Adverte-se ao leitor que o presente artigo não buscará explicitar toda a fundamentação até então proferida pelos Ilustres Ministros do Supremo Tribunal Federal, pautando-se tão somente ao essencial para realizar a abordagem pretendida. O recurso interposto perante o Supremo Tribunal Federal, distribuído sob o n.º 635.659, o qual teve a repercussão geral reconhecida, visa a declaração de inconstitucionalidade do artigo 28 da lei 11.343/06. Em linhas gerais, a argumentação defensiva no recurso, se pauta sob o seguinte fundamento: - A violação ao artigo 5º, inciso X da Constituição da República, pois a criminalização da utilização de entorpecentes vai contra a liberdade individual do sujeito que realiza as suas escolhas no âmbito privado, sem que, no entanto, lesione bem jurídico alheio. Ou seja, o recurso está fundamentado no que há muito tempo na doutrina especializada vem sendo debatido, no sentido de que não há lesão a bem jurídico de terceiro quando da posse ou utilização de entorpecentes para consumo próprio. Desta forma, não há crime de porte ou uso das substâncias entorpecentes em respeito ao princípio da lesividade ou ofensividade, sendo que a proibição do agente consumir ou portar entorpecente para consumo pessoal viola a intimidade da vida privada. Importante destacar neste ponto que a discussão no referido Recurso Extraordinário versa sobre a descriminalização, o que não significa uma legalização ou liberação irrestrita para o consumo pessoal, neste sentido o voto do Exmo. Ministro Gilmar Mendes, relator do recurso:
Ainda o I. Ministro relator assevera em seu voto que a proibição do consumo, que possuía como escopo a proteção do indivíduo e diminuição do tráfico, não conseguiu realizar o que se propôs. Outrossim, com a dificuldade em se diferenciar um usuário de um traficante, o que se verifica na realidade é um aumento de indiciamentos, processos e condenações em face de jovens, negros ou pardos, das classes mais baixas, e com quantidades pequenas de entorpecentes. Não suficiente tais argumentações, continua desmistificando a proteção da saúde pública, bem como a segurança pública como determinantes para a proibição da posse de drogas para consumo pessoal, com uma análise cirúrgica de que não há correlação, ao menos suficiente, para conectar a posse de entorpecentes para uso próprio com a lesividade da saúde pública ou a própria noção de segurança pública. Destaca, inclusive, que o direito penal não pode interferir na autodeterminação do indivíduo, ou sua escolha pessoal na vida privada, mesmo que tal substância venha a fazer mal à sua própria saúde, tendo em vista que autolesão é irrelevante ao direito penal quando a ação não coloca terceiros em risco. O que se quer dizer, não é que o indivíduo possa se entorpecer indiscriminadamente, mas sim, que a criminalização não é a medida eficaz para o tratamento do consumo de substâncias entorpecentes. O I. Relator conclui que a criminalização da posse de drogas para consumo pessoal é inconstitucional, por atingir desnecessariamente e desproporcionalmente o direito ao livre desenvolvimento da personalidade, porém, deverão permanecer as sanções administrativas previstas, como por exemplo a obrigatoriedade do agente frequentar programas acerca dos riscos e malefícios causados pelas drogas. A crítica neste presente artigo começará a partir do voto do Exmo. Ministro Edson Fachin. Em voto proferido, o I. Ministro assenta seu entendimento acerca da descriminalização, única e tão somente sob a substância conhecida popularmente como “maconha”, asseverando que, como o caso levado ao conhecimento do Supremo Tribunal Federal versa sobre o agente condenado por portar a substância conhecida como maconha, deverá se ater a criminalização ou não de tal substância. O Exmo. Ministro Edson Fachin utilizou-se de argumentos lançados pelo Relator Ministro Gilmar Mendes, entre outros argumentos, para fins de declarar inconstitucionalidade do artigo 28 da lei 11.343/06, porém para fins deste presente artigo, se remeterá à conclusão do voto, que por sua vez, divergiu do relator no que tange à substância, sendo que, o entorpecente a ser descriminalizado seria a substância conhecida como maconha, as demais permanecem sendo criminalizadas, permanecendo hígido o artigo 28 da lei 11.343/06. No mesmo vértice se dirigiu as anotações do voto oral proferido pelo Exmo. Ministro Luís Roberto Barroso, que ao seu entender, tratando-se o caso da posse de maconha para uso próprio, a decisão deveria se ater tão somente à descriminalização desta substância. Nesta toada, com a devida vênia, cumpre-se tecer críticas com relação aos votos proferidos pelos Ilustres Ministros Luís Roberto Barroso e Edson Fachin, que, em que pese as brilhantes exposições, com a demonstração do notável saber jurídico de ambos os ministros, acabaram por direcionar o julgamento em outro sentido, qual seja, a descriminalização da substância conhecida como maconha. O que se assevera é que o recurso interposto visava a declaração de inconstitucionalidade do artigo 28 da lei 11.343/06, vez que fere diretamente a vida privada, liberdade individual, bem como os princípios da lesividade, ofensividade e a não punição da autolesão. Cumpre-se salientar que o artigo 28 da lei 11.343/06 não traz em seu bojo as substâncias a serem criminalizadas, sendo que, há uma remissão à portaria 344/1998 da ANVISA, para então, se definir quais serão as substâncias a serem proibidas. Em ambos os votos proferidos pelos Ilustres Ministros, há uma semelhança crucial, o entendimento de que a proibição do consumo de entorpecentes é uma prática que não possui efetividade no combate à utilização de drogas, bem como não há lesão ao bem jurídico de terceiro quando o agente utiliza a substância para consumo próprio, e, inclusive, não há correlação a segurança pública, pois os delitos que porventura forem cometidos para sustentar o vício, já estão inseridos na seara penal, com as respectivas punições. Não se desconhece os estudos de que, dentre as substâncias entorpecentes ilícitas, a maconha seria a menos prejudicial ao usuário. Porém, os Ministros reconhecem a falida “guerra contra as drogas” e asseveram que a criminalização do usuário, acaba por contrariar as finalidades da lei, bem como gera a estigmatização do usuário, afastando-o de uma possível aproximação do Estado. Assim sendo, qual seria a diferença do usuário de maconha para o usuário de outra substância, como exemplo, o usuário de cocaína? Como bem asseveram, não se trata de permitir o uso indiscriminado de entorpecentes, mas sim de retirar dos olhos do direito penal que paira sob o usuário, para então passar a ser tratado por outros ramos do direito. Outrossim, a emblemática diferenciação entre usuário e traficante, com relação às outras substâncias entorpecentes, não é solucionada, permanecendo o encarceramento em massa de usuários enquadrados como traficantes como citado pelo Ministro Gilmar Mendes e pelo Ministro Edson Fachin. A crítica realizada, se refere ao que estava em voga, é a constitucionalidade do artigo 28 da lei 11.343/06, e a teor dos votos proferidos até o momento, é inconstitucional, e se é inconstitucional diante o princípio da lesividade, ofensividade, a não punição pela autolesão, e diante a ofensa a vida privada e intimidade do agente, não deveria ser direcionada a somente uma substância, mas sim, todas. Um exemplo a ser citado, que inclusive, foi objeto de fundamentação do voto oral proferido pelo Ministro Luís Roberto Barroso, é o comparativo com a máfia do álcool nos EUA entre as décadas de 1920 e 1930, que surgiram após a criminalização da venda e consumo de bebidas alcóolicas em todo o país, e em suas palavras “As consequências foram tão nefastas quanto as que a criminalização das drogas nos traz hoje”. No caso em comparativo, percebe-se que a dosagem de álcool entre as substâncias alcoólicas também possui diversidade, sendo que algumas bebidas chegam à quase 70%a 80% de álcool em sua concentração. Porém, a descriminalização/legalização não ocorreu somente com relação as substâncias com menor dosagem alcoólica, mas sim, todas. Por derradeiro, é de se reconhecer que os votos proferidos simbolizam um grande passo no ordenamento jurídico, abrindo-se espaço para a discussão acerca da descriminalização da utilização de entorpecentes, mesmo que somente de uma substância, e como recentemente dito pelo Ilustre Ministro Luís Roberto Barroso em entrevista sobre a crise do sistema carcerário:
Diante o exposto, verifica-se que houve o direcionamento do recurso interposto para outros fins, qual seja, a descriminalização da utilização da maconha. Noutro lado, as razões do recurso versam sobre a inconstitucionalidade do artigo 28 da lei 11.343/06, e com tal direcionamento, acaba-se por ainda deixar pendente a discussão acerca da constitucionalidade do artigo 28 da lei 11.343/06, vez que no tocante as outras substâncias, o problema ainda persistirá, bem como as próprias razões apontadas nos votos proferidos pelos Ministros. Bryan Bueno Lechenakoski Advogado Criminal Pós-graduando em Processo Penal e Direito Penal na ABDCONST. Pós-graduando em Direito Contemporâneo no Curso Jurídico. Referências: 1 – STF - Recurso Extraordinário n.º 635.659 – Voto do Relator Ministro Gilmar Mendes. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/RE635659.pdf> 2 - STF - Recurso Extraordinário n.º 635.659 – Voto do Ministro Edson Fachin. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/RE635659EF.pdf> 3 – STF – Recurso Extraordinário n.º 635.659 - Anotações para o Voto Oral do Ministro Luís Roberto Barroso. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/arquivos/2015/9/art20150911-04.pdf> 4 – Entrevista com o Ministro Luís Roberto Barroso. Disponível em : <http://oglobo.globo.com/brasil/barroso-defende-legalizacao-da-maconha-da-cocaina-contra-crise-penitenciaria-20858339> Comments are closed.
|
ColunaS
All
|
|
Os artigos publicados, por colunistas e convidados, são de responsabilidade exclusiva dos autores, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento da Sala de Aula Criminal.
ISSN 2526-0456 |