Coluna de Jotaniel Santana e Fernando Flávio Colla no sala de aula criminal, vale a leitura! ''É notória a necessidade de termos uma ótica como a dos vizinhos norte americanos, que por mais que não possuam seus métodos uniformizados, consideram o mínimo necessário e a cada demanda judiciária e vem abraçando mudanças visando uma prova concreta, uma base sem dúvidas, deixando emoções e demais malícias a fidedignidade processual de fora''. Por Jotaniel Santana e Fernando Flávio Colla INTRODUÇÃO As imagens assim como as informações que recebemos no decorrer da nossa vida podem vir ou não a ficarem cicatrizadas em nossa memória a depender da importância e constância que as vemos ou ouvimos. Você seria capaz de afirmar com absoluta certeza o que comeu no seu almoço há três dias? Agora se coloque no lugar de uma vítima de um crime que ocorreu há cinco dias, você seria capaz de com absoluta certeza afirmar qual seria a face do indivíduo praticante? Pois bem, o presente trabalho busca abraçar três duas grandes áreas de conhecimento sendo processo penal, psicologia e neurologia dentro dos estudos feitos por Hermann Ebbinghaus e Oliver Wolf Sacks, para, como forma de intervenção buscar fundamentar a necessidade de melhor e mais completo método para se aplicar o reconhecimento de pessoa dentro do processo penal. O PROBLEMA EM NÚMEROS É necessário enfatizar a tamanha ferida ocasionada ao direito penal/processual penal por erro judiciário, em especial aqueles ligados a prova do reconhecimento facial e seu errôneo procedimento, pois, lhe falta procedimento mais adequado como irá se verificar. Trago algumas pesquisas feitas pelos jornais Folha de São Paulo e G1 da Rede Globo, ambas as matérias abarcam a indevida prisão de inocentes e particularmente em casos decorrentes de reconhecimento de face, segundo a folha, em seu trabalho de campo foi possível entrevistar 100 (cem) pessoas, sendo que 42% (quarenta e dois por cento) destas, fazendo parte de longe do maior grupo prejudicado, esquadrados no erro de reconhecimento, ainda segundo a mesma empresa jornalística, esses casos podem ser ainda maiores levando em consideração a dificuldade de se encontrar tais casos por parte da mídia assim como pela inércia do sistema judiciário, que se verifique: O jornal G1 apresentou que do ano de 2012 até o ano de 2020 foram presos injustamente por erro no procedimento de reconhecimento facial 90 (noventa) pessoas com maior número dentro do Estado do Rio de Janeiro, destaco novamente o argumento trazido pela folha de São Paulo quanto a possível elevação de tal quantidade de pessoas afetadas devido à inércia do judiciário (segredo de justiça entre outras alegações). Ambas as redes jornalísticas se aprofundam ainda mais em seus dados apontando que nessas porcentagens é destaque o número de pretos e pardos sobre as pessoas de pele branca (qualificação racial). Com base na média temporal de dias e meses perdidos entre as noventa pessoas entrevistadas pelo G1, os tempos em prisão somam o montante de vinte e dois anos e seis meses² sob a média de três meses por inocente, de forma que alguns ficaram menos e outros mais tempo. Nesse norte é possível reconhecer a existência da falha sistêmica no processo penal quanto ao início, meio e fim do reconhecimento pessoal, o que conforme supra, pode levar pessoas inocentes a serem indevidamente presas e cumprirem penas por atos que jamais fizeram. A seguir iremos verificar o que o Código Processual Penal nos trás com relação ao procedimento de reconhecimento de pessoas. O CÓDIGO DE PROCESSO PENAL Como já enfatizado anteriormente o objetivo é a suplementação do procedimento de reconhecimento de pessoas, eis que a única coisa que o Processo Penal Pátrio possui, é o capítulo VII que trata do reconhecimento de pessoas e coisas, e que se resume em dois artigos quando falamos diretamente de pessoas. Nossa principal fonte provem do artigo 226 do CPP, que em seus quatro incisos formam a única sustentação para o procedimento, sendo ainda o mais agravante, sua qualificação de “sugestão”, esta dada tanto pelo STJ quanto pelo STF, não existe obrigatoriedade aqui, de forma que a não observância destes requisitos não implique em sua nulidade. Ainda o próprio Tribunal de Justiça do Distrito Federal corrobora com o entendimento dos tribunais quanto a mera qualificação sugestiva, de forma que até possui jurisprudência sobre o assunto, que se verifique: “O art. 226 do Código de Processo Penal prevê recomendações quanto ao reconhecimento de pessoas, e não exigências legais. A inobservância das formalidades previstas nesse artigo, portanto, não invalida o reconhecimento do réu, especialmente quando estiver amparado por outros elementos de prova.” Nesse sentido fica evidente que não se possui um procedimento concreto quando a identificação de pessoas, um tremendo furo legislativo que de 2012-2020 prejudicou noventa pessoas se não mais! O que se tem é uma mera sugestão, ou no sentido mais simples, eu posso fazer assim ou não. Infelizes são os fatos de que mesmo com a tal lacuna evidente e prejudicial a qualquer que se submeta, ainda não existe movimentação legislativa no sentido de tapar esse buraco. Ao contrário de nossos vizinhos do norte que abraçaram o caso Manson vs. Brathwaite (comentado em sala) para através dele definir critérios que garantam a confiabilidade da testemunha e assim garantir maior fidedignidade ao processo/prova. Destaco os critérios: 1. A chance que a testemunha teve de ver o acusado no momento do crime; 2. O grau de atenção da testemunha; 3. A precisão da prévia descrição da testemunha em relação ao acusado; 4. O grau de certeza demonstrado pela testemunha no momento do reconhecimento; e último com maior destaque 5. O tempo decorrido entre o crime e o reconhecimento. Todos os pontos possuem uma conexão que sem qualquer um deles sem dúvidas trás grande risco ao processo penal, no entanto visando as poucas páginas e o sentido de maior importância nos aprofundaremos ao tempo e os estudos da curva do esquecimento do psicólogo Hermann Ebbinghaus. O TEMPO, A EMOÇÃO E O ESQUECIMENTO Digníssimo Paulo Silas, no exato momento em que está acompanhando/lendo o presente trabalho, V.S está automaticamente excluindo informações de sua memória, estas que estão dentro de um lapso temporal constantemente ativo chamado vida, talvez as coisas mais importantes como a data de nascimento de seu primeiro filho não venha a falhar, mas recordo a introdução, se até aqui não se lembrou o que almoçou há três dias, a possibilidade de lembrar acaba se reduzindo ainda mais conforme vem sugando mais conteúdo, ou ainda, se recordando de algo que sequer comeu. Conforme verificado, não existe na legislação brasileira tamanho cuidado com a fidedignidade do testemunho dentro de um caso de reconhecimento facial, não temos um prazo determinado para a possibilidade ou impossibilidade de forma que é evidente a evasão de certeza absoluta, assim, nos trazendo falsas memórias e/ou esquecimento. Tais considerações nos levam aos estudos do psicólogo alemão Hermann Ebbinghaus (1850 – 1909), sobre a curva do esquecimento que determina que todos independente da qualificação da imagem, som ou forma, esquecemos 21% (vinte e um por cento) de determinado conteúdo se não praticado constantemente, que se verifique: Segundo o neurologista Oliver Wolf Sacks (1933 – 2015), os neurônios da lembrança humana funcionam como um jogo de sete, a cada carta mostrada o indivíduo busca memoriza-la, sendo as cartas infinitas as mais novas prevalecem sobre as mais velhas, no entanto momentos marcantes sempre refletiram ao presente como o caso da primeira carta vista pelo o indivíduo.
Com as pesquisas de Sacks & Ebbinghaus é possível identificar como o tempo é prejudicial para saúde mental do testemunho fidedigno, que, numa hipotética situação, está dentro de um delegacia para fazer o reconhecimento pessoal de fato ocorrido a mais de 31 (trinta e um) dias. No entanto, dentro da presente situação existe a lembrança marcante como já qualificada por Sacks, o ato foi tamanho grosseiro e ameaçador que jamais a testemunha/vítima irá se esquecer das características do praticante. O grande problema de momentos de certeza em casos penais é que a mesma sempre estará ligada a situações de grande impacto emocional e seus vários estados, assim, retomando o caso hipotético de evento ocorrido há mais de trinta e um dias, outro grande fator prejudicial ao processo penal além do tempo, é a falsa memória comentada por Sacks assim como por outros grandes neurologistas e psicólogos. Em entendimento particular, o neurologista trabalha a falsa memória como se fosse um sonho acordado, em nossos sonhos acontecem das mais variadas coisas e que nada mais são do que reflexos psicológicos do nosso cotidiano, no trabalho, faculdade, família, eu como exemplo tive pesadelos apenas em pensar que deixei o presente trabalho para ser concluído entre os dias 11-13 do corrente mês, vejamos, nosso cerebelo é uma máquina que está em constante funcionamento e que só para com a nossa morte, portanto, mesmo dormindo ele continua “fabricando, recordando e distorcendo” informações. Sacks em seu livro The Mind's Eye qualificou fatores que ocasionam a distorção de informação e que trazem a tona as falsas memórias. Os principais fatores e de longe mais importantes são as emoções e os erros de atribuição ligados ao fato. Emoções, como o medo, desespero e tristeza são as mais comuns ligadas as vítimas e testemunhas no processo penal, peguemos o medo: Temos uma vítima que supostamente diz ter certeza absoluta da face de um indivíduo, mas que é nítido o impacto psicológicos que os fatos à trouxeram, submetida trinta e um dias depois ao reconhecimento de pessoa, é claro o desgaste (temporal + psicológico) de forma que prejudica inteiramente a confiabilidade da prova. Na presente situação sem a menor sombra de dúvidas essa testemunha/vítima, nos E.U.A não passaria por tal procedimento visando a integridade do processo penal e a JUSTIÇA. Já o erro de atribuição é o produto de um cálculo (tempo (passado) + psicológico = erro perceptivo/atribuições ao fato), o professor em sala de aula nos trouxe um experimente feito pelo programa televisivo FASTÁSTICO, uma dinâmica sobre o reconhecimento de pessoas, chamou a atenção o fato de que alguns dos participantes ao qualificarem o indivíduo que furtou o notebook, argumentaram vestes com cores totalmente distintas assim como incluíram itens que não fazia parte do figurino do ator. Segundo Sacks, nossa percepção não é capaz de capturar todos os detalhes de variados momentos, de forma que submetidos a uma situação que afete através das emoções o nosso psicológico, somos capazes de distorcer o momento com algo já presenciado e que nosso cérebro interligou como semelhante/igual. Portanto para os estudos do psicólogo alemão Hermann Ebbinghaus sobre a curva do esquecimento aliada ao estudes do neurologista e escritor Oliver Wolf Sacks, são de suma importância para dar base a uma suposta atuação legislativa conforme irá se verificar. DA SUPLEMENTAÇÃO LEGISLATIVA Portanto, no decorrer do presente trabalho identificamos o problema e seu impacto através de levantamentos numéricos, mostramos o que temos com exemplo do que poderíamos ter, fundamentamos tal necessidade e aqui concluímos o necessário para fazer com que inocentes não percam mais tempo de suas vidas dentro de uma cela por conta de erro humano. Infelizmente o atual tema é bastante conflituoso entre os poderes da república, eis que se busca a iniciativa por parte do legislativo, podendo ser caracterizado como uma luz ao final o túnel o PL n° 3300, de 2019, que visa mais certeza por parte do ato de conhecimento, contrariando, temos o próprio judiciário estabelecendo entendimentos e jurisprudências no sentido de qualificar o mero procedimento do art. 226 do CPP como sugestivo. É notória a necessidade de termos uma ótica como a dos vizinhos norte americanos, que por mais que não possuam seus métodos uniformizados, consideram o mínimo necessário e a cada demanda judiciária e vem abraçando mudanças visando uma prova concreta, uma base sem dúvidas, deixando emoções e demais malícias a fidedignidade processual de fora. Devemos parar de suicidar princípios básicos como in dubio pro reu, precisamos de cooperação entre os poderemos e não distorções normativas que nos deixam apenas com “sugestões”. Primeiro, administração política, segundo que a engrenagem do legislativo de modo simples, trabalhe em mais procedimentos quanto ao reconhecimento de pessoas, analisando não só o que Estados Unidos faz de melhor, mas sim o Canadá, Inglaterra, Espanha entre outros países que possamos nos espelhar em seu funcionamento sob o reconhecimento de pessoas (se houver), trazer ao nosso âmbito processual penal com fins de criar o melhor, ao ponto de sermos exemplos e reduzir à zero qualquer possibilidade de prisão de inocente por erro humano. “NA DÚVIDA, QUE SEJEMOS TODOS A FAVOR DA LIBERDADE”. JOTANIEL SANTANA Acadêmico do curso de Direito da Universidade do Contestado – Campus Canoinhas FERNANDO FLÁVIO COLLA Acadêmico do curso de Direito da Universidade do Contestado – Campus Canoinhas REFERÊNCIAS: BOM DIA BRASIL. Rede Televisiva Globo (G1) - Levantamento mostra que 81% dos presos irregularmente por reconhecimento fotográfico são negros. 14/09/2021. Disponível em https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2021/09/14/levantamento-mostra-que-81percent-dos-presos irregularmente-por-reconhecimento-fotografico-eram-negros.ghtml; FANTÁSTICO. Rede Televisiva Globo (G1) - Experimento testa: reconhecimento de suspeitos é um procedimento confiável?. 05/05/2019. Disponível em https://g1.globo.com/fantastico/noticia/2019/05/05/experimento-testa-reconhecimento-de-suspeitos-e-um-procedimento-confiavel.ghtml; FOLHA DE SÃO PAULO. Uol – Inoventes Presos. Falhas em reconhecimento alimentam máquina de prisões injustas de negros e pobres no Brasil. 25/05/2021. Disponível em https://temas.folha.uol.com.br/inocentes/erros-de-reconhecimento/falhas-em-reconhecimento-alimentam-maquina-de-prisoes-injustas-de-negros-e-pobres-no-brasil.shtml; MAGALHÃES, Marina Trindade. O reconhecimento pessoal e a psicologia judiciária: falibilidade do testemunho como reforço do etiquetamento e violação ao in dubio pro reo. Revista Brasileira de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 6, n. 3, p. 1699-1731, set./dez. 2020. https://doi.org/10.22197/rbdpp.v6i3.339; VADE MECUM UNIVERSITÁRIO DE DIREITO RIDEEL. ANGHER. Anne Joyce, organização. – 26. Ed – São Paulo: Rideel, 2019. – (Série Vade Mecum); SACKS. Oliver. O olhar da mente. Tradução Laura Teixeira Motta - São Paulo : Companhia das Letras, 2010. 232 p. EBBINGHAUS. Hermann. Über das Gedächtnis ( Sobre a Mente). Tradução Paulo Santana – São Paulo : Companhia da Letras, 2008. 186 p. ATIVIDADE LEGISLATIVA. Senado Federal. Projeto de Lei n° 3300, de 2019 - Altera o art. 226 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal, para regular o procedimento de reconhecimento de pessoas. 31/08/2021. Disponível em https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/137160.
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