O advogado criminal deve ter sempre por fim a defesa da liberdade do indivíduo ante as arbitrariedades estatais. O causídico deve sempre lutar, com unhas e dentes, pelo respeito efetivo e integral à garantia da liberdade de ir e vir. Defender a liberdade, antes de tudo, é defender o Estado Democrático de Direito. Contudo, nenhum sentido faria a Constituição impor tal múnus ao advogado sem, antes, lhe mostrar o “instrumento” para tanto. E é aí que entra a garantia do Habeas Corpus.
O Habeas Corpus – e não é para menos – é descrito como um “remédio constitucional”, justamente porque tem por finalidade remediar as enfermidades democráticas oriundas dos desrespeitos às garantias de liberdade estampadas no texto constitucional, representando ao cidadão a ferramenta mais efetiva e célere de contenção da barbárie trazida pela Carta Cidadã. Aliás, o denominado writ sequer exige maiores formalidades, podendo ser manejado por qualquer cidadão. É exigível, tão só, que esteja escrito em português, não importando (ou ao menos não deveria importar) para seu conhecimento pelo judiciário que esteja escrito num “papel de pão” – como gostam de exemplificar os mais didáticos professores. Ao menos deveria ser assim. Malgrado a norma traga o writ como um instrumento de manejo simplório, ultimamente não é assim que ele tem se apresentado. Com o crescimento da atividade repressiva estatal, sobretudo no âmbito empresarial e econômico, cresceram também as arbitrariedades e desmandos por parte das autoridades persecutórias. Com efeito, também houve um forte crescimento do uso do Habeas Corpus. O writ, como dito, diante de uma arbitrariedade, é a melhor ferramenta posta perante o profissional para a contenção dos danos gerados. Ao contrário dos recursos e petições ordinárias, o Habeas Corpus permite um trânsito rápido e possibilita que sejam levadas ao órgão judicial de nível superior as questões prejudiciais à liberdade de locomoção sem maiores delongas. E é justo em virtude de tal facilidade que o uso do Habeas Corpus se tornou mais vantajoso aos defensores, porque ultrapassa as costumeiras amarras processuais existentes nos recursos comuns ou nos pedidos requeridos na origem. Entretanto, na medida em que aumentaram os pedidos de Habeas Corpus, também aumentou o volume de trabalho das cortes de justiça. Como consequência disso, tem sido cada vez mais comum a criação de uma chamada “jurisprudência defensiva” dos tribunais frente ao writ. Quer-se dizer, pois, que as cortes de justiça, num argumento completamente utilitarista e corporativista, vêm gradativamente reduzindo o espectro do Habeas Corpus, considerando questões antigamente vistas como possíveis de serem discutidas em sede de writ como impossíveis de serem enfrentados por meio do remédio constitucional. Há fortes movimentos no âmbito do judiciário no sentido de reduzir as chances de concessão da ordem e até mesmo o próprio conhecimento do Habeas Corpus – mesmo que se esteja diante de violações do devido processo legal – como forma de bloquear o manejo do instrumento como medida de combate aos excessos acusatórios. O advogado criminal, portanto, não pode ver no Habeas Corpus mais uma peça de defesa comum, mas, sim, como a principal ferramenta posta à disposição dos defensores, a qual exige, desta feita, uma apurada técnica na sua feitura, visando fugir dos obstáculos comumente impostos pelos tribunais. O advogado criminal deve enxergar no Habeas Corpus o principal aliado na luta pela liberdade do cidadão e, por isso, não pode confeccioná-lo como uma peça qualquer. O Habeas Corpus, portanto, deve ser bastante claro naquilo que se pede, direto, mas sem descurar, da profundidade técnica que consubstancia sua minuta. Além disso, o advogado deve se esforçar ao máximo em ressaltar os contornos do constrangimento ilegal que se pretende coibir de maneira clara, sem se ocupar em discussões estéreis. Frases curtas e amparo nos elementos colhidos nos autos são fortes aliados do defensor no momento de se confeccionar a peça do writ. Outro ponto crucial está na instrução do caderno processual. O Habeas Corpus, como já sedimentado pela jurisprudência nacional, não permite dilação probatória, sendo uma “via estreita”. O que se possibilita por meio da impetração é tão só dar nova classificação jurídica aos fatos já demonstrados e encartados. Os elementos essenciais para se demonstrar o constrangimento ilegal, pois, já devem estar amealhados nos autos. A prova deve ser pré-constituída e, ademais, não pode exigir valorações que transcendam a cognição sumária, o conhecimento de plano. Uma dica que costuma valer muito nessas horas é juntar a cópia integral dos autos nos quais se vislumbrou o constrangimento, com o destaque inicial às decisões principais. Ultrapassada a questão “escrita”, com o devido protocolo da peça, cabe ao advogado criminal diligenciar junto ao relator do writ, levando a ele os pontos principais da impetração, demonstrando de maneira rápida, objetiva e pessoal as impressões da defesa. O famoso “despacho” com os magistrados é, sim, uma grande ferramenta. Além disso, a entrega de memoriais em gabinete também é uma medida de extrema importância. Não se pode esquecer, igualmente, que o advogado não é intimado da sessão de julgamento do Habeas Corpus, ele é levado em mesa pelo relator. Com efeito, não adianta ficar aguardando o chamado para comparecimento em sessão. O advogado criminal deve ser proativo e ter pleno conhecimento dos dias exatos das sessões da turma ou da câmara criminal em que o writ será julgado, estando presente sempre, mesmo que não proceda à sustentação oral. Aliás, a presença em sessão é importantíssima. Não se pode perder de vista que durante o julgamento, é possível que sejam levantadas questões de ordem pelo advogado, ainda que não esteja inscrito para sustentação, evitando-se, assim, possíveis erros decisórios. E veja-se que a arguição em sessão tende a ser muito mais efetiva que a arguição por meio de petição. O calor da discussão tende a ser muito mais proveitosa e serve para evitar eventual alegação de preclusão da matéria. Por fim, a sustentação oral sempre é cabível em situação de Habeas Corpus. Não há violação de liberdade que não mereça arguição em sessão. O Habeas Corpus, desta feita, não é uma simples peça de defesa, mas, sim, o principal instrumento de combate às arbitrariedades, exigindo do advogado criminal sempre um amplo estudo e reflexão para sua confecção. Aquele que detém o domínio de uma boa escrita e conhecimento jurídico para a boa construção do writ sempre estará um passo a frente dos demais colegas, que ainda insistem em não dar a devida importância a este instrumento secular de combate às violações estatais. Douglas Rodrigues da Silva Especialista em Direito Penal e Processo Penal Advogado Criminal Comments are closed.
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