Não é novidade que dentre os diversos aspetos da literatura encontra-se a contextualização do próprio mundo vivenciado pela perspectiva do escritor. É por meio das palavras que o autor transmite aquilo que carrega consigo. Daí que nas linhas escritas poderão ser observadas dúvidas, incertezas, críticas, análises, observações, exposições, construções de teses, tentativas de convencimento, fornecimento de dados... Enfim, a escrita é o espaço utilizado pelo autor para expor suas ideias.
As intenções do autor e suas formas utilizadas para a exposição de ideias variam de escritor para escritor. Alguns se utilizam da ficção, seja puramente pelo amor a uma história fantasiosa que surgiu em sua mente ou ainda como meio de dizer algo nas entrelinhas. Outros se amparam na poesia, no formalismo científico, no relato autobiográfico, no texto jornalístico ou ainda em demais estilos, já que diversas são as formas de escrita que o autor pode utilizar para lançar suas exposições. O notório escritor John Grisham figura dentre aqueles que utilizam da literatura ficcional para, além de construir uma boa narrativa e agradar pela própria história, tecer críticas que entenda pertinentes. Tendo escolhido o direito como área de atuação, John Grisham conheceu de perto as nuances da justiça estadunidense, cujas falhas e rupturas são refletidas nos enredos constantes em suas diversas obras. Seus livros são muitos, e o autor por vezes figura nas listas dos mais lidos nos Estados Unidos. Quem desconhece o autor ou o título da obra, conhece ao menos a história pelas diversas adaptações para o cinema que seus livros constantemente ganham. Quem não se lembra de “A Firma” (o título do filme é o mesmo que o do livro), estrelado por Tom Cruise, que vive um advogado recém-formado, o qual é aliciado para trabalhar numa firma de advocacia que descobre se tratar de uma fachada para lavagem de dinheiro da máfia? Ou do clássico “Tempo de Matar” (de igual modo são os títulos de filme e livro), adaptação que conta com um grande elenco (Samuel L. Jackson, Sandra Bullock, Kelvin Spacey...), que retrata um pai que busca a vingança sem medir esforços pelo estupro de sua filha por brancos racistas? O crédito desses e outros excelentes enredos retratados no cinema são todos de Grisham, conheça-se ou não o escritor (há quem não conheça?). Nas histórias do célebre autor há sempre o elemento justiça figurando no cerne. Enquanto a humanidade ainda busca uma definição exata (inalcançável?) de tal termo, o autor expõe em suas obras as ramificações do conceito. Daí que constantemente se vê, em sua escrita, questões que envolvem leis, direito, advogados, juízes, vingança, processos e afins. É com esses artifícios que John Grisham trabalha para expor a face negra da justiça estadunidense, cujas críticas são facilmente perceptíveis nas dezenas de livros que escreve. Em “O Cliente”, escrito em 1993, há a exposição das consequências de investigações policiais que tramitam com a utilização de enorme pressão contra os envolvidos. A luta pelo bem maior justifica os meios utilizados? As feridas resultantes de todo o procedimento serão cicatrizadas? Em suma, o livro traz a história de um garoto que testemunha o suicídio de um advogado, não sem que antes que o causídico revele segredos de uma grande investigação que envolve o assassinato de um senador. O investigado se trata de um mafioso. É daí que a história prossegue, com toda a trama em cima do grande peso que recai sobre os ombros da criança, a qual de um momento pro outro se vê presa ao sistema judicial estadunidense: é uma importante testemunha para o caso. O FBI, a polícia e a promotoria tentam a todo custo arrancar o depoimento do garoto que passa a ser representado por uma advogada sagaz, que luta incessantemente para que os danos sofridos por seu cliente sejam minimizados. Já em “O Negociador”, de 2009, Grisham aborda a polêmica da traição como instrumento de autopreservação. Vale tudo para evitar que erros do passado voltem à tona? Para assegurar a própria sobrevivência (não apenas biológica, mas também social), é aceitável romper limites éticos? O autor expõe tais perguntas indiretamente dentro do contexto de sua história, a qual mostra um jovem estudante com um futuro promissor à sua frente, até que se vê obrigado a aceitar uma vaga num grande escritório de advocacia com uma única finalidade: passar informações sigilosas da firma para um homem misterioso que o força a assim agir, sob pena de ver revelado publicamente um fato constrangedor do seu passado. Mencionando mais uma de suas dezenas de obras, destaca-se “O Inocente”, escrito em 2006, tratando-se de seu único escrito não ficcional. O livro é a exposição de uma história verídica, no qual Grisham relata o caso de Ron Willianson, um homem que se viu injustamente acusado de um homicídio, sendo condenado e sentenciado à morte. Graças ao trabalho de uma equipe de defensores, o caso foi revisto pouco antes de sua execução (décadas após a sua prisão), livrando Ron de uma morte injusta e arbitrária. Além da narrativa da história real, o autor lança críticas aos custos desnecessários que o Estado tem com casos indevidos, ao tratamento que é dado aos presos, às tremendas falhas que ocorrem na fase de investigação e, principalmente, à pena de morte. Como se observa, em cada livro que John Grisham escreve está presente uma crítica ou exposição da face não tão bonita da justiça estadunidense. Advogados e firmas antiéticas, juízes e políticos corruptos, procedimentos investigatórios falhos, conduta inadequada nos órgãos de investigação que acarretam em sérios prejuízos – nada foge ao olho clínico de Grisham, que apresenta tais meandros ao leitor de uma maneira fenomenal, sempre implícitos em cativantes histórias. A mensagem está presente nas obras do autor, sendo fácil a captação do recado pelo leitor. Entre os frutos que caem da árvore sempre há os podres, e é pela observação dos podres que John Grisham toma base para suas histórias. Críticas às falhas da justiça estadunidense estão presentes na literatura do autor. Fica o convite ao leitor para conhecer tal análise nos diversos livros do escritor. Paulo Silas Taporosky Filho Advogado Especialista em Ciências Penais Especialista em Direito Processual Penal Pós-graduando em Filosofia *Texto originalmente publicado no site “Literatortura” Comments are closed.
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