No Brasil, o Princípio da Insignificância foi reconhecido com o advento da Constituição Federal de 1988. Apesar de estar inserido de forma implícita, encontra-se enraizado no Estado Democrático de Direito e entrelaçado com o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, vetor do Ordenamento Jurídico Pátrio. Todavia, o referido princípio ganhou força na esfera jurídica pouco antes, em 1964, por meio dos estudos de Claus Roxin na Alemanha.
Neste sentido, os princípios têm como escopo conduzir as normas já tipificadas no nosso Ordenamento Jurídico com a finalidade de aprimorar as relações jurídicas. Por esse motivo, num fenômeno jurídico pode haver a existência de vários princípios do Direito, sendo que estes não são conflitantes, mas são harmônicos entre si, isto é, não há de se falar de hierarquia no que se refere a princípios. Logo, o princípio da bagatela funciona como garantidor dos Direitos Fundamentais na medida em que age como instrumento controlador da criminalização excessiva sobre os fatos ocorridos considerados incapazes de lesionar os bens jurídicos tutelados pela legislação penal. Atua também como método de redução dos efeitos da tipicidade, agindo como forma de recuperar a própria legitimidade do Direito Penal como ultima ratio, se apoiando na intervenção mínima do Estado. Nesse sentido, Eroud, Taporosky Filho e Incott Júnior (2017, p. 159) sobre a ótica do axioma do garantismo penal, lecionam que:
Já no tocante ao artigo 59 do Código Penal, o Princípio da Insignificância se ampara no Princípio da Proporcionalidade da lesão ocasionada, ou seja, tem como intuito designar a aplicação da pena de forma proporcional e adequada ao caso concreto. Leia-se:
Além desses fatores, deve-se salientar que ao tratar da aplicabilidade do Princípio da Insignificância sobre os crimes ambientais, estamos diante da importância da interdisciplinaridade do Direito, isto é, de como os diferentes ramos do saber humano contribuem à sua dimensão zetética e dogmática. Não se pode pensar exclusivamente num diálogo entre os próprios campos do conhecimento jurídico, tais como Direito Penal, Direito Processual Penal, Direito Tributário, Direito Civil, Direito Constitucional entre outros. Para entender a complexidade dos fenômenos humanos e não humanos, é preciso buscar na Biologia, na Geografia, na Historia, na Antropologia outros fundamentos capazes de esclarecer como o Direito na sua feição normativa deve atuar. Então, após uma breve explanação sobre a relevância do princípio da bagatela como instrumento para a efetivação da intervenção mínima estatal, sob a luz do Direito Penal, o presente texto discorrerá sobre o Meio Ambiente como Direito Fundamental instituído na Constituição Federal de 1988 e sobre o Processo Penal como forma de julgar as infrações penais relativas aos crimes ambientais e consequentemente a aplicação da pena. No que tange ao Meio Ambiente, esse é considerado um direito de Terceira Geração juntamente com o direito à paz, desenvolvimento, autodeterminação dos povos, comunicação, bem como ao direito de propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade. Sobre o viés constitucional, o Meio Ambiente está assegurado como Direito Fundamental. O artigo 225 da Constituição Federal preceitua que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. No entanto, é preciso alertar à leitora e ao leitor que Meio Ambiente não se confunde com Natureza. A preservação daquele é uma consequência protetiva, também, da Natureza. Essa mistura, contudo, aparece de modo mais esclarecido a partir de 2008 quando, na Constituição do Equador, cria-se os Direitos da Natureza, descrevendo-a como sujeito de direitos. Especialmente num país que adota a postura antropocêntrica alargada, a Natureza, com seus diferentes ecossistemas, nem sempre será preservada como “ser-próprio”, mas tão somente. Assim, é reconhecida a importância da proteção ao Meio Ambiente, pois não há de imaginar um padrão de vida digna e saudável num ambiente poluído e devastado, seja para humanos, seja para os não humanos. Sob esse aspecto, a Lei nº 9.605/1998 que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao Meio Ambiente, tende a coibir tais atos, atendendo aos preceitos constitucionais de criminalizar as condutas que atentem contra a Natureza. De mais a mais, apesar da Lei nº 9.605/1998 não abarcar o Princípio da Insignificância, não atrela o Magistrado quanto à vedação de sua aplicação, podendo aplicá-lo ao caso concreto, desde que se atente quanto à ausência da lesividade da conduta do agente. Complementa-se que a penalidade é aplicada sobre os ditames do artigo 6º da Lei do referido diploma. Senão vejamos:
Por conseguinte, a Lei dos Juizados Especiais Criminais – Lei nº 9.099/1998 – que trata dos crimes de menor potencial ofensivo, acolhe o Princípio da Insignificância, estabelecendo o instituto da transação penal no que se refere aos crimes de baixa gravidade. No entanto, em respeito à segurança jurídica, o Magistrado deve se acautelar quanto à sua aplicação de forma a analisar todos os princípios envolvidos no caso concreto, tanto na esfera ambiental quanto na esfera penal. Como já mencionado, ao considerar que o Direito Penal deve se incidir apenas em ultima ratio, o agente do Ministério Público, competente pela seara ambiental, deve ficar atento a esse fato, pois, ao se considerar a relevância do bem ambiental, mas se esquivando de uma proeminente visão punitivista, utiliza-se todas as formas cabíveis a solucionar o conflito, evidentemente sem relativizar a grandeza da Natureza que a este lhe incumbe tutelar. Apesar dessas medidas, precisa-se questionar o alcance, a eficácia e eficiência das punições que ocorrem a partir do Direito Penal. Quando o artigo 225 da Constituição Federal prescreve a palavra “todos” deve-se entender que o equilíbrio ecológico se destina para toda a teia da vida. As alterações – artificiais ou naturais – que ocorrem no Mundo não tem como epicentro somente as “presentes e futuras gerações”, porém a subsistência da vida digna. Trata-se, sim, do direito à existência[1]. Nesse caso, existem três argumentos que demonstram a ineficácia e ineficiência de medidas punitivas, especialmente de caráter pecuniário: a) dependendo da gravidade do dano ambiental e à Natureza, o critério monetário não alcança seus fins, mesmo se for por meio de alternativas enunciadas pelo Código Florestal (Lei n. 12.651/2012) em seus incisos IV(preservação e restauração) e V (recuperação) do artigo 1o, por exemplo; b) os danos contra os meios ambientes e à Natureza são difusos e, muitas vezes, é difícil de se identificar os responsáveis pelos danos causados, especialmente em escala mundial; c) ao se tratar de Bem Comum, como é o caso da Natureza, a jurisdição estatal é insuficiente para resolver conflitos, já que envolve algo que pertence a tudo e todos. Na Pós-Modernidade[2], embora tenha-se a noção de que a formulação de legislações, principalmente a criação de tipos penais, seja a real solução para o fim dos déficits sociais, concorda-se com Pérez-Luño (2012, p.57) quando afirma que: “[...] a importância que hoje reveste a garantia constitucional à proteção ambiental não pode traduzir-se na crença ilusória de que essas normas partem de uma definitiva superação das ameaças contra o equilíbrio ecológico [...]’’, a necessidade de emergir uma consciência ambiental global não trata-se de uma utopia para satisfação de interesses ideológicos, mas de uma urgente precaução para a sobrevivência da vida na terra, e na mesma importância, da permanência dos recursos naturais para o funcionamento de todo o ecossistema. Neste viés, entende-se que, inicialmente a Sociedade carece em entender que não somos seres opostos à natureza, mas estamos plenamente a ela interligados. De acordo com Morin (2015, p.100): “[...] é preciso salvar o soldado Terra! É preciso que salvemos nossa Pachamama, nossa Terra mãe! Para nos tornarmos plenamente cidadãos da Terra, é imperativo mudar nosso modo de habitá-la!’’. A compreensão da terra como pátria, é imprescindível, pois veja, ninguém em sã consciência degrada seu próprio habitat natural, sua casa permanente, assim, a mudança deste paradigma capitalista de consumo e progresso, verifica-se inclusive como redutor de delitos. Logo, sob essa perspectiva, há de se analisar que o cuidado com o Meio Ambiente é um dever incumbido a todos. Porém, é de importante valia a verificação da intensidade do delito para que a aplicação da pena seja correspondente ao crime cometido. Contudo, caso o delito não tenha causado proporções que realmente atinjam um resultado que afete o Meio Ambiente de forma prejudicial, o mais coerente seria a aplicação do Princípio da Insignificância, tendo em vista que não se pode utilizar a máquina estatal para punir os delitos irrelevantes que não acarretem danos expressivos. Outra solução que se pode sinalizar nesses casos é, também, a adoção da Arbitragem, pois, se o caso é de menor potencial ofensivo ao bem juridicamente tutelado – Meio Ambiente e Natureza -, o Princípio da Insignificância deve ser aplicado de modo conjunto aos Princípios da Prevenção e Precaução. A utilização desses três princípios constitucionais se torna ainda mais eficaz e eficiente na medida em que se busca nos outros ramos do conhecimento humano elementos suficientes para que haja a proteção integral da vida para todos. Neste texto, não pretendemos esgotar o tema em questão, pois trata-se de um assunto muito extenso, delicado e de suma importância. Todavia, pretendeu-se demonstrar que as matérias do Direito, embora sejam estudadas de forma apartada, elas se interagem entre si. Aicha de A. Q. Eroud Acadêmica de Direito do Centro Universitário CESUFOZ Membro Fundadora do Instituto de Estudo do Direito – IED Estagiária da Câmara Municipal de Foz do Iguaçu e-mail: [email protected] Sergio Ricardo Fernandes de Aquino Doutor e Mestre em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI. Professor Permanente do Mestrado em Direito (PPGD) da Faculdade Meridional – IMED. Coordenador do Grupo de Pesquisa “Ética, Cidadania e Sustentabilidade”. Maykon Fagundes Machado Acadêmico de Direito pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI. Pesquisador na área do Direito, com enfoque em Direito Ambiental, Direito Urbano e Sustentabilidade. E-mail: [email protected]. Referências: AQUINO, Sergio Ricardo Fernandes de. (Contra o) eclipse da esperança: escritos sobre a(s) assimetria(s) entre Direito e Sustentabilidade. Itajaí, (SC): Editora da UNIVALI, 2017. BITTAR, Eduardo C. B. O Direito na pós-modernidade: reflexões frankfurtianas. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009. EROUD, Aicha de Andrade Quintero; INCOTT JÚNIOR, Paulo Roberto; TAPOROSKY FILHO, Paulo Silas. O garantismo penal sob a ótica do estado democrático e constitucional de direito – inadequações do sistema penal. – Revista Aporia Jurídica, 8ª ed. – Volume I. CESCAGE, 2017. PÉREZ-LUÑO, Antonio Enrique. Perspectivas e Tendências Atuais do Estado Constitucional. Tradução de José Luis Bolzan de Morais e Valéria Ribas do Nascimento. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2012. MORIN, Edgar. A via para o futuro da humanidade. Tradução de Edgard de Assis Carvalho, Mariza Perassi Bosco. 2. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2015 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9605.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm [1] “O diálogo entre a perspectiva natural/ambiental, histórica, filosófica/espiritual, social, econômica, científica, tecnológica, cultural, biológica, jurídica, entre outras, denota tão somente o compromisso e responsabilidade dos humanos em ir além do círculo antropocêntrico e visualizar seu lugar junto aos seres vivos da Terra na sua riqueza ecossistêmica. Direito à Sustentabilidade, na verdade, refere-se ao tempo de maturação, compreensão e desvelo da importância da vida para tudo e todos. Novamente, o signo do Direito à Sustentabilidade é o direito à existência”. AQUINO, Sergio Ricardo Fernandes de. (Contra o) eclipse da esperança: escritos sobre a(s) assimetria(s) entre Direito e Sustentabilidade. Itajaí, (SC): Editora da UNIVALI, 2017, p. 186. [2] “A pós modernidade é, por isso, como um movimento intelectual, a critica da modernidade, a consciência da necessidade de emergência de uma outra visão de mundo, a consciência do fim das filosofias da historia e da quebra de grandes metanarrativas, demandando novos arranjos que sejam capaz de ir além dos horizontes fixados pelos discursos da modernidade”. (BITTAR, 2009, p. 146) Comments are closed.
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