A “Escola de Chicago” ficou assim conhecida a partir de trabalhos de pesquisa sociológica realizados por estudantes e professores da Universidade de Chicago, entre os anos de 1915 a 1940, após uma forte onda migratória vinda de todo o mundo para os Estados Unidos da América. Seu grande diferencial foi a utilização de métodos empíricos, com pesquisas de campo e exploração de diversas fontes documentais, indo além dos trabalhos de mera investigação científica, preocupou-se em produzir conhecimentos úteis para os problemas sociais concretos e, com isso, quebrou paradigmas.
Os estudos buscavam analisar o impacto dos milhões de imigrantes vindos para os Estados Unidos, no início do século XX, e sua assimilação na sociedade americana, especialmente, para a cidade de Chicago que, de uma cidade predominante rural e agrícola tornou-se uma cidade urbana e industrializada, com um próspero centro comercial, onde foram construídos os primeiros arranha-céus dos EUA, com forte influência protestante nas artes, cultura e ensino, de onde adveio a criação da Universidade de Chicago. A primeira geração de sociólogos era composta por pastores, o que fazia com que a escola tivesse uma inclinação à reforma social e à caridade cristã. Após, com o afastamento da sociologia dos laços do protestantismo, deu-se início à segunda geração de sociólogos de Chicago, voltados ao trabalho de campo – uma “sociologia da ação”[1] -, preocupados em, efetivamente, resolver os problemas sociais, foram precursores das investigações urbanas: Thomas, Park e Burgess. Esses sociólogos partiram da análise da paisagem urbana, tendo a cidade como laboratório para se investigar o comportamento humano no ambiente urbano, defendiam que as cidades deveriam ser observadas, ouvidas, percorridas, investigadas, interpretadas, examinadas e esmiuçadas, estudadas sociologicamente e avaliadas política e economicamente, ao que se deu o nome de “Ecologia Humana”, onde a principal indagação era: se o habitat social - espaço físico e de relações sociais -, determina ou influencia o modo e o estilo de vida dos indivíduos. A análise tinha como referência a posição dos indivíduos no meio social urbano, em suma, buscava-se saber até que ponto os comportamentos desviantes, como a criminalidade e o criminoso, eram produtos do meio em que o indivíduo está inserido. Entendia-se o crime como algo não determinado pelas pessoas, mas sim, pelo grupo a que pertencem, um fenômeno ambiental, compreendendo fatores físicos, sociais e ambientais. O nome “ecologia” é uma metáfora às pesquisas dos biólogos que estudavam fora de laboratórios e observavam a disputa pelo espaço, a partir de uma concepção darwinista sobre a maneira como determinados animais e plantas ocupavam os territórios. Dessa forma, fez-se uma analogia entre a organização da vida vegetal e da vida humana em sociedade, fundamentando-se a Teoria da Ecologia Humana em dois conceitos da biologia[2]:
Essa noção de invasão, dominação e sucessão ficou bastante clara ao se observar o desenvolvimento das cidades americanas no processo de chegada dos imigrantes:
Park partia da seguinte ideia: “hoje, o mundo inteiro ou vive na cidade ou está a caminho da cidade; então, se estudarmos as cidades, poderemos compreender o que se passa no mundo”. O tema mais importante naquela época era a delinquência juvenil, que afetava especialmente os filhos de imigrantes vindos a Chicago, “que não eram criados da maneira que a população dominante da cidade considerava apropriada”[3], momento em que se estabeleceu o conceito de “região moral”, como a proximidade e posterior segregação desses grupos por não se adaptarem a uma espécie de código cultural pré-existente. Dessa forma, nasceram os primeiros trabalhos sobre a desorganização social e as condutas que essa situação gerava no interior da cidade, entendida como lugar onde o controle social se degenerou, onde há a debilidade dos vínculos que mantém unidos os grupos sociais; uma modificação das relações interindividuais, fazendo-as mais impessoais e superficiais, com a perda das raízes dos lugares onde se vive e ausência dos freios e inibições frente ao ambiente urbano[4]. A desorganização social era tida como consequência de “uma mudança extremamente rápida, de um adensamento da população urbana ou, ao contrário, de uma súbita desertificação”[5], correspondendo a um declínio da influência dos grupos sociais sobre os indivíduos, manifestando-se por um enfraquecimento dos valores coletivos e aumento das práticas individuais, criando-se um meio desorganizado e criminógeno. Entendia-se que a desorganização não provinha da imigração, mas a imigração era um indício de desorganização social. Assim, eram confeccionados mapas de onde se situavam os diferentes tipos de população, grupos étnicos, raças, espécies de atividades, em que lugar da cidade, por exemplo, se concentravam as atividades criminosas[6], dividiram Chicago em 5 (cinco) áreas, as chamadas “Zonas Concêntricas”, que relacionava o crescimento espacial da cidade com a sua segmentação social e se expandiam a partir do centro, levando-se em consideração as suas características próprias e constante mobilidade, “avançando no território das outras por meio do processo de invasão, dominação e sucessão”[7]. As chamadas delinquency areas, estavam nas proximidades de comércios, principalmente, “nos complexos de moradias urbanas, enquanto os lugares mais afastados e as zonas habitadas com menor concentração de casas permaneciam livres de semelhante incidência de crimes”[8]. Enquanto que nas “zonas de transição” ou “âmbito intermediário”, onde se localizavam as zonas fabris, os terrenos ferroviários, oficinas, eram abundantes a existência de gangs. Park e Burgess concluíram que quanto mais próxima fosse a localização da zona em relação ao centro da cidade, maior era a taxa de criminalidade, além disso, constataram que “as taxas mais altas indicavam os locais nos quais havia maior deterioração do espaço físico e população em declínio”[9]. Como a Teoria da Ecologia Humana tratava o crime como um determinismo ambiental, uma imposição do meio físico e social, entendiam que, somente a partir de intervenções, via políticas públicas preventivas, e mediante o aumento do controle social nas áreas pobres, poderia se inibir a criminalidade, influência que, ainda hoje, “permeia todas as concepções de políticas de segurança pública preventivas baseadas na metodologia do geoprocessamento de dados e de ocorrências”[10]. Nesse contexto, Park criou a ideia do playground:
Dentre algumas críticas à Escola de Chicago, está o fato de tratar a cultura de maneira unificada, tratando os habitantes sem diferenciação não levando em consideração classes, gênero, raça ou etnia, limitando o comportamento individual à determinação da desorganização social, ignorando, assim, a liberdade de ação individual. Além disso, a análise do crime estava adstrita a algumas áreas, o que prejudicou o estudo e levantamento dos crimes fora das áreas consideradas delitivas, que não eram explicados, ou seja, desconsideravam a “cifra negra” e o local de alguns delitos, simplificando a análise etiológica e expondo um caráter classista da pesquisa. Todavia, é inegável que a Escola de Chicago serviu de parâmetro para muitos estudos e pesquisas e, não apenas na área sociológica. Rodrigo Iennaco de Moraes e Grégore Moreira de Moura, trazem um novo enfoque no livro “A criminologia da não cidade: um novo olhar urbanístico para o território da pobreza”, para uma análise sobre as cidades brasileiras, substituindo o parâmetro da cidade pelo da não cidade, onde avaliam as “consequências nefastas da ausência de serviços públicos básicos na vida dos que ocupam o território excluído da cidade oficial – o estudo das manifestações de criminalidade no território ocupado pelos excluídos da cidade”[11]. Os autores defendem que a não cidade se apresenta como elemento que exige a presença político-estatal para o resgate do conceito de cidade, além de reagir como fator criminógeno não ecológico, pois nesses espaços há exclusão territorial do que chamam “ecossistema citadino”, não há cidadania inclusiva para as pessoas que vivem nesses locais. De acordo com Ermínia Maricato, o Brasil e outros países da América Latina tiveram o modelo de desenvolvimento e modernização incompleta ou excludente, apoiada na centralização e racionalidade do aparelho do Estado, que define os padrões de uso e ocupação do solo aplicado apenas a uma parte das grandes cidades, na chamada cidade formal ou legal:
Essas leis desconsideram a condição de ilegalidade em que vive grande parte da população brasileira em relação à moradia e à ocupação da terra, ou seja, a exclusão social inicia-se pela aplicação discriminatória das leis de desenvolvimento urbano. A urbanização brasileira é marcada por um descompasso entre as matrizes ou ideias que alimentaram a atividade de planejamento urbano e o rumo tomado pela produção do espaço urbano real, fazendo com que cada grande cidade possua em seu interior ou na sua periferia uma outra cidade ilegal: a não cidade. Os investimentos, tanto públicos quanto privados, se concentram em determinadas áreas, valorizando-as ao disponibilizarem saneamento básico, asfalto, transporte e segurança, enquanto em outras, geralmente, de regiões periféricas, como as favelas, os bairros distantes do centro e os conjuntos habitacionais, que são esquecidos, relegados ao espaço degradado do subúrbio. Dessa forma, os moradores da periferia não têm perspectivas de um futuro melhor, sendo automaticamente excluídos das oportunidades que as cidades, em tese, podem oferecer, o que contribui para o aumento da delinquência, consumo de drogas e demais fatores que favorecem a degradação social, os níveis de criminalidade aumentam, enquanto os de qualidade de vida pioram a cada dia. É preciso que o Estado desenvolva o território e o espaço desses “guetos” com prestações estatais efetivas, deixando de lado qualquer tipo de especulação imobiliária, pois somente assim é possível se promover o reconhecimento e resgate dos moradores como seres humanos incluídos na cidade. Ermínia Maricato fala sobre a responsabilidade do Estado no planejamento urbano, na maneira como o espaço é organizado que, em sua grande maioria das vezes, não é adequado a toda sociedade, pois concentra atividades, tanto comerciais como sociais, em determinados locais, coloca a elite a sua volta e afasta os que possuem uma renda menor, expressando de forma espacial, a influência das classes dominantes, do que decorre a inviabilidade de construção de um planejamento democrático e igualitário. Assim, os autores que propõem a mudança de perspectiva, defendem que cabe a uma Criminologia Urbanística, no contexto da América Latina, com a substituição do “paradigma de cidade” pelo “paradigma de não cidade” e a necessidade de revisão ecológica do território ocupado pelos excluídos da cidade e pelo resgate da urbanidade, realidade essa que evidencia o poder estatal como legitimador apenas do instrumento simbólico para a persecução criminal, a punição, quando deveria ser eficaz na proteção da população da não cidade, pois são nessas regiões degradadas que se concentram as ocorrências de crimes violentos, cuja vitimização atinge, quase que exclusivamente, a população jovem, pobre e marginalizada, excluídas dos direitos sociais básicos e seletivamente reprimida. Luana Aristimunho Vargas Paes Leme Advogada. Pós-graduanda em Direito Penal e Processo Penal pela Fundação Assis Gurgacz – FAG. Mestranda em Políticas Públicas e Desenvolvimento pela Universidade Federal da Integração Latino-Americana – Unila REFERÊNCIAS BECKER, Howard S. Conferência: A Escola de Chicago. Mana 2(2):177-188, 1996. COULON, Alain. A Escola de Chicago. Trad. Tomas R. Bueno. Campinas, SP: Papirus, 1995. FREITAS, Wagner Cinelli de Paula. Espaço urbano e criminalidade: lições da Escola de Chicago. São Paulo: IBCCRIM, 2002. MARICATO, Ermínia. As ideias fora do lugar e o lugar fora das ideias: planejamento urbano no Brasil. MORAES, Rodrigo I; MOURA, Grégore Moreira de. A Criminologia da não cidade: um novo olhar urbanístico para o território da pobreza. Minas Gerais: Editora D´Plácido, 2016. [1] COULON, Alain. A Escola de Chicago, p. 23. [2] FREITAS, Wagner Cinelli de Paula. Espaço urbano e criminalidade, p. 373. [3] COULON, op. cit., p. 25. [4] MORAES, R.I; MOURA, G. M. A criminologia da não cidade, p. 65. [5] COULON, op. cit., p. 35. [6] BECKER, Howard. Conferência: A Escola de Chicago, p. 182. [7] FREITAS, op. cit., p. 374. [8] MOARES, op. cit., p. 66. [9] FREITAS, op. cit. [10] MOARES, op. cit., p. 67. [11] MOARES, op. cit., p. 70. Comments are closed.
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