O Paradigma Indiciário, nos auxilia a enxergar que o processo penal, como é aplicado hoje, não cumpre sua finalidade, qual seja, assegurar os direitos e garantias do réu, limitar o poder punitivo.
Zaffaroni ensina que "no curso da história, muitas vezes, o Judiciário traiu sua função." Quando isso acontece, explica, os juízes deixam de ser juízes e se tornam policiais "fantasiados" de juízes[1]. A busca da verdade é tarefa árdua, já que a memória não é fidedigna, e não rara as vezes vemos depoimentos produzidos em juízos divergirem daqueles contidos no Inquérito Policial. Sob essas condições, o paradigma indiciário de Carlo Ginzburg, possui grande valia para a esse problema. Desse modo, pode-se afirmar sem medo que a verdade historiografia conversa com a verdade processual, a qual é, atualmente, demasiadamente limitada. O historiador Carlo Ginzburg trata o ofício do historiador por meio das seguintes questões metodológicas: discutir o papel das fontes, vincular a retórica à prova e tratar das relações entre o historiador e seu objeto. Para Ginzburg, o discurso da história precisa ser verdadeiro e não apenas parecer ser. Assim, surge a seguinte questão: Como nos livramos de uma evidência que nos é exibida como realidade irrefutável, porém, enganadora, sem necessidade de contestação? Sabemos que é impossível atingir-se a verdade real dos fatos, aquela verdade total, esmiuçada. Para tanto, Ginzburg transforma a verdade em um enigma, ou seja, decifra-se o mistério e amplia-se o conhecimento histórico. O paradigma indiciário, nada mais é que um método utilizado para descobrir o passado, seja ele remoto ou de poucos minutos atrás, pelos sinais, indícios, vestígios, afinal, todos os fatos deixam rastros. A marca de Ginzburg, ou seja, não admitir como evidente aquilo que todos aceitam sem contestação, ou que, inertes, consideram como a mais pura demonstração da realidade, muito interessa à história e ao processo penal, pois ambas são ciências que reconstroem fatos. Nesse sentido, o ofício do historiador de Ginzburg, se fundamenta no paradigma indiciário, método que tem como alicerce a problematização das fontes, para que o ofício do historiador não esbarre em falsas histórias, ou fatos embriagados por fraudes. Sob esse contexto, é completamente possível e necessário, a analogia desse método historiográfico com a instrução processual penal. Isso porquê, é na instrução processual penal que os indícios se transformam em provas, que provas são produzidas, que histórias são contadas de todos os lados, que aquele que julga, precisa de um norte para olhar para história contada no processo, e discernir entre o que é verdadeiro ou falso, ou ainda, assumir, que daquele determino contexto histórico (provas), não foi possível detectar o verdadeiro, e então, absolver o réu – princípio in dubio pro reo. “O uso inteligente do contexto faz emergir o anacronismo, escrito com tinta invisível”[2]. Ginzburg, diz, em síntese, que: “Eu não queria detectar uma falsificação, mas sim mostrar que os objetos que estão fora do texto, abrigam-se entre as suas dobras: é preciso descobri-lo e fazê-lo falar”, ou seja, existe conteúdo fora do texto.[3] O paradigma indiciário ensina, portanto, que a reconstrução dos fatos no processo penal, por meio de testemunhas e documentos, precisa de um patrimônio cognoscitivo, ou seja, da capacidade de reconstituir uma realidade complexa, haja vista que lida-se no processo, tal como na história, com vidas humanas, a partir de dados aparentemente negligenciáveis por aqueles que contam a história, que narram os fatos. Em outras palavras, o paradigma indiciário é útil, para a contestação dos fatos, para transformar o que vemos, naquilo que devemos enxergar. Ginzburg, adota a retórica judiciária, desenvolvida por Aristóteles, para explicar a importância do paradigma indiciário. A retórica judiciária, é aquela ligada ao passado, porque todo julgamento é feito em relação a fatos que já ocorreram, com base em provas, que se dividem em “técnicas” e “não técnicas”[4]. As provas não técnicas, seriam os testemunhos voluntários e involuntários (obtidos por meio de tortura), os documentos ou escritos. Provas técnicas, são o paradeigma e o entimema, os quais correspondem, na retórica, à indução e ao silogismo no âmbito dialético. Paradeigma, vem do grego, e para nós, significa paradigma, ou seja, a representação de um padrão a ser seguido. Essa prova técnica, ganha peso, na medida em que paradigmas judiciários, se consolidam de tal forma, que por vezes, provas não técnicas, não tem o condão de romper com o padrão já solidificado. Raramente se vê a contestação das fontes ou a utilização do paradigma indiciário, quando formado está, o paradeigma. Entimema, é aquele argumento composto por premissa oculta, a qual pode ser facilmente falseada, já que existem muitas premissas óbvias, mas quem em se tratando da reconstrução de um fato passado, não deve ser tida como verdadeira, antes de investigada. Por exemplo, o fato de um réu responder ao seu crime em liberdade, não implica que, na prática, em tese, de outro crime, o mesmo seja culpado. Aristóteles, acompanhado por Ginzburg, diz que, só com entimemas baseados em provas necessárias, é possível chegar-se a conclusões irrefutáveis, ou seja, as provas necessárias nos levam a verdade; em busca daquilo perquirido pelos historiadores e juízes[5]. Quando ao fato histórico e a falsidade, cabe a citação de Hobsbawm:
Assim, a aproximação entre a história e o direito é nítida e preciosa, e, os ensinamentos que o método historiográfico do paradigma indiciário, é rico a tal ponto, de ser crucial para a verdade processual penal. Mariana Coelho Cantú Advogada Criminalista Professora de direito penal e direito processual penal Mestranda em Direito pela UNINTER Especialista em Direito Penal e Direito Processual Penal pela Academia de Direito Constitucional - ABDCONST Graduada em Direito pela Universidade Positivo [1] ZAFFARONI. Eugênio Raúl. Entrevista concedida ao Conjur. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2009-jul-05/entrevista-eugenio-raul-zaffaroni-ministro argentino. Acesso em 23/07/2018. [2]A identificação de um anacronismo (intencional ou não) é sempre um caminho seguro para se revelar determinado propósito. Existe uma fala em Hamlet (ato II, cena I) que toca nesse tema de forma transversa: “Polônio – [...] Agora vê: a isca da falsidade apanha a carpa da verdade. Assim nós, os entendidos, usando de cautela e circunlóquios, chegamos ao caminho por desvios” (Shakespeare, 19, p. 55). [3]GINZBURG, Carlo. Relações de força – história, retórica, prova. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. P. 40-41. [4] Em Relações de Força de Ginzburg,p. 11 encontra-se o seguinte esclarecimento: “a diferença entre provas ‘técnicas’ e ‘não técnicas’, a qual em substância, corresponde à que existe [em inglês] entre proof [prova] e evidence [testemunho], foi introduzida por Aristóteles na Retórica (ver capítulo 1) para reagir contra a imprecisão da palavra pístis (prova)”. [5] Segundo Ginzburg, em Relações de Força, p.76, o humanista italiano Lourenço Valla considerava que, “para estabelecer a verdade, o historiador precisa de esmero e de acuidade não inferiores aos de um juiz ou de um médico: uma dupla analogia que leva a refletir”. [6] HOBSBAWM, Eric. Sobre história. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p.287 Comments are closed.
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