Estreando como colunista do sala de aula criminal, Plínio de Freitas Turiel reflete sobre a ineficária da prisão pena no Brasil, vale a leitura! '' O jurista italiano, concluiu também, que esse utilitarismo para a correção do infrator é uma verdadeira contradição. Porque o Estado apresenta uma versão, que atende os interesses dos governantes com uma tese falsa de um Direito Penal mínimo e garantista, que, no entanto na prática, é aplicada de outra forma''. Por Plínio de Freitas Turiel A prisão-pena, aplicada no território brasileiro, nunca honrou as suas ideias legitimadoras. Na verdade, a prisão-pena brasileira sempre foi usada para atender interesses políticos e econômicos, da minoria poderosa da sociedade.
Historicamente, o Brasil sempre herdou a cultura e costumes do velho mundo europeu, haja vista foi colônia de exploração de um país europeu, Portugal. A Europa, na segunda metade do século XVIII, sofreu uma revolução intelectual denominada de Iluminismo. Nesse movimento cultural, foram sustentadas ideias de pensadores que se destacaram na época como: Beccaria, Montesquieu, Rousseau, Voltaire. No apogeu do iluminismo, Beccaria (2007) defendeu um novo sistema criminal para substituir o sistema anterior, que era absolutista. E, influenciado por outros pensadores, escreveu a obra, Dos Delitos e das Penas. Nesta obra, defendia premissas que o Estado e o Direito são produtos da vontade humana, e cada um renuncia parte da sua liberdade, a favor de todos. A obra, legitimava o castigo, pois era inevitável, para garantir o caráter coercitivo do Estado e do ordenamento jurídico, evitando a impunidade, não obstante, esse castigo teria que ser moderado. Beccaria (2007) achava que para prevenir delitos, bastava existir leis coercitivas e aplica-las, de forma igual a todos. Essa finalidade preventiva de delitos, tornou-se mais tarde, o referencial teórico-base na doutrina de outro jurista, agora na história contemporânea, chamado Luigi Ferrajolli. Assim, foi desenvolvida a finalidade preventiva especial positiva da pena, que é a ressocialização do criminoso, tão citada na legislação brasileira. Essa finalidade preventiva de delitos, ao ser estudada pelo jurista italiano, Ferrajolli, foi bastante criticada por ele. Pois, ele entendeu, que apesar da necessidade da existência - do Direito Penal e as teorias justificadoras citarem ideias louváveis, no cárcere, elas são aplicadas de forma totalmente diferente, e incompatível, com o Estado Democrático de Direito Brasileiro. O cunho utilitarista teórico, defende um meio para se alcançar um fim, nesse sentido: Hobbes ao afirmar que “[...] não é lícito infligir penas senão com o objetivo de corrigir o pecador ou de melhorar os outros valendo-se da advertência da pena imposta[...]”, evidenciava que a idade moderna, com os iluministas, a pena era compreendida também como meio para emendar a pessoa (SILVA, 2016, p. 36) O jurista italiano, concluiu também, que esse utilitarismo para a correção do infrator é uma verdadeira contradição. Porque o Estado apresenta uma versão, que atende os interesses dos governantes com uma tese falsa de um Direito Penal mínimo e garantista, que, no entanto na prática, é aplicada de outra forma. Pois, nos presídios é público e notório que é um verdadeiro palco de crueldade e reprodução de violência. Lá, para o interno sobreviver, ele terá que ser violento, até mais que quando estava livre, nas ruas. O ordenamento jurídico brasileiro, foi feito para se adequar aos interesses políticos, e para justificar o controle social, e não o controle da violência, ou criminalidade. No Brasil, esse controle social é altamente seletivo. Pois alcança consideravelmente as classes sociais desfavoráveis. Não poderia ser diferente, porque o Brasil, sempre foi um país elitista e desigual, e com uma enorme má distribuição de renda, e outras desigualdades sociais. Uma das grandes críticas de Ferrajolli (2010), é que a prevenção especial positiva,- a ressocialização, não deve ser aplicada à fatos, crimes e ações delitivas, mas sim, deve ser trabalhada e voltada para os agentes dos delitos, em suas características pessoais. Isso seria mais eficiente no entendimento dele, na recuperação do criminoso. Segundo Silva (2016, p. 41), Ferrajolli é bem incisivo em afirmar, que a teoria ou finalidade ressocializadora da pena, não se sustenta, e é facilmente contestável: A pena, com efeito, assume a forma de tratamento diferenciado, que visa à transformação ou à neutralização da personalidade do condenado,não importando se com o auxílio do padre ou do psiquiatra,mediante sua reeducação aos valores dominantes ou, o que é pior, sua alteração por meio de medicamentos. Via de consequência, resolve-se, na medida em que o tratamento não é partilhado com o condenado, em uma aflição adicional à sua reclusão, e, mais precisamente, em uma lesão da sua liberdade moral ou interior que se soma a uma lesão da liberdade física ou exterior, própria da pena detentiva. Ele explica, porque primeiro é aplicável somente a prisão, o que retira o caráter de justificação da pena, quando ao mesmo tempo, não se reeduca o interno. E outro grande fator que derruba toda a falácia da recuperação do infrator da lei, é que a prisão é: palco e escola do crime. Assim, há uma incompatibilidade entre: em receber violência, com a educação ou recuperação do indivíduo. Essa violência, viola toda a dignidade da pessoa encarcerada que é obrigada a reproduzir violência, como instinto de sobrevivência no meio. É um “adestramento compulsório”, ineficaz. Ferrajolli (2010) defende ainda, que o trabalho no cárcere, não deve ser obrigatório, e sim ofertado, ao preso. É um pensamento, que se amolda perfeitamente, na teoria de John Stuart Mill, quando citado por Ferrajoli disse: “sobre si próprio, sobre a sua mente, o indivíduo é soberano” (Silva, 2016, p. 43). Para o mestre Luigi Ferrajolli (2010), a pena privativa de liberdade não é eficaz para ressocializar. Assim, ele defende a sua extinção, mas de forma gradual, para prevenir delitos, como aplicar a prisão domiciliar, a semiliberdade etc. São as medidas cautelares diversas da prisão previstas no artigo 319 do CPP. Ademais, o sistema punitivo brasileiro, é adaptado ao modelo capitalista e neoliberal. Porquanto seleciona os excluídos do modelo neoliberal, que é seletivo. Neste modelo, há uma exclusão, dos ineficazes ao mercado capitalista, composto por pobres, negros, e indivíduos sem qualificação profissional. Em suma, quem não tiver boas condições financeiras não terá uma boa educação, pois, não frequentará uma boa escola, já que as escolas públicas, são sucateadas. Serão os escolhidos pelo sistema penal. Tudo isso, é consequência da corrupção sistêmica, e a ausência de políticas públicas do Estado. Outro jurista, agora sulamericano, argentino, chamado Eugenio Zaffaroni, confirmou o que defendeu Ferrajolli, e ainda intensificou, as críticas, ao nosso sistema penitenciário, sulamericano, aduzindo que as penas são perdidas. Zaffaroni (2010), no seu estudo, tirou a conclusão que o discurso jurídico-penal não consegue esconder a ineficácia das prisões brasileiras. Porque nelas, só se reproduz violência e ódio. Portanto, não há prevenção de delitos ou convalidação de pessoas. O mestre argentino, diz que há uma enorme disparidade entre “ser” e o “dever ser”, ou seja, uma imensa distância, entre o que defende o discurso oficial, que legitima a pena, e como ela é aplicada na realidade. O sistema penal, está, cada vez mais (des)legitimado, por causa: da violência, da corrupção, e inúmeras violações aos direitos humanos. A criminalização no Brasil é dividida em duas partes: a primária e a secundária. A primária, é feita pelo Poder Legislativo, que cria o ordenamento jurídico. Nesse compêndio de leis, são tipificadas inúmeras condutas, que teoricamente, deveriam alcançar qualquer um do povo, sem discriminação. No entanto, a criminalização secundária, é realizada com o trabalho da polícia: civil, militar e federal. São as agências executivas do sistema penal. O problema é que essas agências possuem uma péssima capacidade operacional, logo, insuficiente para atender a hipertrofiada penalização de condutas criadas pela legislação brasileira. Assim, é impossível a criminalização secundária, apurar todos os crimes cometidos. A consequência disso é que cria-se uma seletividade na sociedade, criminalizando e punindo determinados grupos, os mais carentes. Os delitos que são mais alcançados são os crimes fáceis de serem investigados e julgados, como os delitos: de roubo, furto etc. Esses delitos são praticados na maioria das vezes, pela parte desfavorecida da sociedade. A criminalização secundária, acaba adotando uma regra de funcionamento, que é a seletividade. E com a influência da corrupção na polícia, se criva, quem vai ser investigado e punido. É criado um ESTERIÓTIPO do criminoso, ou hóspede do sistema carcerário: pobre, negro, de baixa escolaridade e posição social. As pessoas que não servem para o capitalismo e o neoliberalismo-, que são ineficientes e desqualificadas, são alcançadas pela LEI. Há uma seletividade penal endêmica, para esse grupo de desqualificados. O neoliberalismo não usa mais o trinômio do Liberalismo Clássico, que era: igualdade, liberdade e fraternidade. Defendidos pelo o Iluminismo, que desencadeou outros movimentos na Europa como a Revolução Francesa. Com o amadurecimento do capitalismo, houve o desenvolvimento de políticas de exclusão e seletividade. Criando assim um novo trinômio que é: a desigualdade, a competição e a eficiência. É isso que passou a determinar a política criminal. Proteger os eficientes, que conseguem se esquivar da lei, por causa dos seus privilégios. E por outro lado, a lei persegue e puni os ineficientes, excluindo-os da sociedade livre, das ruas. Há uma ordem social, os que não conseguem empregos, outros privilégios, e para sobreviverem, normalmente vão cometer crimes, que são delitos fáceis de serem detectados. Assim, serão pegos pelo sistema. Vão parar na cadeia, e por aí vai, o encarceramento em massa dos ineficientes! Historicamente, o sistema penal, sempre foi um instrumento de controle social seletivo, que se amolda perfeitamente ao capitalismo. No Brasil, sempre se separou os desfavorecidos das ruas e levam-nos para a escola do crime, o CÁRCERE. Em síntese, o Estado Brasileiro continua programado para beneficiar quem tem poder: político, econômico e social. Segundo FOUCAULT, outro pensador, afirmou, que o Estado manipula interesses, que hoje em dia, são os interesses Neoliberais, que prestigia a desigualdade, porque estimula a competição, e a eficiência. Outrossim, não há expectativa de vida digna para um Ex-preso brasileiro. A estatística que estuda sobre o assunto é bem acentuada, pois ela mostra que 70 % dos internos do sistema voltam a delinquir. Isso quer dizer, que entre 10 Ex-presidiários, 7 voltam a delinquir. Também, não poderia ser diferente, pois no cárcere, nunca deixaram de cometer delitos, alguns praticam espontaneamente, outros por questão de sobrevivência. Nem todas as casas penais, oferecem trabalho e estudo, aliás, pouquíssimas oferecem. Quando oferecem, são trabalhos braçais, que não estimulam ou ensinam o ser humano a estudar ou se qualificar. Portanto, os Ex-presos, ao voltarem para as ruas, enfrentarão, um mercado ainda mais cruel, do que eles enfrentaram, antes de serem presos, já que continuam desqualificados e ainda “carregam nos ombros”, o título pejorativo, de Ex-interno, do Sistema Penal. Neste contexto, procede, o entendimento dos doutrinadores contemporâneos: Ferrajolli e Zaffaroni, quando traçam um paralelo ou mostram a enorme disparidade, entre a teoria vendida para a sociedade e a verdadeira realidade do cárcere. Porém, é importante ressaltar que apesar de Ferrajolli, entender, que a cura do infrator da lei é possível,quando direcionada na característica pessoal do condenado, ao invés do fato delituoso. Mas como aparelhar isso, de acordo com a realidade precária do sistema carcerário brasileiro? É uma utopia, aplicar uma pena para cada indivíduo, e colocá-lo, em um ambiente favorável para a sua saúde mental. Enfim, procede o entendimento de que gradativamente a prisão deve ser abandonada, ou diminuída no seu tempo de duração. É mais eficiente aplicar medidas restritivas de direito, com trabalhos sociais, que despertem prazer no apenado. A restrição de liberdade, piora significativamente o ser humano, e ainda mais, vivendo em um ambiente violento. Porquanto, o indivíduo, por natureza, reproduz o meio em que vive. Se aprende violência, pratica violência. O certo, é que as penas mais eficientes são aquelas que contribuem para o crescimento intelectual do indivíduo. E até para ele se descobrir, conhecer habilidades, que sejam lícitas, lógico! Destarte, é com muita tristeza que a conclusão deste artigo afirma, a lei brasileira e o sistema penitenciário, com a sua prisão-pena, continuam militando o velho “coronelismo” e patriarcado brasileiro, vestido atualmente pelo NEOLIBERALISMO. Tornando as leis mera demagogia, um discurso jurídico penal, falso e integralmente POLÍTICO. Sempre, dando privilégios para minoria da sociedade, e excluindo das ruas os desfavorecidos, e armazenando-nos nas prisões. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Traduzido por Torrieri Guimarães. São Paulo: Martin Claret, 2007. FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. SILVA, José Adaumir Arruda da. Privatização de presídios: uma ressocialização perversa. Rio de Janeiro: Revan, 2016. ZAFFARONI, Eugenio Raul. Em busca das penas perdidas: a perda da legitimidade do sistema penal. Traduzido por Vania Romano Pedrosa, Amir Lopez da Conceição. 5. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2010. Plínio de Freitas Turiel Advogado Criminalista Membro do Abracrim Vice-Presidente da Abracrim-Marabá no Estado do Pará Especialista em Direito Público pela Uniderp Pós-graduando em Ciências Criminais pelo Cesupa Sócio do Escritório Turiel Advogados Associados
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