Ao tratarmos de Prescrição da Pretensão Punitiva, imediatamente, remetemo-nos a clássica ‘tabela’ do artigo 109 do Código Penal e, consequentemente, ao artigo 107 do mesmo diploma legal, o qual nos leva a extinção da punibilidade do agente infrator. Assim, pode-se dizer que a prescrição é o instituto jurídico pelo qual o Estado, por não ter tido capacidade de fazer valer o seu direito de punir em determinado lastro temporal legalmente determinado, faz com que ocorra a extinção da punibilidade daquele que, em tese, tenha praticado o ato ilícito [1]. De fato, trata-se de um instituto garantidor ao investigado/acusado e também ao condenado (Prescrição de Pretensão Executória, estabelecida pelo artigo 110 do Código Penal), que busca evitar a atividade do poder estatal de modo abusivo, uma vez que pré-estabelece um prazo para a devida responsabilização do agente, tornando-o assim, um direito indisponível, incontestável e intransferível do sujeito.
No entanto, como para toda a regra (infelizmente, neste caso), existe uma exceção, ora, pois, ao se tratar do referido instituto, de imediato nos damos conta que nem sempre poderá se limitar o poder de exercício punitivo do Estado, isto porque, a própria Carta Magna de 1988, a qual deveria ser fonte de direitos e garantias ao cidadão, e ainda, molde análogo para a criação da norma, contrasta com a sua finalidade ao estabelecer nos incisos XLII e XLIV de seu artigo 5º, a imprescritibilidade de delitos como a prática do racismo e a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático [2]. O que se busca com o presente artigo, não é, em hipótese alguma, colocar a gravidade destes delitos em xeque, muito embora, se analisarmos os mesmos no sentido de que o objetivo do direito penal é a proteção de bens jurídicos, onde o preceito de gravidade da conduta deve se dar de acordo com os valores constitucionalmente violados (teoria do bem jurídico), [3]poderíamos sim, cogitar a desnecessidade da previsão de imprescritibilidade das condutas, afinal não há, no texto constitucional de 1988, um claro delineamento acerca das condutas que, no Estado brasileiro, poderão ser enquadradas na definição de “racismo”, para o fim de aplicação dos comandos do citado dispositivo, especialmente no tocante à imprescritibilidade desse delito. [4] Ainda, qual seria o critério para a tipificação no delito de ação de grupos armados, civis ou militares? Evidente que se trata de norma de eficácia limitada, a qual sem uma lei definidora do que seja este crime, não haverá como atribuir efeito ao referido texto constitucional, muito menos, a previsão de imprescritibilidade. Consequentemente, tal imprecisão traz insegurança jurídica ao processo/investigação, uma vez que, novamente, estará o acusado/investigado, a mercê do livre convencimento motivado do juiz, e pior, desta vez com amparo Constitucional, o que o deixa em situação ainda mais vulnerável, e com isso, sujeito àsilegalidades e abusos que podem derivar de diversos fatores, sejam sociais, morais ou até mesmo pessoais. [5] Ademais, não se trata, nem mesmo da gravidade em abstrato do fato delituoso, ou da falta de uma norma supralegal que especifique a conduta e tipifique-a como ilícita, mas sim, da ilegalidade Estatal pré-estabelecida, que busca, despreocupadamente com o tempo, saciar a sede de punir. Eis que necessária é a preocupação! Afinal, nos deparamos com preceitos de uma performance Estatal interminável, estabelecida no próprio texto em que, em regra, deveria ser garantidor do exercício dos direitos sociais e individuais, da liberdade, da segurança, do bem-estar, do desenvolvimento, da igualdade e da justiça. Com isso, surge o seguinte cenário: ‘É possível uma disposição constitucional ser inconstitucional’? O questionamento ecoa como discrepante, mas esta seria a melhor maneira de fazer tal colocação. Ou seja, é possível que a própria Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em alguns pontos específicos, afronte a si própria, ao ponto de estabelecer a imprescritibilidade de uma conduta, deixando de observar regras basilares como o princípio da legalidade, o princípio darazoabilidade ou proporcionalidade, o princípio da individualização da penal (o qual também estabelece as penas admitidas e penas vedadas), entre outros aqui não citados? Em especial ao princípio da individualização da pena, no que tange a vedação de penas de caráter perpétuo, paira a dúvida: Se até mesmo na sanção imposta pelo Estado (pena), a qual no discurso, pune sobre a perspectiva de uma finalidade mista - Teorias Absolutas e Relativas – na prática, não passando de umateoria relativa, mais precisamente a prevenção especial negativa(busca de neutralização do agente através de um controle social), [6] se veda a disponibilidade de aplicação intemporal da sanção,ou seja, a pena não poderá durar para sempre, seria legal e, minimamente justa, a previsão constituinte que garante o ‘Poder do Estado’ na busca contínua da pretensão punitiva? De fato, não! A preponderância Estatal não poderá se valer da função de criação da norma, para a imposição de medidas ilegítimas, contrariando a si própria e deixando o acusado/investigado em posição de fragilidade face o seu poder punitivo. Nesse sentido, aponta Alexandre Morais da Rosa (2017, p. 362):
O tema de fato é abstrato, vago, discutível e passível de questionamento, afinal, em casos como este, não se vê limites para atuação da atividade Estatal, o que nos leva a crer, em tom de ironia e insegurança que “algo de errado, não está certo!”. Osvaldino Nunes de Oliveira Neto Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Leonardo da Vinci - UNIASSELVI – Indaial-SC Pós-Graduando em Direito Penal e Processo Penal pela ABDConst/Curitiba-PR Advogado Referências Bibliográficas: [1] GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal Parte Geral, 14ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2012. pag. 711; [2]http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm; Acesso em 03/11/2017; [3] ROXIN, Claus. Estudos de Direito Penal, tradução Luís Greco. 2ª Edição, Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2008. Pag. 32/33; [4] PAULO, Vicente & ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Constitucional Descomplicado, 10ª ed. Rio de Janeiro: Método, 2013. Pag. 176; [5] ROSA, Alexandre Morais da. Guia do Processo Penal Conforme a Teoria dos Jogos, 4ª ed. Florianópolis: Empório do Direito, 2017. Pag. 232/233; [6] ROIG, Rodrigo Duque Estrada. Execução Penal Teoria Crítica, 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2017. Pag. 22-26; Comments are closed.
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