A conceituação que provém da Filosofia da Libertação, trazida por Enrique DUSSEL, elabora a visão de um outro paradigma da vida concreta de cada indivíduo e sua cognição da realidade.
Celso LUDWIG[1] diz que embora existam correntes filosóficas desenvolvidas diferentemente, porém com fundamento e limite no mesmo paradigma, há a utilização de um modelo ou de um subparadigma, mas não uma total ruptura. A filosofia da libertação (DUSSEL), na América Latina, desenvolve princípios que tem por base questionar a opressão e práticas que preservam a submissão, no modelo que hoje mantem o status quo mundial. Contra esse domínio, utilizado e aceito pelos dominados até então, uma emancipação do pensamento latino americano deve se apropriar desde a sua real identidade até a educação e as novas perspectivas éticas, numa real descontinuação com o antigo. Tal filosofia rompe com o paradigma aceito quando se concebe ouvir e entender as mazelas domésticas em detrimento da influência dos mercados e da globalização, em especial, a econômica.[2] O romper com o paradigma imposto, que preserva-se em crise quando o estudo atinge as regiões que não fazem parte do eixo de influência dos países mais ricos, inicia-se então uma razão critico discursiva, que segundo Dussel, utiliza-se da razão crítica.[3] É no limite do ser que os sentidos do mundo são reconhecidos, e dessa forma, o paradigma do ser impõe categoricamente as metas de compreensão, os parâmetros de percepção do mundo e do exato ser como fundamento natural. A metafísica, que estuda a essência do mundo, é inerente à filosofia do ser enquanto ser, não importando que seja concebido como ideia ou substancia, em todos os casos, tal ideia somente surge como paradigma a partir de onde é possível explicar a variedade ôntica e compreendê-la em sua singularidade; como parte de uma totalidade, uma vez que o ser pertence ao mundo e à sua forma, preservadas todas as diferenças, variedade ou raças. Significa que o ser somente pode se reconhecer em conjunto aos seus e entendendo o sistema em que se insere. No sistema seletivo e prejudicial que a Totalidade pressupõe, o outro é o estigmatizado, excluído e esquecido por um Estado sem forças. Sugere, destarte, a integralidade, não sopesando as mazelas existentes em diferentes contextos de díspares sociedades globais, baseando-se em um imenso sistema meritocrático. Em busca de uma preservação que possa dar voz ao outro[4] excluído dos grandes centros, entre eles, a guetização dos países menos desenvolvidos no cenário mundial, há necessidade da quebra do paradigma imposto. O pensamento de DUSSEL, filósofo latino americano conhecedor das realidades da América Latina e suas dificuldades, traz a percepção de um horizonte que se mostra a frente rompendo com a Totalidade, que traz a hegemônica corrente ideológica e principiológica de uma sociedade interligada por suas raízes radicadas no conceito formado a priori. Todo o conhecimento é possível a partir dos laços primordiais que fundaram o alicerce sob o qual se convive em sociedade. Para DUSSEL, há a necessidade da quebra de mais esse paradigma. Entretanto, para que a libertação seja possível, toda a ordem posta como verídica ou essencialmente hegemônica deve ser superada, visando uma maior inclusão daqueles que se encontram fora do sistema. Com o passar do tempo, esse número de afastados cresceu drasticamente. Esses personagens, tidos na visão de “os outros” pelos estabelecidos, passaram a ser excluídos e deixados a parte quando as mudanças paradigmáticas na sociedade ocorreram. Para BAUMAN, a ascensão dos mercados, a busca pelo capital e o consumismo frenético passaram a ser, juntamente com a conexão tecnológica e a proveniente desconexão humana, o novo paradigma. BAUMAN, cita que agora o outro ou estigmatizado pode ser considerado aquele que não possui o poder de compra, que não pertence ao estabelecido grupo do consumo desenfreado.[5] Todavia, reconhecer o outro como pessoa dotada de dignidades é função fundamental para uma filosofia da libertação, quando afirma DUSSEL que somente estabelecendo a ruptura dessa distinção, reconhecendo o outro como pessoa e não “o excluído”[6], é que os primeiros passos serão ajustados para uma real emancipação, e assim, uma quebra do paradigma vigente. Ao afirmar que se deve romper com o modelo Eurocêntrico filosófico, DUSSEL alega também que os estudos e abstrações realizadas por cientistas que desconhecem o outro, ou seja, a América Latina (e assim, Ásia, África e regiões tidas como periféricas) não podem ser levados em consideração quando a massa de rejeitados está cada vez mais distante de integrar a Totalidade, por exclusão.[7] BAUMAN, por sua vez, entende ser essa uma globalização que angaria frutos apenas aos interessados no lucro, que são as grandes companhias que agora ditam ao Estado seus próximos passos, retirando destes a sua soberania. Nesse interim, o Estado passa a se relacionar com os diversos fatores econômicos à sua volta, mas não com sua população e com seus afazeres para com ela. A força da globalização, que agora se finca numa Totalidade, retira do Estado suas forças de outrora, revelando a pobreza e miséria dos seus cidadãos mais carentes que não possuem nenhum resguardo.[8] Destarte, entender a globalização que tende à totalidade como uma força oriunda dos grandes centros econômicos e em prol da busca pelo lucro, é desmistificar o sentido otimizado e unificador da globalização, demonstrando também o seu outro viés. Se a totalidade se perfaz em um paradigma filosófico seguido há anos a fio, também pode ser falseada e assim negada, pelas suas intempéries e dificuldades aos povos e pessoas menos favorecidas, criando um crescente mundo de exclusão. Destarte, o paradigma encontra-se em uma crise sem precedentes, tornando uma ruptura com o atual necessária. Iverson Kech Ferreira Mestre em Direito - Uninter Pós-graduado pela Academia Brasileira de Direito Constitucional, na área do Direito Penal e Direito Processual Penal Advogado [1] LUDWIG, Celso Luiz. Para uma filosofia jurídica da libertação: paradigmas da filosofia e direito alternativo. Florianópolis; Conceito Editorial, 2006, p. 35. [2] DUSSEL, Enrique. Op. Cit., p. 423. [3] Idem, p. 481. [4] Ibidem p. 424. [5] BAUMAN, Zygmunt. Confiança e medo na cidade. Tradução por Miguel Serras Pereira. Lisboa: Relógio D'Água, 2006, p. 15. [6] DUSSEL, Enrique. Op. Cit, p. 372. [7] DUSSEL, Enrique. Idem., p. 37. [8] BAUMAN, Zygmunt. Globalização: As consequências humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1999, p. 81 Comments are closed.
|
ColunaS
All
|
|
Os artigos publicados, por colunistas e convidados, são de responsabilidade exclusiva dos autores, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento da Sala de Aula Criminal.
ISSN 2526-0456 |