Artigo de Marcela Maia, refletindo sobre a influência subjetiva do Juiz nas decisões judiciais, vale a leitura! '' A adoção destes princípios são conflitantes ao Estado Democrático de Direito, permitindo práticas típicas dos sistemas inquisitoriais, pois concedem aos magistrados amplos poderes para julgar, sem necessariamente seguir as leis, mas com os atos que possuem aparência de legalidade''. Por Marcela Maia Em meados de 2019, houve difusão de conversas entre um magistrado brasileiro, agora ex-ministro da justiça, com um membro do ministério público federal. Em função disto surgiram inúmeras reflexões acerca da imparcialidade do juiz, o livre convencimento e outros princípios correlatos.
É essencial, nos Estados Constitucionais Democráticos, que haja separação entre o Direito e a Política, ainda que, o direito seja um produto da política, sua aplicação precisa ser devidamente separada dela. É como se estivéssemos diante da razão e da emoção. A política seria a emoção, vigorando a soberania popular, o clamor do povo, da maioria. O Direito seria a razão, sendo necessário fazer prevalecer o respeito às leis e às garantias fundamentais. Neste sentido, alertou Norberto Bobbio, na obra “O futuro da democracia[1]”, ao afirmar que o sistema democrático é entendido por um conjunto de regras procedimentais, as quais a regra da maioria é a principal, mas não a única, e aqueles que não respeitam essas regras nada entenderam sobre a Democracia. Ademais, os Estados de Direito são norteados por regras, estas asseguram à população garantias fundamentais e processuais. Sem embargo, o livre convencimento gera profundas ameaças às regras processuais, isto porque, nas palavras de Hans Kelsen “Na medida em que as normas que constituem o fundamento dos juízos de valor são estabelecidas por atos de uma vontade humana, e não de uma vontade supra-humana, os valores através delas constituídos são arbitrários[2]”. A adoção destes princípios são conflitantes ao Estado Democrático de Direito, permitindo práticas típicas dos sistemas inquisitoriais, pois concedem aos magistrados amplos poderes para julgar, sem necessariamente seguir as leis, mas com os atos que possuem aparência de legalidade. Deste modo, passamos a ter verdadeiros processos cênicos e arbitrários, mas realizados de acordo com as regras preestabelecidas, posto que, o magistrado primeiro decide com base em suas convicções pessoais, e depois, analisa o processo em favor do seu pensamento, típico procedimento inquisitorial. Nota-se, portanto, que esses princípios dão azo a um sensacionalismo que vence a razão, levando agentes públicos, empolgados com a fama, a agir de acordo com o clamor público, e não de acordo com as regras procedimentais, violando o Estado Democrático de Direito. A confusão entre a subjetividade do juiz e a objetividade das normas (Kelsen), asseverada através do livre convencimento, nos levará a um estado de arbitrariedades da qual fragilizará pouco a pouco as garantias e direitos fundamentais e assim passaremos a vivenciar verdadeiros processos kafkiano[3]. MARCELA MAIA Advogada Especialista em Processo Penal e Garantias Fundamentais – ABDConst Vice-presidente da Comissão de Direito e Processo Penal da OAB Cabo Frio/RJ Membro da ABRACRIM/RJ [1] BOBBIO, Norberto. O futuro da Democracia – uma defesa das regras do jogo. Coleção Pensamento Crítico, 6ª edição, 1989, editora paz e terra, p. 64 [2] KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6ª edição, São Paulo – Martins Fontes, 1998, p. 13 [3] Referência ao livro de Franz Kafka “O processo”. Nesta obra, Kafka narra sobre um processo permeado por abusos, ilegalidades e arbitrariedades, porque existe um sistema jurídico vicioso, cínico e falho.
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