A ruptura do Estado de Natureza Hobbesiano, para a criação do ente Estatal, filiando-se a Teoria Contratualista de Rousseau, o qual a partir da mínima liberdade cedida pelos indivíduos em troca de segurança pública e condições básicas de sobrevivência, vivência e convivência harmônica[1], trouxe consequências, dentre elas o surgimento do crime, sendo este produto social e jurídico. Algumas condutas, praticadas desde o início da humanidade, somente com a promulgação de normas incriminadoras criminais, passaram a ser condutas típicas, ilícitas e culpáveis: Não há crime sem lei anterior que o defina (artigo 1º, caput, Código Penal Brasileiro).
E, portanto, a partir disso, é que o processo de criminalização de condutas humanas passa a surgir, umas em detrimento de outras, de maneiras diferentes, com sanções diferentes e atenções distintas, instaurando, mantendo e satisfazendo, dessa forma, um Sistema Penal seletivo: “apreende-se que desde o momento da seleção de certas condutas que serão reprimidas, já ocorre um processo de criminalização seletiva”[2]. Entretanto, o processo de criminalização vai além. Passa-se a criminalizar, não somente condutas, mas pessoas:
Labelling Approach O Sistema “cego” – se é que algum dia foi – cada vez mais abre seus olhos e separa, seleciona e etiqueta indivíduos que preenchem requisitos lombrosianos[4] de enquadramento à uma determinada aparência, origem, meio social, servindo para etiqueta “marginal”, de modo que “a lógica não é, portanto, a de que uma conduta ilícita leve a outra, mas a de que uma situação de marginalização seja um efetivo convite a que se abrace outra”[5], ocasionando, dessa forma, a efetivação ou aplicação prática do Labelling Approach ou Teoria do Etiquetamento, bem como sua legitimação como norteadora do Sistema Penal. Aliás, não só dele. A norte-americana Teoria do Etiquetamento Social ou Labelling Approach, constitui-se no giro linguístico de Wittgeinstein[6] da Criminologia, onde, de uma análise clássica do estudo do crime, passa-se a Criminologia Crítica, a qual engloba e considera aspectos e variáveis não consideradas até então:
Assim, o sistema penal opera selecionando atitudes encartadas como criminosas, bem como enquadra e faz-se enquadrar pessoas propícias a realizar tais atitudes:
Diante disso, tal processo possui aspectos primários e secundários, apontados por os quais, respectivamente, consistem na eleição por parte do legislador de “condutas a serem consideradas criminosas”[9] e “na ação dos órgãos de controle social”[10] que por investigarem em maior número e prioritariamente os mais marginalizados obtém a computação de “um maior número de condutas criminosas entre eles”[11]. Este último diretamente relaciona-se com “a seletividade decisória dos agentes do Sistema Penal num processo interativo de poder entre controladores e controlados”[12], etiquetadores e etiquetados, pois tal seleção, operada pelo controle penal formal, unida ao controle social informal são mecanismos presentes na sociedade, os quais colonizam e condicionam tal seletividade. Tal fenômeno não é surpreendente, ainda mais se resgatados forem os ensinamentos de Gadamer e Heidegger com relação ao processo hermenêutico presente no dia-a-dia das autoridades que decidem e selecionam dentro do Sistema Penal. Com o giro ou virada linguística, a qual supera a noção simplória do processo de conhecimento antes concebido apenas dentro da relação sujeito-objeto, tem-se dentre os fatores integrantes, os quais Alexandre Morais da Rosa denomina de variáveis do jogo processual[13], a historicidade. Ela engloba toda a carga histórica, experiência e o meio pelo qual as autoridades policiais e judiciárias possuem como influenciadores da tomada das suas decisões com relação a quem será etiquetado e qual etiqueta será posta. Divididos entre os que selecionam e os selecionados, os primeiros são condicionados e direcionados a decidir, diante de inúmeros fatores englobados pela historicidade, de modo a, no mínimo, manter tal disparidade social/econômica, a fim de sustentar a exclusão social e os pontos que tornam quem não é em vulnerável e quem já é em cada vez mais, de forma a fazer com que o “índice de marginalidade” seja tamanho que jamais deixe de existir. Criminal Law of the Enemy O Direito Penal do Inimigo, concebido pelo jurista alemão Gunther Jakobs, em 1985, conceitua-se como uma vertente do Direito, a qual é aplicada não ao cidadão, mas sim àquele visto como inimigo: El enemigo es un individuo que, no sólo de manera incidental, en su comportamiento (delincuencia sexual[...]) o en su ocupación profesional (delincuencia económica, delincuencia organizada y también, especialmente, tráfico de drogas) o, principalmente, a través de su vinculación a uma organización (terrorismo, delincuencia organizada, nuevamente la delincuencia de drogas, [...]), es decir, en cualquier caso de forma presuntamente duradera, ha abandonado el Derecho, por consiguiente ya no garantiza el mínimo de seguridad cognitiva del comportamiento personal y lo manifiesta a través de su conducta [...][14]. Nesse sentido, a função normativa-criminal não é a de prevenção geral positiva da pena para todos os fatos ocorridos no interior do sistema jurídico-penal[15]: Em outros termos, nem sempre a sanção penal desempenhará a função de proteger a vigência da norma (prevenção geral positiva), pois, em determinadas situações, ela deverá assumir outra feição: a eliminação de um perigo (prevenção especial negativa). Chegamos ao direito penal do inimigo. O Direito Penal do Inimigo e o Etiquetamento social, correlacionam-se e podem ser compreendidos de modo sequencial, onde, uma vez posta a etiqueta marginalizadora pelo Sistema, tal indivíduo é apresentado como aquele que abandonou o direito, pelo mesmo Sistema que o marginalizou, invertendo e mascarando a real sequência apresentada, pois primeiro etiqueta-se, e depois afirma o abandono, e não o contrário. Assim, “por conseguinte, não garante o mínimo de segurança cognitiva do comportamento pessoal e o manifesta por meio de sua conduta" (JAKOBS, 2003a, p. 43 e 57)[16], tendo, assim, facilitada a sua identificação, a identificação do inimigo. A etiqueta marginalizadora leva à concepção e identificação quase que automática do inimigo, coexistindo, portanto, a etiqueta do inimigo. Andressa Tomazini Graduanda de Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina e Pós Graduanda em Direito Penal e Processo Penal Aplicado pela Escola Brasileira de Direito Pesquisadora Científica (Grupos de Pesquisa ZEITGEIST e Mediação como Política Pública UFSC) Conselheira Científica das Revistas: Artigos Jurídicos e Direito em Debate e Direito, Cultura e Processo [1] ROUSSEAU, Jean Jacques. O contrato social: princípios do direito político. Tradução de Edson Bini. 2. ed. Bauru: Edipro, 2015. [2] CORRAL, Eduarda Vaz. Teoria do Etiquetamento Social: do estigma social aos aspectos seletivos do sistema penal. Porto Alegre: [s.n.], 2013. p. 23. [3] SELL, Sandro. A etiqueta do crime: considerações sobre o "labelling approach". Jus Navigandi, Teresina, 17 ago 2007. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/10290/a-etiqueta-do-crime>. Acesso em: 23 out. 2017. [4] LOMBROSO, Cesare. O homem delinquente. Tradução de Sebastião José Roque. 2. ed. São Paulo: Ícone, 2013. [5] SELL, Sandro. A etiqueta do crime: considerações sobre o "labelling approach". Jus Navigandi, Teresina, 17 ago 2007. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/10290/a-etiqueta-do-crime>. Acesso em: 23 out. 2017. [6] VIRGÍLIO, Renata Espíndola. Filosofia, giro linguístico e Direito Constitucional: reflexos em um processo jurisdicional democrático. Jus Navigandi, Teresina, 03 fev 2013. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/23612/filosofia-giro-linguistico-e-direito-constitucional-reflexos-em-um-processo-jurisdicional-democratico>. Acesso em: 23 out. 2017.:“A reviravolta lingüística do pensamento filosófico do século XX se centraliza, então, na tese fundamental de que é impossível filosofar sobre algo sem filosofar sobre a linguagem, uma vez que esta é o momento necessário constitutivo de todo e qualquer saber humano, de tal modo que a formulação de conhecimentos intersubjetivamente válidos exige reflexão sobre a infra-estrutura lingüística.[7] Isso significa que esse “giro”, ou “reviravolta lingüística” como aponta o autor, representou um novo paradigma, como uma grade seletiva que molda de forma diferente nosso olhar do mundo a partir de uma ruptura”. [7] MAZONI, Ana Paula de Oliveira e FACHIN, Melina Girardi. A teoria do etiquetamento do sistema penal e os crimes contra a ordem. Revista de Direito Público, Londrina jan/abr 2012. Disponível em: <http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/direitopub/article/viewFile/10183/10422>. Acesso em: 23 out 2017. [8] MAZONI, Ana Paula de Oliveira e FACHIN, Melina Girardi. A teoria do etiquetamento do sistema penal e os crimes contra a ordem. Revista de Direito Público, Londrina jan/abr 2012. Disponível em: <http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/direitopub/article/viewFile/10183/10422>. Acesso em: 23 out 2017. [9] SELL, Sandro. A etiqueta do crime: considerações sobre o "labelling approach". Jus Navigandi, Teresina, 17 ago 2007. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/10290/a-etiqueta-do-crime>. Acesso em: 23 out. 2017. [10] SELL, Sandro. A etiqueta do crime: considerações sobre o "labelling approach". Jus Navigandi, Teresina, 17 ago 2007. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/10290/a-etiqueta-do-crime>. Acesso em: 23 out. 2017. [11] SELL, Sandro. A etiqueta do crime: considerações sobre o "labelling approach". Jus Navigandi, Teresina, 17 ago 2007. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/10290/a-etiqueta-do-crime>. Acesso em: 23 out. 2017. [12] ANDRADE, Vera Regina de. Sistema penal máximo x cidadania mínima: códigos da violência na era da globalização. Porto Alegre: [s.n.], 2003. [13] ROSA, Alexandre Morais da. Guia compacto do processo penal conforme a Teoria dos Jogos. 3. ed. Florianópolis: Emporio do Direito, 2016. [14] TEIXEIRA, André Pacheco. Direito penal do inimigo: quando Jakobs se aproxima de Hobbes e Freud.. Epos, Rio de Janeiro jun 2011. Disponível em: <>. Acesso em: 24 out 2017. [15] TEIXEIRA, André Pacheco. Direito penal do inimigo: quando Jakobs se aproxima de Hobbes e Freud.. Epos, Rio de Janeiro jun 2011. Disponível em: <>. Acesso em: 24 out 2017. [16] TEIXEIRA, André Pacheco. Direito penal do inimigo: quando Jakobs se aproxima de Hobbes e Freud.. Epos, Rio de Janeiro jun 2011. Disponível em: <>. Acesso em: 24 out 2017. Comments are closed.
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ISSN 2526-0456 |