Caros leitores, mais uma vez vamos analisar alguns institutos que, por vezes, são colocados de lado, quando se trata de militares. Vamos fazer uma análise da (im)possibilidade da audiência de custódia para os militares. A discussão do referido tema surge após a leitura do excelente texto publicado pela nossa colega Luana Aristimunho Vargas Paes Leme, quando aborda também aqui no Sala de Aula Criminal, o seguinte tema: “Os tribunais brasileiros e a flexibilização da audiência de custódia” [1]. Abordagem feita com maestria.Na abordagem feita (LEME, 2017), a mesma afirma: “a audiência de custódia, tem como finalidade a aplicação integral de todos os direitos assegurados nos Tratados, em especial, a proteção da liberdade, dignidade e integridade física do preso, que será apresentado ao juiz, logo após a sua prisão em flagrante, para que esse verifique as causas de sua prisão”. Pois bem, surge a pergunta: caberia a aplicação da audiência de custódia para os militares, quando de sua prisão em flagrante? Partimos de uma legislação processual castrense de 1969, que traz em seu TÍTULO XIII (DAS MEDIDAS PREVENTIVAS E ASSECURATÓRIAS), no CAPÍTULO III (DAS PROVIDÊNCIAS QUE RECAEM SÔBRE PESSOAS), a PRISÃO PROVISÓRIA.No artigo 222 do CPPM [2], tem-se que o juiz deve tomar conhecimento imediatamente quando da prisão ou detenção de qualquer pessoa. Assim, observa-se a regra apenas da informação das pessoas que estão custodiadas, bem como o lugar onde se encontram.A prisão em flagrante é tratada no CPPM nos artigos 243 ao 253. Observa-se que, em nenhum momento, a legislação afirma que o militar preso, quer cometendo crime militar próprio ou crime militar impróprio, deve ser conduzido após os procedimentos da prisão em flagrante à autoridade judiciária.Olhando todo o procedimento flagrancial, retomemos o que diz o artigo 07, item 05, da Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969 (Pacto de São José da Costa Rica) [3]:Artigo 7º - Direito à liberdade pessoal(...)5. Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo. Na mesma linha surge a Resolução nº 213, de 15 de dezembro de 2015, do Conselho Nacional de Justiça, apresentando já no seu artigo primeiro que: “toda pessoa presa em flagrante delito, independentemente da motivação ou natureza do ato, seja obrigatoriamente apresentada, em até 24 horas da comunicação do flagrante, à autoridade judicial competente, e ouvida sobre as circunstâncias em que se realizou sua prisão ou apreensão”. Ainda, no artigo 15 da mesma Resolução, é feita a seguinte afirmação: Art. 15. Os Tribunais de Justiça e os Tribunais Regionais Federais terão o prazo de 90 dias, contados a partir da entrada em vigor desta Resolução, para implantar a audiência de custódia no âmbito de suas respectivas jurisdições. Estamos, então, diante das seguintes indagações: tal mandamento serve para os tribunais de justiça militar (SP, MG e RS)? O mandamento da resolução serve para aquelas autoridades que têm foro por prerrogativa de função no Superior Tribunal Militar?Bom, mesmo diante dessas perguntas, ainda que não haja previsão da audiência de custódia no CPPM, nem no CPP, a sua aplicação é para todos aqueles que se encontram na situação descrita no artigo 7º, item 05, do Pacto de São José da Costa Rica, bem como no artigo 1º da Resolução nº 213 do CNJ.Tudo isto por uma questão óbvia. Em nenhum momento o tratado internacional aqui referenciado, este inclusive, status de norma supralegal (questão discutida nos recursos extraordinários nº. 466.434 e 349.703), nem a Resolução do CNJ, trazem, como exceção, a não aplicação daquele instituto a militares presos ou detidos.Assim, não se justifica o fato de os militares, que cometem crimes próprios ou impróprios, não serem levados imediatamente, num prazo de até 24 horas, à autoridade judicial para análise da legalidade daquela prisão.Questão que, na prática, ainda encontra resistência por parte dos magistrados e membros do ministério público, principalmente no âmbito estadual (por vezes sem qualquer trato com a matéria), prejudicando aqueles homens e mulheres de farda que merecem todo respeito. Eles também são PESSOAS. Raimundo de Albuquerque Advogado Criminalista Mestrando em Direito pela Universidade Autónoma de Lisboa (UAL) Especialista em Ciências Penais Secretário-Geral e Coordenador de Direito Penal ESA/RR Professor na graduação e pós-graduação em Direito Penal, Processo Penal e Criminologia do Centro Universitário Estácio da Amazônia Membro do International Center for Criminal Studies (ICCS) Referência Bibliográfica [1] Os tribunais brasileiros e a flexibilização da audiência de custódia. Disponível em: <http://www.salacriminal.com/home/os-tribunais-brasileiros-e-a-flexibilizacao-da-audiencia-de-custodia >. Acesso em 18 de dezembro de 2017.[2] BRASIL. DECRETO-LEI Nº 1.002, DE 21 DE OUTUBRO DE 1969. CÓDIGO DE PROCESSO PENAL MILITAR, Brasília, DF, out 1969. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del1002.htm>. Acesso em: 18 dez. 2017.[3] Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica). Disponível em: <http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/sanjose.htm>. Acesso em: 18 de dezembro de 2017.[4] CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Dispõe sobre a apresentação de toda pessoa presa à autoridade judicial no prazo de 24 horas. Resolução nº 213, de 15/12/2015. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/busca-atos-adm?documento=3059>. Acesso em: 18 de dezembro de 2017. Comments are closed.
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