A IMPUGNAÇÃO DA COLABORAÇÃO PREMIADA PELOS TERCEIROS DELATADOS E O AVANÇO NA JURISPRUDÊNCIA DO STF8/28/2020 O autor analisa a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal que reconheceu o direito de terceiros delatados questionarem a legalidade da decisão homologatória em acordo de colaboração premiada. A decisão representa um a virada jurisprudencial, vale a leitura! Por Douglas Rodrigues Nesta semana, o Supremo Tribunal Federal, em decisão inédita, reconheceu o direito de terceiros delatados questionarem a legalidade da decisão homologatória em acordo de colaboração premiada. A questão, levantada no Habeas Corpus n. 142.205/PR, merece realce principalmente pela virada jurisprudencial que impulsionou no âmbito da Suprema Corte.
Na oportunidade, os delatados na denominada “Operação Publicano” questionaram a validade de um termo aditivo feito em acordo de colaboração premiada anteriormente rescindido a pedido do Ministério Público. Inicialmente, o órgão acusatório compreendeu que o delator em questão havia mentido em parte de suas declarações, como também teria praticado novos crimes, inclusive extorsão, quando já estava amparado pelos efeitos da colaboração. Na sequência, porém, após o então colaborador, quando interrogado, optar por não mais prestar declarações no processo e fazer graves acusações contra os promotores, afirmando que estavam manipulando a colheita da prova, o Ministério Público resolveu por oferecer um “termo aditivo” ao acordo rescindido, restituindo as condições especiais ao colaborador. Um dos pontos do “aditivo”, entretanto, previa que o delator deveria se retratar das acusações feitas e ratificar as declarações acusatórias pretéritas. Ao apreciar o remédio constitucional, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, em decisão da relatoria do Ministro Gilmar Mendes, compreendeu pela possibilidade, no caso concreto, de impugnação da legalidade do acordo pelos terceiros delatados. Como destacado no voto vencedor, embora exista precedente firmado na Corte no sentido de considerar a colaboração premiada um negócio personalíssimo, não se pode tornar o acordo, quando flagrantemente ilegal, em uma matéria inquestionável. Ainda que se argumente a possibilidade de os réus delatados refutarem as declarações do colaborador em contraditório judicial, é inegável que a mera homologação do acordo detém o condão de atingir liberdades e garantias públicas. Dessa decisão podem surgir prisões, buscas e apreensões, bloqueios de bens etc. Portanto, é insofismável o potencial que a decisão homologatória possui de afetar a esfera jurídica de terceiros. Nesse sentido, a Suprema Corte entendeu pelo cabimento do controle judicial da legalidade do acordo, inclusive por iniciativa do delatado afetado. E, em termos práticos, a decisão pode ser vista como um verdadeiro avanço na dinâmica dos acordos de delação premiada. Embora não se desconheça a importância que a colaboração premiada desempenha no processo penal, sobretudo diante das denominadas “emergências probatórias”[1] (AMADIO, 1986), não se pode também negar o potencial lesivo que um acordo sedimentado em bases equivocadas pode gerar. Antes de ser um colaborador, o indivíduo que adere ao acordo é um dos autores da conduta criminosa. O colaborador, pois, tem o domínio da narrativa acusatória e conhece o funcionamento da organização criminosa e seus elementos comprobatórios. Por isso mesmo, uma tratativa mal feita poderá culminar numa manipulação narrativa por parte do colaborador. Não se olvide que o objetivo de quem assume o compromisso do acordo está, em primeiro lugar, em assegurar os benefícios do negócio processual. E, para tanto, depende sobremaneira da eficácia de suas declarações, muitas vezes vinculada à capacidade condenatória que ela pode gerar. Justo por isso é importante que existam limites negociais ao estado, mormente para que não utilize a colaboração fora da moldura de legalidade exigida. A negociação de acordos sem observância à legalidade, permeado de cláusulas incompatíveis com a ordem jurídica, não podem ser mantidas hígidas e inatacáveis tão somente por uma interpretação de matriz civilista derivada da teoria do negócio jurídico. Considerando os impactos do acordo, deve ser assegurado o direito de impugnação a todos aqueles que possam ser afetados por ele. Deve-se olhar, em primeiro lugar, para os ditames necessários à preservação do devido processo penal. Veja-se, aqui, que não se está defendendo a amplitude impugnatória a ponto de se permitir a refutação das declarações do delator fora do contexto da instrução processual. Contudo, não se pode negar que todo o impulso processual, em certos casos, nasce da simples homologação de acordos de colaboração. Logo, é lícito que se observe legítimo interesse dos delatados em afastar, de imediato, os efeitos da decisão homologatória[2] (VASCONCELOS, 2018, p. 119). A questão, claro, ainda é bastante incipiente. É cristalino que o instituto da colaboração premiada impulsionará outras discussões importantes. Das últimas mudanças no processo penal, a colaboração premiada, sem dúvida, é uma das que mais demandarão debates, seja pelo caráter ainda de novidade que possui, seja em razão das discussões que vão surgindo conforme os acordos são homologados. De todo modo, é inegável a importância do entendimento proferido pela Suprema Corte nesse constante e sempre atual debate sobre os limites jurídicos da delação premiada. Douglas Rodrigues da Silva Especialista em Direito Penal e Processo Penal Advogado Criminal Mestrando (Unicuritiba) REFERÊNCIAS AMADIO, Ennio. Ipentiti nella common law. Revista Italiana di Diritto e Procedura Penale, Milão, v. 29, p. 991-1004, 1986. VASCONCELOS, Vinícius Gomes. Colaboração Premiada no Processo Penal. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018. NOTAS: [1] AMADIO, Ennio. Ipentiti nella common law. Revista Italiana di Diritto e Procedura Penale, Milão, v. 29, p. 991-1004, 1986. [2] VASCONCELOS, Vinícius Gomes. Colaboração Premiada no Processo Penal. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018. p. 119.
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