1 REFERÊNCIA JURISPRUDENCIAL
REsp 1318180/DF, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 16/05/2013, DJe 29/05/2013 Ementa do julgado: RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL PENAL. DENÚNCIA. RECEBIMENTO. RESPOSTA DO ACUSADO. RECONHECIMENTO. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. POSSIBILIDADE. ILICITUDE DA PROVA. AFASTAMENTO. INVIABILIDADE. ACÓRDÃO RECORRIDO. FUNDAMENTO EXCLUSIVAMENTE CONSTITUCIONAL. DECRETO REGULAMENTAR. TIPO LEGISLATIVO QUE NÃO SE INSERE NO CONCEITO DE LEI FEDERAL (ART. 105, III, A, DA CF) 1. O fato de a denúncia já ter sido recebida não impede o Juízo de primeiro grau de, logo após o oferecimento da resposta do acusado, prevista nos arts. 396 e 396-A do Código de Processo Penal, reconsiderar a anterior decisão e rejeitar a peça acusatória, ao constatar a presença de uma das hipóteses elencadas nos incisos do art. 395 do Código de Processo Penal, suscitada pela defesa. 2. As matérias numeradas no art. 395 do Código de Processo Penal dizem respeito a condições da ação e pressupostos processuais, cuja aferição não está sujeita à preclusão (art. 267, § 3º, do CPC, c/c o art. 3º do CPP). 3. Hipótese concreta em que, após o recebimento da denúncia, o Juízo de primeiro grau, ao analisar a resposta preliminar do acusado, reconheceu a ausência de justa causa para a ação penal, em razão da ilicitude da prova que lhe dera suporte. 4. O acórdão recorrido rechaçou a pretensão de afastamento do caráter ilícito da prova com fundamento exclusivamente constitucional, motivo pelo qual sua revisão, nesse aspecto, é descabida em recurso especial. 5. Os decretos regulamentares não se enquadram no conceito de lei federal, trazido no art. 105, III, a, da Constituição Federal. 6. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, improvido. 2 O CASO L.E. F. e V.C.K. foram denunciados pela prática do crime tipificado no art. 1º, V, da Lei n. 8.137/1990, c/c o art. 71 do Código Penal. Quando citados, apresentaram respostas à acusação nas quais alegaram ilicitude da prova e a rejeição da denúncia por ausência de justa causa, teses que foram acatadas pelo juiz singular. O Ministério Público Federal interpôs recurso em sentido estrito, o qual foi conhecido e desprovido pelo Tribunal Regional Federal, tendo constado da ementa: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. LEI Nº 8.137/1990, ART. 1º, INCISO V. NULIDADE DA DECISÃO QUE REJEITOU A DENÚNCIA – PRECLUSÃO PRO IUDICATO NÃO VERIFICADA. PRELIMINAR REJEITADA. SIGILO DE DADOS DE CONTRIBUINTE AFASTADO. MATÉRIA AFETA À RESERVA DE JURISDIÇÃO. ENTENDIMENTO SUFRAGADO PELO STF. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. Oferecida a resposta à acusação, o Magistrado poderá exercer novo juízo de admissibilidade quanto à presença dos pressupostos processuais e das condições da ação. A quebra de sigilo bancário, ainda que pelos órgãos de fiscalização, sem o crivo do judiciário, afronta os princípios da Carta Republicana, conforme decidiu o Supremo Tribunal Federal (RE 389808). Não prospera, por ausência de justa causa, a denúncia lastreada em provas ilícitas, porquanto inaptas para demonstrar a certeza da materialidade do fato crime. Em face desta decisão, foi interposto recurso especial, o qual foi distribuído à Sexta Turma e desprovido à unanimidade. 3 OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO A discussão dos autos girou em torno da possibilidade de rescisão do juízo de recebimento da denúncia, vez que o Ministério Público Federal alegou que ocorreria preclusão consumativa. Segundo o Ministro Relator, após a edição da Lei nº 11.719/2008, quando “oferecida resposta à acusação, o Magistrado deverá exercer novo juízo de admissibilidade quanto à presença dos pressupostos processuais e das condiçõesda ação”. Isso porque, muito embora, a leitura dos artigos 396 e 397 do Código de Processo Penal faça aparentar que somente é possível ao magistrado a absolvição sumária, tal não seria a melhor forma de interpretação. Dentre outros motivos porque na resposta à acusação o acusado pode alegar tudo que for de interesse da defesa, inclusive preliminares. E, nestas, bem destacou o Ministro, a praxe é atacar o processo: É lição elementar do direito processual que as preliminares suscitadas pela defesa, via de regra, objetivam extinguir o processo, sem a análise do mérito, em razão da ausência de pressupostos processuais ou de condições da ação, entre as quais se inclui, no âmbito penal, a existência de justa causa. O Ministro indagou porque seria possível acabar com o jus puniendie não “apenas” com determinada relação processual. Citou lição de FERNANDES e LOPES: Nas palavras de Antônio Scarance Fernandes e Mariângela Lopes, não teria sentido abrir oportunidade ao acusado para a sua resposta, na qual pode alegar qualquer matéria em sua defesa, inclusive as que possibilitam a rejeição da denúncia ou queixa, se o juiz não pudesse mais rejeitar a acusação. Em síntese, estes foram os fundamentos. 4 PROBLEMATIZAÇÃO A reforma processual penal de 2008 estabeleceu um “duplo recebimento” da inicial acusatória: o primeiro definido no art. 395, cuja consequência jurídica é o início do processo, interrupção do prazo prescricional e mudança no status do acusado ou a rejeição da denúncia; e o segundo definido no art. 397 C/C art. 399, do qual resulta um juízo de retificação do recebimento da denúncia, absolvição sumária ou a designação de audiência de instrução. A reforma possibilitou uma resposta à acusação em que se pudesse alegar preliminares e adentrar ao mérito processual, ampliando significativamente o contraditório e ampla defesa (em comparação à antiga defesa preliminar). Tais mudanças demonstraram a preocupação do legislador em proteger a população do ajuizamento de ações penais desprovidas de justa causa, bem como com o estigma que recai sobre acusados de crimes. Quanto às preliminares, importante destacar que as condições da ação cuidam de matéria de ordem pública e, portanto, podem ser reconhecidas a qualquer momento. A respeito, o Supremo Tribunal Federal decidiu no HC 69537-RS que: […] a regra segundo a qual as condições da ação podem e devem ser analisadas em qualquer instância, desde que ordinária - § 3º do artigo 267 do Código de Processo Civil. No caso, impossível é ter como pertinente a jurisprudência predominante desta Corte consubstanciada no verbete de Súmula nº 160. As nulidades nele aludidas são aquelas ligadas à tramitação do processo e que, de alguma forma, uma vez declaradas, acabem por favorecer à acusação, muito embora esta tenha se mostrado silente. Não abrangem as absolutas, ou seja, que decorram de matérias que devem ser conhecidas de ofício e, muito menos, hipótese como a dos autos, em que, uma vez declarada, acabou por alijar da relação processual a própria querelante, no que assumiu indevidamente, o papel reservado à acusação. Na decisão que aprecie a resposta à acusação, faz-se necessário que o julgador demonstre, mesmo que sucintamente, que ou não é o caso de rescisão do recebimento da denúncia ou não se fazem presentes os requisitos da absolvição sumária, isto é que aponte quais elementos constantes do inquérito policial (ou seu similar) refutam a tese da defesa. Neste sentido, PACELLI DE OLIVEIRA defende que não se faz necessária uma ampla fundamentação, acerca da decisão que ratifica o recebimento da denúncia, mas sim que haja uma análise superficial dos autos: Sustenta-se em alguns setores da doutrina que deveria o juiz fundamentar a não absolvição sumária. Pensamos não ser a hipóteses, ao menos no que diz respeito a uma suposta exigência de ampla fundamentação. O juízo, segundo nos parece deve ser delibativo (superficial), a fim de se evitar antecipações definitivas acerca do posicionamento do magistrado em relação às questões de direito. Deve ele, por exemplo, havendo alegação de causa extintiva da punibilidade, se limitar a apontar a sua inexistência, por simples referência aritmética, se e quando alega a prescrição. Do mesmo modo deve proceder em relação à arguição de atipicidade, evitando maiores apreciações dos fatos.[1] O Superior Tribunal de Justiça tem concedido a ordem de Habeas Corpusde ofícioem casos nos quais não há a mínima fundamentação acerca das teses defensivas, por entender que existe flagrante nulidade a qual não pode ser mantida: PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS . APROPRIAÇÃO INDÉBITA CONTRA IDOSO – RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. VÍCIO DE FUNDAMENTAÇÃO. INTELIGÊNCIA DO ART. 397 DO CPP. SIMPLES APONTAMENTO DO DISPOSITIVO LEGAL. AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO SOBRE OS TERMOS DA DEFESA APRESENTADA. ILEGALIDADE FLAGRANTE. CONCESSÃO DE OFÍCIO. [...] 2. A bem do art. 93, IX, da Constituição Federal, é imperioso que as decisões do Poder Judiciário sejam motivadas. Cuida-se de providência que viabiliza, de um lado, o exercício do duplo grau de jurisdição, e, de outro, o controle político do cumprimento da função judicante. Na espécie, após a fase de apresentação de resposta à acusação, proferiu-se decisão que determinou o prosseguimento do processo, com simples apoio na inexistência das hipóteses do art. 397 do CPP, sem a apreciação dos termos da defesa preliminar. 3. Assim, negou-se vigência ao conteúdo normativo e aos avanços democráticos derivados da redação conferida pela Lei 11.719/2008 ao artigo 397 do Código de Processo Penal, não estando o decisum revestido da devida fundamentação para lastrear a manutenção do iter processual. 4. Habeas corpus não conhecido, ordem expedida de ofício para anular a ação penal, a partir da segunda decisão de recebimento da denúncia, devendo outra ser proferida, apreciando-se os termos da resposta preliminar. (HC Nº 203.399- BA, Rel: Ministra Maria Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, julgado em 01/04/2014, DJE: 14/04/2014) PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS . ESTELIONATO, LAVAGEM DE DINHEIRO E QUADRILHA ARMADA. (1) IMPETRAÇÃO SUBSTITUTIVA DE RECURSO ORDINÁRIO. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. (2) ORDEM DE OITIVA DE TESTEMUNHAS. SUPOSTA INVERSÃO TUMULTUÁRIA. TEMA ESTRANHO AO ÂMBITO DE COGNIÇÃO DO WRIT. (3) RESPOSTA À ACUSAÇÃO. DECISÃO SUBSEQUENTE. SIMPLES DETERMINAÇÃO DE PROSSEGUIMENTO DO PROCESSO. AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO SOBRE OS TERMOS DAS DEFESAS APRESENTADAS. ILEGALIDADE FLAGRANTE. CONCESSÃO DE OFÍCIO DA ORDEM. 1. É imperiosa a necessidade de racionalização do emprego do habeas corpus , em prestígio ao âmbito de cognição da garantia constitucional, e, em louvor à lógica do sistema recursal. In casu, foi impetrada indevidamente a ordem como substitutiva de recurso ordinário. 2. Não há ilegalidade no acórdão de habeas corpus , que deixou de conhecer da ordem no ponto em que se agitou tema estranho ao âmbito de cognição do writ. In casu, buscou-se a anulação da ação penal em razão de suposta inversão tumultuária na ordem de oitiva de testemunhas, tendo a Corte local não conhecido, em relação a tal aspecto do mandamus . 3. A bem do art. 93, IX, da Constituição Federal, é imperioso que as decisões do Poder Judiciário sejam motivadas. Cuida-se de providência que viabiliza, de um lado, o exercício do duplo grau de jurisdição, e, de outro, o controle político do cumprimento da função judicante. Na espécie, após a fase de apresentação de resposta à acusação, proferiu-se decisão que simplesmente determinou o prosseguimento do processo sem a apreciação dos termos das defesas deduzidas, negando vigência ao conteúdo normativo e aos avanços democráticos derivados da redação conferida pela Lei 11.719/2008 ao artigo 397 do Código de Processo Penal. O decisum não se revestiu da devida fundamentação para lastrear a manutenção do iter processual. 4. Habeas corpus não conhecido, ordem expedida de ofício para anular a ação penal, em relação ao paciente e ao corréu Evaldo Fraga Leal (por força do artigo 580 do Código de Processo Penal), a partir da segunda decisão de recebimento da denúncia, devendo outra ser proferida, apreciando-se os termos das respostas escritas à acusação, com o consequente desmembramento da ação penal, conforme dicção da parte derradeira do artigo 80 do Código de Processo Penal. (HC Nº 191.315-RS, Rel: Ministra Maria Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, julgado em 26/11/2013) No HC 203.399-BA, a e Relatora consignou em seu voto que “o simples registro de que não estava diante das hipóteses do art. 397 do CPP, não é justificativa para o recebimento da denúncia, porquanto a novel legislação exige maior apuro de convencimento, de modo a preservar a pessoa humana dos rigores do processo penal, salutar barreira para estrondosa repercussão em seu status libertatis, foi manifestamente ignorada” (p. 10). Ademais, indagou a Ministra sobre a função do artigo 397 do CPP: “Ora, de que valeria o comando legal, que possibilita à Defesa arguir preliminares e outras alegações, se ao juiz fosse, simplesmente, facultado passar ao largo de todos esses temas? Penso que descolori o juízo em questão das tintas próprias de atodecisório é fazer letra morta da lei federal, exatamente na contramão da missão constitucional confiada a esta Corte Superior. Não se olvide, por fim, prever o art. 397 hipóteses de absolvição sumária. Nesta toada, como seria possível, e dogmaticamente aceitável, existir uma fase em que é, de um lado, possível advir uma sentença (absolvição sumária), definitiva, e, de outro, mero despacho (recebimento da denúncia)?” A Ministra, assim, destacou a importância do princípio da fundamentação das decisões. Não por outro motivo, POLASTRI LIMA afirma que deve haver fundamentação, mesmo que sucinta “ainda mais agora, com a reforma penal de 2008 dando a possibilidade de o juiz decidir absolvendo sumariamente o acusado após a defesa prévia (art. 397 do CPP), mais imprescindível o exame da inicial penal,sob pena de o juiz dar um 'atestado de inoperância'”[2]. Tem-se, então, que na Resposta à Acusação é possível pleitear um juízo de retificação do recebimento da denúncia, além da absolvição sumária, e que o deve haver uma necessária fundamentação sobre as teses defensivas, sob pena de se incorrer em nulidade. Iuri Victor Romero Machado Advogado Criminal e Professor de Processo Penal. Especialista em Direito e Processo Penal. Especialista em Ciências Criminais e práticas de advocacia criminal. Pós graduando em Direito Aplicado pela Escola da Magistratura do Paraná. REFERÊNCIAS LIMA, Marcellus Polastri. Curso de Processo Penal, vol. II, 4ª edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal, 17ª edição. São Paulo: Atlas, 2013. [1] OLIVEIRA, Eugenio Pacelli de. Curso de Processo Penal, 17ª edição. São Paulo: Atlas, 2013. p. 689. [2] LIMA, Marcellus Polastri. Curso de Processo Penal, vol. II, 4ª edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. P . 240 Comments are closed.
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