Na semana passada, a cidade de Curitiba e região deparou-se com uma notícia um tanto quanto chocante: “Jovem se mata depois de ouvir pessoas dizendo para ele pular”, veiculada em um dos jornais televisivos mais populares da localidade. Neste caso, não se pode deixar de lado o que a mídia procura expor e o que, de fato ocorreu. Mesmo assim, o que aconteceu na manhã do dia seis de fevereiro merece uma respeitosa análise.
No dia em questão, em uma passarela que cruza uma das rodovias federais, um jovem estava prestes a pular, com a intensão de suicidar-se. Sendo um dia de semana, é de se imaginar que muitos carros e pedestres passavam por ali. Assim, a situação toda foi registrada por diversas pessoas e existe a suspeita que algumas delas tenha instigado o adolescente, de 17 anos, a concluir o ato. Essa questão está sendo investigada pela Polícia Civil do município, visto que não há dúvidas em relação à ideação suicida, pois uma carta escrita pelo jovem veio a público momentos depois. Se houve a possibilidade de instiga-lo, de alguma forma, isso deverá ser verificado e, se confirmado, as pessoas poderão ser punidas, conforme o decreto de lei nº 2848/1940, pois induzir alguém a se suicidar ou prestar algum tipo de auxílio para que a pessoa o faça gera uma pena que corresponde de dois a seis anos de prisão, caso o indivíduo venha a óbito (JUBANSKI, 2018); fato que se confirmou horas depois, quando já estava sendo assistido no hospital. Entretanto, algo que pode ser facilmente comprovado é a quantidade de pessoas que viram a situação e, como reposta padrão da contemporaneidade, resolveram filmar e tirar fotos, para depois compartilhar as mídias em redes sociais. Um dos vídeos que mais está sendo visto e analisado traz, aparentemente, dois motociclistas que estão parados no acostamento, e, quando notam que há alguém na passarela, já se liga a câmera do celular e é possível identificar o diálogo mantido. Frases como “Quer ibope” e “Pula logo (...). De cabeça” podem ser nitidamente ouvidas. Dentre diversos comentários, após o adolescente se jogar, apenas é finalizado com o questionamento se havia mesmo filmado a cena e, diante da positiva, pedir para que encaminhasse o vídeo para seu colega também. O volume e a distância não parecem ser suficientes para que o jovem os escutasse, mas, mesmo assim, que postura é essa diante do sofrimento alheio? Será que os últimos instantes de vida de alguém podem ser tão banalizamos a ponto de servirem como uma forma de entretenimento corriqueira? Não obstante, em entrevista, o bombeiro que atendeu a chamada informou que, durante quase 50 minutos, houveram negociações com o jovem. Durante esse tempo, mesmo com a rodovia e a passarela interditadas, ainda haviam carros que tentavam trafegar e pessoas que não respeitaram o momento e continuavam a atravessar a ponte. Por fim, ele finaliza comentando que se percebeu que estavam conseguindo fazer com que o indivíduo descesse, mas, ao escutar pessoas pedindo para que ele pulasse, acabou se jogando. É difícil de acreditar que o desenvolvimento da situação se deu desta forma, mas não se pode deixar de considerar a atitude de quem passava por ali no momento. Assim como em um episódio de Black Mirror, se está diante de uma sociedade cada vez mais conectada virtualmente, que acaba por suspender a qualidade das relações interpessoais reais para evidenciar somente aquilo que pode ser mostrado, em detrimento do que deveria ser sentido, como seres humanos iguais que enfrentam suas próprias lutas diárias. Tão presente também na definição de “sociedade do espetáculo”, proposta por Guy Debord, que descreve a mídia e a sociedade de consumo centralizadas na produção e consumo de imagens, mercadorias e eventos culturais (KELLNER, 2006), é o fenômeno que acompanhamos todos os dias, o suicídio da personalidade e a evidenciação das aparências, pois é através destas imagens que se estabelece o relacionamento entre as pessoas. KEHL (2015) expõe que, em qualquer forma de vida humana, a certeza primária da própria existência começa a formar-se através do olhar do outro. Ou seja, a construção da subjetividade de um indivíduo é influenciada pela visão externa, e, consequentemente, pensa-se na opinião e aprovação alheia para definir o modo com que cada pessoa quer demonstrar sua identidade. Portanto, o que seria de maior importância: compadecer perante à finalização da vida de um semelhante ou a comprovação da participação (mesmo que como espectador) de uma situação que renderia notícias posteriormente? Assim, é imprescindível considerar o momento atual. Enquanto os vídeos e fotos captados na ocorrência exposta auxiliarão a identificação e investigação de sujeitos que supostamente instigaram o adolescente a pular da passarela, eles demonstram a necessidade do olhar do outro, mesmo diante de uma situação extremamente trágica, que, a princípio, não deveria ser tratada com banalidade. O avanço tecnológico, cada vez mais acessível ao “cidadão comum”, constitui uma nova configuração de política e economia, tanto quanto de sociedade e vida cotidiana (KELLNER, 2006). Portanto, novas visões se estabelecem, que devem ser colocadas em pauta ao pensar o ser humano contemporâneo e, consequentemente, estuda-lo e julgá-lo levando em conta todos os aspectos que o transpassam. Ludmila Ângela Müller Psicóloga Especialista em Psicologia Jurídica REFERÊNCIAS JUBANSKI, Elizangela. Com situação já contornada, jovem ouve ‘pula, pula’ e se joga de passarela na BR-116. Disponível em: <http://www.bandab.com.br/cidades/com-situacao-ja-contornada-jovem-ouve-pula-pula-e-se-joga-de-passarela-na-br-116/>. Acesso em: 11 fev. 2018. KEHL, Maria R. O espetáculo como meio de subjetivação. Concinnitas. Ano 16. v.01, nº26. Jul. 2015. Disponível em: http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/concinnitas/article/download/20102/14422>. Acesso em: 12 fev. 2018. KELLNER, Douglas. A cultura da mídia e o triunfo do espetáculo. In. Sociedade midiatizada. Rio de Janeiro: Mauad, 2006. Tribuna da Massa - Curitiba e região. Vídeo. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=LLbU_C7Pldk> Acesso em: 12 fev. 2018. Comments are closed.
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