Vamos analisar esta semana mais um tema que, para alguns, é controverso no âmbito da justiça militar. É aplicável o instituto da absolvição sumária no âmbito da justiça militar? A resposta parece óbvia, mas não é. A justiça militar tem suas peculiaridades. Sempre temos que ter em mente que a legislação de que estamos tratando é o Decreto-lei nº 1.002, de 21 de outubro de 1969, o código de processo penal militar.
Passaremos a analisar, em breves linhas, uma das grandes modificações ocorridas no código de processo penal. Tais modificações foram de grande valia, principalmente após a constituição federal de 1988. Tal carta cidadã trouxe uma cardápio de garantias e direitos fundamentais jamais visto em qualquer outra constituição. Tais garantias, bem lá no fundo, surgem devido ao período em que nosso país passou, a ditadura militar. Naquela época, alguns direitos e garantias foram tirados das pessoas. Grande exemplo foi a suspensão do habeas corpus através do Ato Institucional nº 05, de 13 de dezembro de 1968[1]. Vale ressaltar que, no preâmbulo deste mesmo Ato Institucional, elaborado em 13 de dezembro de 1968, pelo então ministro da Justiça, Luís Antônio da Gama e Silva, e emitido pelo Presidente da República Artur da Costa e Silva, afirmava-se que, durante o período de vigência daquele ato, seria respeitado a liberdade e a dignidade da pessoa humana[2]. Feito este breve relato histórico, voltamos à afirmação das mudanças ocorridas no Código de Processo Penal, principalmente através da Lei 11.719, de 20 de junho de 2018. A referida legislação traz um importante instituto que é o da absolvição sumária[3]. Esta será utilizada no procedimento comum ordinário e sumário, conforme o referido artigo de lei. Segundo Paulo Silas Taporosky Filho:
Entendemos que a absolvição sumária serve como um filtro, um juízo de admissibilidade, para analisar se a denúncia ou queixa-crime atende a todos os requisitos para dar andamento ao direito de punir estatal. Caso, neste momento, não cumpra tais requisitos, a peça acusatória deve ser descartada ou rejeitada[5]. Dos requisitos para rejeição da denúncia ou queixa-crime, dentre as modificações ocorridas no CPP, está a prova da corporificação dos direitos e garantias constitucionais, que é o controle do Estado sobre o Estado. O código de processo penal militar inaugura o procedimento comum ordinário a partir do artigo 384. Seguindo na leitura dos artigos seguintes, não temos qualquer menção, em sua estrutura, do instituto da absolvição sumária. Isso porque a legislação castrense não foi alterada, ainda, conforme os ditames constitucionais. Não vamos longe. Na jurisprudência do Superior Tribunal Militar, afirma-se que no âmbito da justiça castrense não se admite a absolvição sumária. Vejamos: APELAÇÃO. POSSE DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE EM LUGAR SUJEITO À ADMINISTRAÇÃO MILITAR (ART. 290 DO CPM). ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. DECISÃO MONOCRÁTICA. PRELIMINAR. NULIDADE. 1. As alterações promovidas pela Lei nº 11.719/08 dizem respeito apenas ao Código de Processo Penal e não ao Código de Processo Penal Militar. Precedentes do STM. Inteligência da Súmula nº 15 do STM. 2. A competência para decidir qualquer questão de fato ou de direito suscitada durante a instrução criminal é do Conselho de Justiça, conforme o art. 28, V, da Lei de Organização Judiciária Militar. 3. Preliminar acolhida para declarar a nulidade do processo, a partir da Decisão que absolveu sumariamente o réu, com o retorno dos autos ao Juízo de origem para prosseguimento do Feito. Decisão unânime. (STM - AP: 00000365920137010101 RJ, Relator: Lúcio Mário de Barros Góes, Data de Julgamento: 21/08/2014, Data de Publicação: Data da Publicação: 05/09/2014 Vol: Veículo: DJE) (grifo nosso) Desta forma, entendemos que esse pensamento arcaico ou não constitucional deverá ser rechaçado pelos auditores-militares, bem como pelos juízes estaduais com competência para julgar crimes militares. Estamos na vigência de um ordenamento constitucional que emana respeito a garantias e direitos fundamentais. Prova disso foi a modificação e, consequentemente, a aplicação do artigo 400 do CPP no âmbito da justiça militar (STF - HC: 125293 AM - AMAZONAS 0000017-59.2014.1.00.0000). Ainda que tardia, tal decisão do Supremo Tribunal Federal, aplicando o interrogatório do militar acusado, como último ato na instrução, vai totalmente na corrente constitucional, atendendo ao principio do contraditório e da ampla defesa. Defendemos a total aplicação do instituto da absolvição sumária no procedimento comum ordinário, no âmbito da justiça militar. Isso demonstra a aplicação do juízo de admissibilidade, saindo assim do sistema processual inquisitório para o sistema processual acusatório, no âmbito da justiça militar. Basta que os operadores do direito se utilizem do que aponta o artigo 3º do CPPM e dos princípios constitucionais. Raimundo de Albuquerque Advogado Criminalista Mestrando em Direito pela Universidade Autónoma de Lisboa (UAL) Especialista em Ciências Penais Secretário-Geral e Coordenador de Direito Penal ESA/RR Professor na graduação e pós-graduação em Direito Penal, Processo Penal e Criminologia do Centro Universitário Estácio da Amazônia Membro do International Center for Criminal Studies (ICCS) [1] Art. 10 - Fica suspensa a garantia de habeas corpus, nos casos de crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a economia popular. [2] CONSIDERANDO que a Revolução Brasileira de 31 de março de 1964 teve, conforme decorre dos Atos com os quais se institucionalizou, fundamentos e propósitos que visavam a dar ao País um regime que, atendendo às exigências de um sistema jurídico e político, assegurasse autêntica ordem democrática, baseada na liberdade, no respeito à dignidade da pessoa humana, no combate à subversão e às ideologias contrárias às tradições de nosso povo, na luta contra a corrupção, buscando, deste modo, "os. meios indispensáveis à obra de reconstrução econômica, financeira, política e moral do Brasil, de maneira a poder enfrentar, de modo direito e imediato, os graves e urgentes problemas de que depende a restauração da ordem interna e do prestígio internacional da nossa pátria" (Preâmbulo do Ato Institucional nº 1, de 9 de abril de 1964) [3] Art. 397. Após o cumprimento do disposto no art. 396-A, e parágrafos, deste Código, o juiz deverá absolver sumariamente o acusado quando verificar: I - a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato; II - a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade; III - que o fato narrado evidentemente não constitui crime; ou IV - extinta a punibilidade do agente. [4] FILHO, Paulo Silas Taporosky. absolvição sumária. Extinção da punibilidade como causa de absolvição sumária? Empório do Direito, 2017. Disponível em: <http://emporiododireito.com.br/backup/tag/absolvicao-sumaria/>. Acesso em: 16 jan. 2018. [5] Art. 395. A denúncia ou queixa será rejeitada quando: I - for manifestamente inepta; II - faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal; ou III - faltar justa causa para o exercício da ação penal. Referências 1. BRASIL. DECRETO-LEI Nº 1.002, DE 21 DE OUTUBRO DE 1969. CÓDIGO DE PROCESSO PENAL MILITAR, Brasília, DF, out 1969. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del1002.htm>. Acesso em: 16 jan. 2018. 2. BRASIL. DECRETO-LEI Nº 3.689, DE 3 DE OUTUBRO DE 1941. CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, Brasília, DF, out 1941. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689.htm>. Acesso em: 16 jan. 2018. 3. BRASIL. ATO INSTITUCIONAL Nº 05, DE 13 DE DEZEMBRO DE 1968. Brasília, DF, dez 1968. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ait/ait-05-68.htm>. Acesso em: 16 jan. 2018. 4. BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL MILITAR. Apelação nº 00000365920137010101 RJ, Relator: Lúcio Mário de Barros Góes, Data de Julgamento: 21/08/2014, Data da Publicação: 05/09/2014 Vol: Veículo: DJE. Disponível em: <https://stm.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/154106964/apelacao-ap-365920137010101-rj>. Acesso em: 16 jan. 2018. 5. FILHO, Paulo Silas Taporosky. absolvição sumária. Extinção da punibilidade como causa de absolvição sumária? Empório do Direito, 2017. Disponível em: <http://emporiododireito.com.br/backup/tag/absolvicao-sumaria/>. Acesso em: 16 jan. 2018. Comments are closed.
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