2. Colaboração premiada: a eficiência no processo penal
Desde o início de sua aplicação no ordenamento jurídico brasileiro, observa-se a expansão legislativa do instituto da colaboração no Brasil bem como em diversos outras legislações do mundo. A colaboração premiada é marcada pela busca de resultado eficientes na persecução penal e na celeridade da política criminal, com forte influência da globalização e questões econômicas que se relacionam com a persecução penal na atualidade. Em interessante análise sobre a influência econômica na sociedade globalizada, Michael Sandel propõe uma reflexão crítica sobre o comportamento globalizado e a busca por eficiência em diversas questões e comportamentos sociais. Aduz que:
A análise do Autor enseja inúmeras discussões sobre a importância e a lógica econômica do mundo globalizado, bem como a busca pela eficiência em praticamente todos os setores políticos e sociais. Demonstra-se por meio de diversos exemplos a forte influência econômica em todos esses setores sendo questionado se efetivamente tudo caminha impreterivelmente a busca pela maximização de lucros no mundo globalizado. Posteriormente aborda:
Nesse entendimento, buscando a eficiência e resultados céleres na persecução penal observa-se a dificuldade estatal em chegar a resultados efetivos e provas concretas em delitos de estrutura mais complexa, sendo a colaboração premiada demasiadas vezes a forma de encontrar os responsáveis e líderes de organizações criminosas de empresas nas quais a estrutura hierárquica e sua organização impossibilitariam resultados concretos e provas nas diversas práticas de delitos. O questionamento de boa parte da Doutrina é a compatibilização do modelo eficiente e célere das colaborações premiadas com a preservação dos direitos e garantias fundamentais. 3. Expansão da justiça criminal negocial O ordenamento jurídico brasileiro cada dia mais prevê dispositivos e leis que abrangem de forma mais ampla a negociação no processo penal. A colaboração premiada possui previsão nas Leis nº 9.034/95, revogada posteriormente pela Lei nº 12.850/2013 (Lei do Crime Organizado), Lei nº 9.080/1995 referente aos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, crimes contra ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, Lei nº 9.613/1998 referente aos crimes de lavagem de dinheiro e ocultação de bens, direitos e valores, Lei nº 9.807/99 referente a proteção de vítimas e testemunhas que tenham colaborado com o processo penal, Lei nº 10.149/2000, no que tange a infrações contra ordem econômica e Lei nº 11.343/2006, relativa a Lei de drogas[3]. Nesse entendimento, conforme a evolução legislativa para englobar mecanismos negociais cada vez maiores e de forma mais abrangente, bem como a utilização de tratados internacionais vigentes e a aplicação do Supremo Tribunal Federal, é incontestável a expansão da justiça criminal negocial no direito brasileiro. Dessa forma, o processo penal ensinado nas faculdades de Direito, com a investigação preliminar, denúncia/ queixa, citação, defesa preliminar, instrução probatória, alegações finais e decisão passam a ser repensadas por esse modelo negocial. Com influência do Direito Anglo Saxão e a economia, denota-se um modelo processual mais célere e a redução de fases processuais na persecução penal[4]. 4. Garantias fundamentais e a tensão constitucional na colaboração premiada Inúmeras discussões são elaboradas pela Doutrina na aplicação dos acordos de colaboração premiada, analisando sua compatibilidade constitucional e a preservação das garantias fundamentais. Nesse sentido, observa-se que a colaboração premiada apresenta-se como um instituto de política criminal e surge com a necessidade de dar mais eficiência e celeridade no andamento processual. Assim, é fundamental ressaltar que esse novo modelo deve adequar-se a tradição garantista do direito penal, sendo adequado a um Estado Social e Democrático de Direito. Conforme preceitua Claus Roxin:
Posteriormente aduzindo que: ‘’Enquanto estivermos empenhados em proteger a liberdade do indivíduo em face do arbítrio ilimitado do poder estatal, enquanto nos ativermos ao princípio nullum crimen, nulla poena sine lege, a rígida arte de uma intepretação de leis que opere com princípios científicos manterá a sua importância política’’[6]. Dessa forma, constata-se a importância de uma persecução penal mais célere e eficiente, pois um sistema penal moroso traz inúmeras consequências na aplicação penal. Há provas, documentos e fatos que perdem-se no tempo com a lentidão processual ensejando dificuldades oriundas da tramitação lenta em sua totalidade. A opinião pública detém forte influência nessa quebra de confiança nas instituições públicas decorrentes da morosidade do sistema, trazendo um sentimento de impunidade perante os fatos apresentados[7]. Dessa forma, aduz Aires e Fernandes[8]: ‘’ Em razão da importância dos princípios garantísticos, a valoração de uma complementariedade funcional entre o Direito Penal material e o processual deve ter como limite o vetor garantia no processo penal. Afinal, observa-se que o valor preponderante no modelo de Estado Democrático de Direito se encontra na preocupação com a tutela da dignidade humana’’. A expansão da justiça criminal negocial é uma realidade e no ordenamento jurídico brasileiro vislumbra-se o avanço legislativo e a possibilidade de utilização de negociações para resolução de conflitos em diversas leis, o que denota a importância do debate e reflexão sobre o tema diante dos fatos expostos. Nesse sentido, observa-se que diante do posicionamento do Supremo Tribunal Federal, e a previsão legislativa para a realização dos acordos de colaboração premiada, tipificadas na lei 12.850/2013, a colaboração premiada é considerada constitucional pela aplicação da Suprema Corte, embasadas pelas convenções internacionais nas quais o Brasil é signatário, sendo as Convenções de Mérida e Convenção de Palermo, bem como as demais leis vigentes no ordenamento jurídico brasileiro que preveem a aplicação do instituto da colaboração premiada. Tendo em vista a relação do direito e economia na persecução penal e a busca pela eficiência na resolução de conflitos, vislumbra-se uma tensão entre a busca por uma persecução penal célere e a preservação dos direitos e garantias fundamentais. Na colaboração premiada, a postura dos colaboradores e a necessidade de abrir mão de seus direitos fundamentais como o direito à não auto incriminação é um dos pontos de tensão na aplicabilidade do instituto de colaboração. Como preceitua Alexandre Morais da Rosa, a justiça negocial hoje é uma realidade, sendo fundamental a criação de mecanismos de redução de danos na persecução penal para que o instituto seja aplicado em consonância com os princípios basilares de um Estado Democrático de Direito. Diante das lacunas legislativas demonstra-se inúmeros problemas referentes a aplicação das negociações nos casos concretos, o que gera uma enorme insegurança jurídica na aplicação do instituto e nas negociações. Nesse sentido, o debate sobre os temas e o aprimoramento legislativo são medidas fundamentais para resguardar direitos fundamentais e garantias individuais nos acordos homologados de colaboração premiada, sob pena de aplicações ilegais, abusivas e eivadas de nulidades processuais. Paula Yurie Abiko Graduanda Centro Universitário Franciscano do Paraná – FAE Estagiária do Ministério Público Federal Membro do grupo de pesquisa O mal estar no Direito Modernas Tendências do Sistema Criminal Trial by Jury e Literatura Shakesperiana Membro do International Center for Criminal Studies e da Comissão de Criminologia Crítica do Canal Ciências Criminais Membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCRIM REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AIRES, Murilo T; FERNANDES, Fernando A. A Colaboração premiada como instituto de política criminal: a tensão em relação às garantias fundamentais do réu colaborador. Revista Brasileira de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 3, n. 1, p. 253 – 284, jan./ abr. 2017. https: // doi.org/10.22197/ rbdpp.v3i1.46. BRITO, Michelle. Delação premiada e decisão penal. Da eficiência à integridade. D’ plácido. 2ª edição. Belo Horizonte. 2017.PEREIRA, FREDERICO VALDEZ. Delação premiada. Legitimidade e procedimento. 3ª edição revista e atualizada de acordo com a Lei nº 12.850/2013. Curitiba. Juruá, 2013. ROXIN, Claus. Política Criminal e sistema Jurídico Penal. Tradução: Luís Greco. 2ª tiragem. Renovar, Rio de Janeiro, 2002. SANDEL, Michael. Os limites morais do mercado. Civilização brasileira. Tradução: Clóvis Marques. 8ª edição. Rio de Janeiro, 2017. VASCONCELLOS, Vinicius Gomes. Colaboração premiada no Processo Penal. Revista dos Tribunais. São Paulo, 2017. ‘’A colaboração premiada é um negócio jurídico processual, uma vez que, além de ser qualificada expressamente pela lei como “meio de obtenção de prova”, seu objeto é a cooperação do imputado para a investigação e para o processo criminal, atividade de natureza processual, ainda que se agregue a esse negócio jurídico o efeito substancial (de direito material) concernente à sanção premial a ser atribuída a essa colaboração’’, http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10199666, acesso em 29 de abril de 2018. [1] [1]SANDEL, Michael. Os limites morais do mercado. Civilização brasileira. Tradução: Clóvis Marques. 8ª edição. Rio de Janeiro, 2017. p. 12. [2] [2] SANDEL, Michael. Os limites morais do mercado. Civilização brasileira. Tradução: Clóvis Marques. 8ª edição. Rio de Janeiro, 2017. p. 13. [3] [3] BRITO, Michelle. Delação premiada e decisão penal. Da eficiência à integridade. D’ plácido. 2ª edição. Belo Horizonte. 2017. p. 90. [4] [4]ROSA, Alexandre Morais. Guia do Processo Penal conforme a teoria dos jogos. 4ª edição revista, atualizada e ampliada. Empório do Direito. Florianópolis, 2017. p. 532. [5] [5] ROXIN, Claus. Política Criminal e sistema Jurídico Penal. Tradução: Luís Greco. 2ª tiragem. Renovar, Rio de Janeiro, 2002. p. 1 e 2. [6] [6] ROXIN, Claus. Política Criminal e sistema Jurídico Penal. Tradução: Luís Greco. 2ª tiragem. Renovar, Rio de Janeiro, 2002. p. 4. [7] [7] AIRES, Murilo T; FERNANDES, Fernando A. A Colaboração premiada como instituto de política criminal: a tensão em relação às garantias fundamentais do réu colaborador. Revista Brasileira de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 3, n. 1, p. 253 – 284, jan./ abr. 2017. https: // doi.org/10.22197/ rbdpp.v3i1.46. [8] [8] AIRES, Murilo T; FERNANDES, Fernando A. A Colaboração premiada como instituto de política criminal: a tensão em relação às garantias fundamentais do réu colaborador. Revista Brasileira de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 3, n. 1, p. 253 – 284, jan./ abr. 2017. https: // doi.org/10.22197/ rbdpp.v3i1.46. Comments are closed.
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