para com os necessitados e protetora ou conivente para com os privilegiados; 3º - a responsabilidade pela consecução da JUSTIÇA SOCIAL na sua condição de destinação da FUNÇÃO SOCIAL, deve ser partilhada por todos os componentes da Sociedade”. PASOLD, Cesar Luiz. A função social do Estado contemporâneo. 4. ed. Itajaí, (SC): Editora da Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI, 2013, p. 55. [4] “[...] O tema dos bens comuns, de fato, tem a ver com a questão fundamental sobre o domínio das coisas e da relação da pessoa com a natureza. Por esse motivo, o tema não pode ser abordado, nem compreendido, sem expor no cerne do debate a dimensão institucional do poder e a sua legitimidade. [...] Pensar sobre os bens comuns exige, antes de tudo, uma postura central tipicamente global capaz de situar no centro do problema o problema do acesso igualitário das possibilidades que o planeta nos oferece. Uma perspectiva desse sentido suscita perguntas difíceis de contestar para quem opera numa fé inabalável sobre a constante depredação dos recursos naturais [...]”. MATTEI, Ugo. Bienes comunes: un manifiesto. Traducción de Gerardo Pisarello. Madrid: Trotta, 2013, p. 16/17. [5] RAWLS, John – Justiça e democracia; tradução Irene A. Paternot, seleção, apresentação e glossário Catherine Audard. – São Paulo: Martins Fontes, 2000. – (Justiça e direito), p.48 [6] BOBBIO, Noberto – O futuro da democracia; Tradução de Marco Aurélio Nogueira _ São Paulo: Paz e Terra, 2000. (Pensamento crítico, 63), p. 31 [7] BOBBIO, Noberto – O futuro da democracia; Tradução de Marco Aurélio Nogueira _ São Paulo: Paz e Terra, 2000. (Pensamento crítico, 63), p. 30 [8] BOBBIO, Noberto – O futuro da democracia; Tradução de Marco Aurélio Nogueira _ São Paulo: Paz e Terra, 2000. (Pensamento crítico, 63), p. 31 [9] SEN, Amartya Kumar – Desenvolvimento como liberdade; Tradução Laura Teixeira Motta; revisão técnica Ricardo Doniselli Mendes. São Paulo: Companhia das Letras, 2000 apud RAMOS; Fidel Valdez, “ Democracy and the East Asian crisis”, discurso inaugural no Centre for Democratic Institutions, Australian National University, Canberra, 26 de novembro de 1988, p. 2 [10] SEN, Amartya Kumar – Desenvolvimento como liberdade; Tradução Laura Teixeira Motta; revisão técnica Ricardo Doniselli Mendes. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p. 176. 11 “[...] são os poetas os que melhor entendem os valores e, sem dúvida, os que mais clara e profundamente os exprimem. Certamente porque a poesia é uma forma privilegiada de comunicar com o mais importante. E os valores são do que de mais importante existe”. CUNHA, Paulo Ferreira. Para uma ética republicana: virtude(s) e valore(s) da república. Lisboa: Coisas de Ler, 2010, p. 82. 12 CUNHA, Paulo Ferreira. Para uma ética republicana: virtude(s) e valore(s) da república. p. 82/83. 13 “[...] Se a República não ocupar, de forma aberta, democrática e pluralista, como é óbvio, o terreno dos valores, ele será ocupado por valores sectários, particulares, fechados, totalitários, ou pelos anti-valores relativistas, niilistas, etc. do mesmo modo, se a República não louvar e praticar a virtude, tratando-a pelo nome, dar-se-á pouco conta de sua acção ética, ou ela nem sequer existirá de forma relevante, notória, consciente: porque verbalizar é conceber, e conceber é afinal criar”. CUNHA, Paulo Ferreira. Para uma ética republicana: virtude(s) e valore(s) da república. p. 45. Grifos originais da obra estudada. [14] CUNHA, Paulo Ferreira. Para uma ética republicana: virtude(s) e valore(s) da república. p. 73-148. [15] SEN, Amartya Kumar – Desenvolvimento como liberdade; Tradução Laura Teixeira Motta; revisão técnica Ricardo Doniselli Mendes. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p.182-183. [16]“[...] tenho sustentado que igualmente importante é a validade material da norma que há de ser buscada pela sua capacidade de adequar seus fins ao sentimento e à ideia do justo e do socialmente útil (validade ética), bem como apresentar-se como expectativa segura de certa conduta em relação legítima de pretensão x prestação (validade funcional). Considerar a importância da validade material faz com que percebamos que a perda de eficácia de uma norma jurídica possa se dar por motivos outros que não apenas os decorrentes de questões técnicas como a derrogação ou a dessuetude. Por exemplo, o descompasso entre objetivos (e consequências) da norma e os valores aceitos pela sociedade em dado momento, pode levar à desobediência reiterada. E norma desobedecida é norma com eficácia reduzida ou inexistente. Também pode ocorrer que um direito prescrito pelo legislador seja de realização impossível e também, nesse caso, a eficácia é no mínimo inconsistente”. MELO, Osvaldo Ferreira de. Temas atuais de politica do direito. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1998, p. 56/57. [17] SEN, Amartya Kumar – Desenvolvimento como liberdade; Tradução Laura Teixeira Motta; revisão técnica Ricardo Doniselli Mendes. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p.187. [18] Os porta-vozes deste novo ódio à democracia “[...] habitam todos os países que se declaram não apenas Estados democráticos, mas democracias tout court. Nenhum reivindica uma democracia mais real. Ao contrário, todos dizem que ela já é real demais. Nenhum se queixa das instituições que dizem encarnar o poder do povo nem propõem medidas para restringir esse poder. [...] É do povo e de seus costumes que eles se queixam, não das instituições de seu poder. Para eles, a democracia não é uma forma de governo corrompido, mas uma crise da civilização que afeta a sociedade e o Estado através dela”. RANCIÈRE, Jacques. O ódio à democracia. Tradução de Mariana Echalar. São Paulo: Boitempo, 2014, p. 9/10. [19] “Com a negligencia moral crescendo em alcance e intensidade, a demanda por analgésicos aumenta, e o consumo de tranquilizantes morais se transforma em vício. Portanto, a insensibilidade moral induzida e maquinada tende a se transformar numa compulsão ou numa ‘segunda natureza’, uma condição permanente e quase universal – com a dor moral extirpada em consequência de seu papel salutar como instrumento de advertência, alarme e ativação. Com a dor moral sufocada antes de se tornar insuportável e preocupante, a rede de vínculos humanos composta de fios morais se torna cada vez mais débil e frágil, vindo a se esgarçar. Com cidadãos treinados a buscar a salvação de seus contratempos e a solução de seus problemas nos mercados de consumo, a política pode (ou é estimulada, pressionada e, em última instância, coagida a) interpelar seus súditos como consumidores, em primeiro lugar, e só muito depois como cidadãos; e a redefinir o ardor consumista como virtude cívica, e a atividade de consumo como a realização da principal tarefa de um cidadão”. BAUMAN, Zygmunt; DONSKIS, Leonidas. Cegueira moral: a perda da sensibilidade na modernidade líquida. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2014, p. 24. Comments are closed.
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