Mesmo os filósofos liberais como Kant, Locke e Habermas tomam uma posição estabelecida quando se trata dos direitos inalienáveis, como a vida e como se estrutura a convivência das pessoas no mútuo respeito e valorização dessa dádiva. Todos esses pensadores chegam a um denominador comum em suas ideias quando se trata da vida e da reverência a que se deve a cada indivíduo. Contudo, a relação entre progresso, dever e convivência passa por uma turbulenta variação que é influenciada pelos ideais de desenvolvimento pessoal com intuito de se conseguir um lugar ao sol. Inúmeras pressões testam a resiliência dos jovens e crianças em um habitat determinado por um cético darwinismo social que preza pelo desempenho acima de tudo. Essa busca por uma promoção do empenho ocorre dentro das salas de aula, nas empresas e na vida em sociedade como um todo. Todavia, ao iniciar a sua parte na tratativa do ensino, a criança passa por um primeiro contato com aquilo que se espera dela, principalmente dentro dos parâmetros entendidos como aceitáveis de concentração e aprendizagem. Nessa questão, a necessidade de, num inicial momento concluir pela utilização de determinadas drogas que possam auxiliar o aluno a aquietar-se é tida como verdade pueril de um sistema que preza pela facilidade de trabalhar com crianças dopadas, num controle facilitado. Em segundo plano e não menos importante, a prescrição de uma droga com intuito de transformar o déficit de atenção e a hiperatividade da criança em atitudes controláveis, maduras e silentes, nada mais revela que o simples uso do ser humano como cobaias, espécie lucrativa e por fim, imbuído num único propósito na vida: o desempenho. Mais do que nunca tal situação afronta os princípios dos pensadores citados, que contribuem para uma espécie de simetria entre dignidades e direitos do homem e como deve esse mesmo homem tratar ao outro em comum unidade de ética, valores e respeito. Diagnósticos de Transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) tiveram enorme aumento nos últimos anos, é o que revela a pesquisa realizada pelo americano Lawrence Diller, autor do livro "À Base de Ritalina". A identificação desse distúrbio é responsável por cinco milhões de jovens, somente nos Estados Unidos, com menos de dezoito anos, medicados com Ritalina, um composto que estimula a atenção da criança e mantém o foco e a concentração. Segundo pesquisa realizada, somente naquele país o uso do medicamento aumentou nos últimos anos em 1700%. Significa dizer que crianças dopadas, seja em prol da concentração ou pela convivência facilitada (controle), gera um lucro estimado a mais de um bilhão por ano às empresas farmacêuticas e laboratórios, segundo o pesquisador, nos Estados Unidos. Não fosse somente isso, a anfetamina conhecida por Adderall, que serve aos mesmos fins que a Ritalina, teve um considerável aumento, nesse mesmo período de tempo, de 3000% em sua produção. Mesmo que não aprovado o uso de tais medicamentos em crianças menores de dois a quatro anos, nos últimos tempos a prescrição é realizada, em prol de uma sociedade oligofrênica que necessita de seus aparatos medicinais para atingir uma normalidade de estar e de ser. Drogas sintéticas que atingem o sistema nervoso central de uma criança, produzidas pelos mesmos príncipios da meta anfetamina, do LSD e da cocaína. Não fosse somente isso, a Ritalina passou a ser utilizada por jovens que acreditam que tal droga auxilia na atenção e no foco ao ponto de ajudá-los a passar em provas e em testes diversos, propagando e divulgando o uso do veneno em prol do desempenho. Tempos atrás, o uso das drogas por pessoas saudáveis significava viver o mundo, ou como Aldous Huxley diria, uma viagem que se define pela experiência recreacional. Hoje, esse uso é realizado por alguns para que se adequem ao que é exigido, ou seja, para aperfeiçoar o desempenho e assim possam responder a uma sociedade enclausurada na competitividade acirrada e na meritocrácia ao extremo. A dependência causada pelo uso continuo da droga é perturbadora e suas contra indicações são terríveis, piores ainda que muitas drogas ilícitas espalhadas mundo afora. Não digo ser a favor do uso de drogas, somente afirmo que o direito penal não é o seu lugar. O que temos é um problema de saúde, uma séria questão sanitária amplamente tratada por aquele que nada entende de salubridade e problemas sociais diversos e imensos: o direito penal. Começa-se com a Ritalina, Adderal, entre outros. Controlar as crianças que questionam, que viajam em suas fantasias, que patrocinam suas próprias aventuras nas linhas dos cadernos e que sonham, como crianças que são, é aniquilar o futuro de um ser humano dotado de dignidades que não estão sendo respeitadas, é tratar o ser humano como objeto para fins diversos. Iverson Kech Ferreira Advogado especializado em Direito Penal Mestrando em Direito pela Uninter Pós-graduado pela Academia Brasileira de Direito Constitucional, PR, na área do Direito Penal e Direito Processual Penal Possui graduação em Direito pelo Centro Universitário Internacional É pesquisador e desenvolve trabalhos acerca dos estudos envolvendo a Criminologia, com ênfase em Sociologia do Desvio, Criminologia Critica e Política Criminal Referência: Diller, Lawrence H. À base de ritalina: refexões de um médico sobre crianças, a sociedade e a perfomance em uma pílula. Nova Iorque: Bantam Ed., 1998. Comments are closed.
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ISSN 2526-0456 |