Os estilhaços provenientes de uma força de proporções estáveis e bem definidas como a Inquisição Ibérica em meados de 1490, em especial nos Estados de Portugal e Espanha, chegaram à América Latina por meio da colonização. É fato que a inquisição teve seu início por intermédio da força da igreja católica que pugnava contraria a qualquer perigo imediato advindo de qualquer lado que ousasse experimentar obter o poder, ou que, incluía-se nas matrizes da sociedade possuindo um estereótipo diferente aos demais membros da comunidade. Mesmo estranhos e diferentes eram vistos como uma ameaça ao amplo poder, que necessitava de seus dogmas espirituais e ilimitados para exercer o domínio. Foi a partir da descoberta das Américas, em especial pelos povos da Europa Latina, que o sistema inquisidor desceu de seus navios portando armas e o desejo de expansão de seu poder. (Baudrillard, 1976). Cortez em 1525, ao destruir sistematicamente os templos mexicanos antigos, tornou o processo civilizatório um choque entre cultura dominante e o pouco que ainda havia de raiz nos povoados colonizados. Essa metodização violenta fez com que os próprios mexicanos, a partir de determinado momento, passassem a queimar e destruir seus ícones religiosos que indicavam a sua própria cultura, por receio de implicações advindas da nova inquisição. Nesse ponto, a cruzada da conquista conseguiu de forma estratégica e violenta afirmar sua cultura e ideologia nas matrizes que fundamentam a sociedade, por via da religião, que de toda forma estabelece a cultura de um povo. Aniquilar a cultura é aniquilar um povo. De qualquer forma, o genocídio realizado pelos colonizadores espanhóis em território mexicano levou consigo números extraordinários que se espalharam por toda a América colonizada. A população indígena no México totalizava 25,2 milhões à época do descobrimento (1519), em 1568 era de 2,6 milhões. O movimento civilizatório passa a cadenciar uma onda de selvageria intrínseca ao dogma da evangelização, que por si só representa a quebra dos costumes pela força e pelo medo. Começa então, tanto em México quanto em outras instâncias que também passaram pela ocupação, um poder de polícia contra atos indesejados pela coroa e por seus dogmas, advindos da Inquisição que existia e ainda detinha o absoluto poder, contra os diferentes e estranhos reconhecidos como animais que deveriam ser domesticados. A evangelização se perfazia na escora para a estrutura da conquista, sustentando os preceitos trazidos do além-mar como um dogma que não poderia ser refutado ou questionado. A morte da tradição e da cultura passa a ser realizada pelos próprios moradores natos do local, por um temor dos estrangeiros que em nome de sua cruzada da conquista, destroem aquilo que poderia ser perigoso e contagioso. Nesse sentido, Maquiavel assegura ao príncipe que adentra novos territórios por meio da força, a aniquilação dos povos e a criação de novas colônias realizadas por pessoas tementes à Coroa, geralmente oriundos de sua terra, mas não pelos antigos cidadãos conquistados. O verbo da Atila, o Huno, traduz bem a sensação da conquista vencedora: “Onde meus cavalos pisarem, jamais nascerá grama. ” A violência foi tanto pedagógica quanto de extermínio, oprimindo aqueles que, por motivos econômicos, deveriam ser mantidos vivos. Para isso, evangelizar por intermédio de um preceito máximo fundamentado na religiosidade e no medo do desconhecido era a saída. O medo da morte fundou-se como uma instituição, por intermédio da ideologia cristã apregoada pela igreja e acentuada pela Inquisição em novas terras. Dessa forma, a dominação passou da cruzada da conquista para a fase do estabelecimento ao cultivar nos indígenas as obrigações aos ritos e devoções do catolicismo, exterminando a cultura de um povo. Vemos a inquisição e os laços bem atados aos dias atuais quando por intermédio de um medo reverencial e um pavor do outro domina nossa sociedade. Por outro lado, é definição da cultura dominante manter-se ativa o quanto puder nem que para isso necessite de um poder advindo da violência, como o poder de polícia. Essa forma de dominação geralmente é utilizada contra os bestializados e minorias, moradores de locais de risco e nascidos cativos de sua própria pobreza. Contudo, hoje é necessário um outro argumento que defina a lógica dos atos inquisidores e que desejam caçar os diferentes em nossa sociedade; e o argumento nos chega por intermédio da defesa social e do bem-estar público. Pode-se notar que como outrora, da mesma forma que explicitado ao príncipe, o sentido ainda é o mesmo: os fins justificam os meios, quando o assunto é o domínio e a preservação do poder estabelecido. Iverson Kech Ferreira Advogado especializado em Direito Penal Mestrando em Direito pela Uninter Pós-graduado pela Academia Brasileira de Direito Constitucional, PR, na área do Direito Penal e Direito Processual Penal Possui graduação em Direito pelo Centro Universitário Internacional É pesquisador e desenvolve trabalhos acerca dos estudos envolvendo a Criminologia, com ênfase em Sociologia do Desvio, Criminologia Critica e Política Criminal Referência: BAUDRILLARD, Jean. Mudança simbólica e a morte, Paris, 1976, p. 221 Maquiavel, Nicolau. O príncipe.
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