De acordo com Andrey Borges de Mendonça e Paulo Roberto Galvão de Carvalho, o instituto da colaboração teve sua origem nos Estados Unidos, sendo que a utilização por parte da justiça americana teve grande relevância no combate ao crime organizado, principalmente na persecução de grandes organizações, como a Máfia e a Cosa Nostra. A delação premiada também teve grande relevância na Itália, tendo ganhado notoriedade a famosa "Operações Mãos Limpas".[1] Segundo Luiz Flavio Gomes é possível encontrar o instituto da delação premiada no direito norte americano, inglês, holandês, austríaco, italiano dentre outros países, sendo resguardadas as peculiaridades de cada legislação, bem como o alcance do benefício.[2] Observadas as características de cada legislação e também o contexto social, a concessão de benefícios àquele que coopera com a justiça, a fim de revelar suas atuações criminosas, sempre esteve presente no mundo jurídico, mesmo que de forma tímida, restrita e com outras denominações. Neste passo, Beccaria, à sua época, já admitia que alguns tribunais ofereciam a concessão de beneficio ao cúmplice de um grande crime, com a finalidade de prevenir a continuidade das ações criminosas, e dar ao povo respostas à grande aflição em ver um crime sem solução.[3] No Brasil, o registro de concessão de vantagens a quem colabora com a justiça nos remete aos tempos coloniais e às Ordenações do Reino, mais precisamente às Ordenações Filipinas, que trouxeram para o Brasil a legislação portuguesa. Já àquela época, embora de forma limitada, se concedia ao delator a possibilidade do perdão no caso do crime de lesa majestade.[4] É possível constatar, em outros diplomas legais, a previsão da concessão de benefício aos autores e partícipes de crime, a exemplo do Código Penal, que prevê em seu artigo 159[5], §4º que aquele que denunciar à autoridade a ocorrência do crime, facilitando a atuação das autoridades, com a libertação do sequestrado, poderá ter sua pena reduzida de um a dois terços. Em 1986, entrou em vigor a lei que versa sobre os crimes contra o sistema financeiro nacional (Lei 7.492/1986). O artigo 25 §2º, assim estabelece: Art. 25. São penalmente responsáveis, nos termos desta lei, o controlador e os administradores de instituição financeira, assim considerados os diretores. § 2º Nos crimes previstos nesta Lei, cometidos em quadrilha ou co-autoria, o co-autor ou partícipe que através de confissão espontânea revelar à autoridade policial ou judicial toda a trama delituosa terá a sua pena reduzida de um a dois terços. (Incluído pela Lei nº 9.080, de 19.7.1995)[6] Avançando temporalmente, a Lei 8137/90 veio definir os crimes contra a ordem tributária, econômica, bem como contra as relações de consumo. Benefício decorrente de colaboração restou estabelecido no artigo 16 § único da referida lei: Art. 16. Qualquer pessoa poderá provocar a iniciativa do Ministério Público nos crimes descritos nesta lei, fornecendo-lhe por escrito informações sobre o fato e a autoria, bem como indicando o tempo, o lugar e os elementos de convicção. Parágrafo único. Nos crimes previstos nesta Lei, cometidos em quadrilha ou co-autoria, o co-autor ou partícipe que através de confissão espontânea revelar à autoridade policial ou judicial toda a trama delituosa terá a sua pena reduzida de um a dois terços. (Parágrafo incluído pela Lei nº 9.080, de 19.7.1995). [7] A Lei 9034/95 (revogada com o advento da Lei 12.850/2013), também previa de forma expressa o benefício ao colaborador, ao tratar da utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas, mais precisamente em seu artigo 6º. Art. 6º Nos crimes praticados em organização criminosa, a pena será reduzida de um a dois terços, quando a colaboração espontânea do agente levar ao esclarecimento de infrações penais e sua autoria.[8] No mesmo vértice seguiu a lei que versa sobre crimes relacionados a lavagem de dinheiro e ativos,(Lei 9.613/1998), a qual em seu artigo 1º, §5º instituiu um benefício mais amplo em compensação à eficácia dos esclarecimentos prestados pelo colaborador. Eis o disposto em questão: § 5º A pena poderá ser reduzida de um a dois terços e ser cumprida em regime aberto ou semiaberto, facultando-se ao juiz deixar de aplicá-la ou substituí-la, a qualquer tempo, por pena restritiva de direitos, se o autor, coautor ou partícipe colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais, à identificação dos autores, coautores e partícipes, ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime. (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)[9] Por sua vez, a Lei 9.807/99, ao dispor no capítulo II nos arts.13, 14 e 15[10] sobre as medidas protetivas concedidas ao réu cooperador, revelou a preocupação do legislador em ampliar as garantias em relação à pessoa do colaborador, bem como o benefício a ele concedido, sendo prevista inclusive a possibilidade de perdão judicial. Cabe salientar que a Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas) prevê, em seu artigo 41, benefício ao réu colaborador, conforme se depreende: Art. 41. O indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais co-autores ou partícipes do crime e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida de um terço a dois terços.[11] Não obstante, resta frisar que somente com o advento da Lei 12.850/2013 houve uma efetiva regulamentação e definição sobre as organizações criminosas, instituindo o conceito e os benefícios a serem concedidos de forma clara e objetiva aos colaboradores. Diante todo o exposto, é possível concluir que o instituto da delação premiada ou colaboração premiada não é uma inovação da Lei 12.850/2013, mas sim, possui raiz no direito comparado e várias leis anteriores. Bryan Bueno Lechenakoski Advogado Pós-graduando em Direito Penal e Processo Penal Rosimeire Marques Bueno Lechenakoski Acadêmica em Direito pelas Faculdades OPET [1] MENDONÇA. Andrey Borges de. Lei 11.343,de 23 de agosto de 2006-Comentada artigo por artigo/Andrey Borges de Mendonça, Paulo Roberto Galvão de Carvalho. – 3. Ed. Ver. E ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2012. Pag.189 [2] GOMES. Luiz Flávio. Carta Forense. A origem da Delação Premiada e da JustiçaConsensuada. Publicado em 08/01/2015. Disponível em: <http://www.cartaforense.com.br/conteudo/colunas/ origens-da-delacao-premiada-e-da-justica-consensuada/14866> [3] BECCARIA, Cesare, marchesedi,1738-1794/ Dos delitos e das penas CesareBeccaria; tradução Paulo M. Oliveira.-[ED. Especial].- Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2011. Pag. 57 [4] GOMES. Luiz Flávio. Origens da Delação Premiada e da Justiça consensuada. Publicado em: 08/01/2015. Disponível em: <http://www.cartaforense.com.br/conteudo/colunas/origens-da-delacao-premiada-e-da-justica-consensuada/14866>. Acessado em 19/05/2015. [5] BRASIL. Código Penal. Art. 159 - Seqüestrar pessoa com o fim de obter, para si ou para outrem, qualquer vantagem, como condição ou preço do resgate: Pena - reclusão, de oito a quinze anos. § 1o Se o seqüestro dura mais de 24 (vinte e quatro) horas, se o seqüestrado é menor de 18 (dezoito) ou maior de 60 (sessenta) anos, ou se o crime é cometido por bando ou quadrilha. Pena - reclusão, de doze a vinte anos. § 2º - Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave: Pena - reclusão, de dezesseis a vinte e quatro anos. § 3º - Se resulta a morte: Pena - reclusão, de vinte e quatro a trinta anos. § 4º - Se o crime é cometido em concurso, o concorrente que o denunciar à autoridade, facilitando a libertação do seqüestrado, terá sua pena reduzida de um a dois terços. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm> [6] BRASIL. Lei 7.492/1986. Define os crimes contra o sistema financeiro nacional, e dá outras providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/CCivil_03/leis/L7492.htm> [7] BRASIL. Lei 8137/1990. Define crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/ l8137.htm> [8] BRASIL. Lei 9.034/1995. Dispõe sobre a utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas. Disponível em<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9034.htm> [9] BRASIL. Lei 9613/1998. Dispõe sobre os crimes de "lavagem" ou ocultação de bens, direitos e valores; a prevenção da utilização do sistema financeiro para os ilícitos previstos nesta Lei; cria o Conselho de Controle de Atividades Financeiras - COAF, e dá outras providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9613.htm> [10] BRASIL. Lei 9807/99. Estabelece normas para a organização e a manutenção de programas especiais de proteção a vítimas e a testemunhas ameaçadas, institui o Programa Federal de Assistência a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas e dispõe sobre a proteção de acusados ou condenados que tenham voluntariamente prestado efetiva colaboração à investigação policial e ao processo criminal. Art. 13. Poderá o juiz, de ofício ou a requerimento das partes, conceder o perdão judicial e a conseqüente extinção da punibilidade ao acusado que, sendo primário, tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal, desde que dessa colaboração tenha resultado: I - a identificação dos demais co-autores ou partícipes da ação criminosa; II - a localização da vítima com a sua integridade física preservada; III - a recuperação total ou parcial do produto do crime. Parágrafo único. A concessão do perdão judicial levará em conta a personalidade do beneficiado e a natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do fato criminoso. Art. 14. O indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais co-autores ou partícipes do crime, na localização da vítima com vida e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida de um a dois terços. Art. 15. Serão aplicadas em benefício do colaborador, na prisão ou fora dela, medidas especiais de segurança e proteção a sua integridade física, considerando ameaça ou coação eventual ou efetiva. § 1o Estando sob prisão temporária, preventiva ou em decorrência de flagrante delito, o colaborador será custodiado em dependência separada dos demais presos. § 2o Durante a instrução criminal, poderá o juiz competente determinar em favor do colaborador qualquer das medidas previstas no art. 8o desta Lei. § 3o No caso de cumprimento da pena em regime fechado, poderá o juiz criminal determinar medidas especiais que proporcionem a segurança do colaborador em relação aos demais apenados. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/CCivil_03/leis/L9807.htm> [11] BRASIL. Lei 11.343/2006. Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11343.htm> Comments are closed.
|
ColunaS
All
|
|
Os artigos publicados, por colunistas e convidados, são de responsabilidade exclusiva dos autores, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento da Sala de Aula Criminal.
ISSN 2526-0456 |