Considerações acerca da Lei Penal em Branco Heterogênea 11.343/06 e a portaria 344/1998 da ANVISA.
Ao analisar o texto legal da legislação repressiva no tocante as substâncias hoje tidas como entorpecentes, percebe-se que em toda sua extensão, não traz em seu bojo quais as substâncias proibidas. O que chama a atenção é a definição do que são as drogas, conforme se extrai do art. 1º, parágrafo único da lei 11.343/06, consideram-se como drogas “as substâncias ou os produtos capazes de causar dependência, assim especificados em lei ou relacionados em listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União”. Se realizarmos uma análise no trecho acima, devemos dividir em duas etapas a explicação acerca do que é droga. Primeiramente, de acordo com a lei, drogas são produtos capazes de causar dependência. Noutro lado, drogas também são substâncias definidas em lei ou listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União. Percebe-se que para uma substância primeiramente ser considerada droga, é necessário ser capaz de causar dependência (física ou psíquica), mas então porque o cigarro, álcool, chocolate, dentre outras substâncias que causam dependência não são proibidas (pelo menos até o momento desde artigo)?Justamente porque as substâncias para serem proibidas devem estar previstas em legislação em apartado ou relacionadas em lista atualizada pelo Poder Executivo. Até aqui nenhuma novidade, mas se nos atentarmos a um detalhe, há um questionamento válido a ser realizado, quem detêm o poder de criminalizar ou não uma substância? O poder está concentrado nas “mãos” da ANVISA, através da portaria 344, de 12 de maio de 1998 [1], a qual está em constante modificação, incluindo e retirando substâncias. Desta feita, pode-se concluir que a legislação de drogas, em verdade, trata-se de uma lei penal em branco, pois necessita de uma complementação de outra norma, para que assim, surta seus efeitos legais, neste sentido:
Noutro passo, a lei penal em branco divide-se em duas, quais sejam: Lei Penal em Branco Homogênea; Lei Penal em Branco Heterogênea. Basicamente a diferença entre as duas consiste que a Lei Penal em Branco Homogênea é complementada por outra lei criada por órgão hierárquico igual. Noutro lado, na Lei Penal em Branco Heterogênea, a complementação ocorre por órgão diferente daquele que criou a lei. [3] Neste vértice, cumpre-se salientar que agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) possui natureza de autarquia especial, o que significa dizer que a ANVISA, em verdade, é uma entidade da Administração Pública Indireta. Por ser uma agência reguladora, a ANVISA possui independência administrativa, estabilidade de seus dirigentes e autonomia financeira (art. 3º, Parágrafo Único da lei 9.782, de 26 de janeiro de 1999). O Diretor-Presidente da Anvisa será nomeado pelo Presidente da República (art. 11 da lei 9.782 de 26 de janeiro de 1999), ainda, há cargos comissionados dentro da agência. Veremos a importância das características supramencionadas adiante. Desta feita, sendo a lei 11.343/06 criada pelo Poder Legislativo e a ANVISA órgão pertencente ao Poder Executivo, conclui-se que a lei de drogas (11.343/06) trata-se de uma Lei Penal em Branco Heterogênea. Agora vamos adentrar na discussão que divide, inclusive, o meio acadêmico jurídico. Para iniciar verdadeiramente o questionamento, se faz necessário se perguntar quem possui competência para legislar sobre matéria penal e processual penal, tal questionamento é respondido pelo art. 22, inciso I da Constituição da República: “Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho”. Destarte, tal competência se deve, em verdade, pelo fato de que criminalizar condutas necessitam de um debate amadurecido por parte de pessoas eleitas pelo povo, para que assim tomem decisões que, em tese, sejam compatíveis com os interesses de seus eleitores. Como já mencionado, a ANVISA possui independência de outros órgãos, e consequentemente, seus atos e portarias não estão sujeitos a discussão por parte do legislativo, dependendo, única e exclusivamente de deliberações entre seus dirigentes. Prima facie, pode-se dizer que a ANVISA por ser uma autarquia especial, não poderia in tese legislar sobre matéria penal, pois não possui competência para tal função. A primeira controvérsia versa sobre a hipótese de estar a ANVISA, ao estabelecer substâncias como proibidas, legislando sobre matéria penal. Neste vértice, aponta-se o caso ocorrido no ano 2000, quando a substância Cloreto de Etila, conhecida popularmente como Lança-Perfume, deixou de ser criminalizada durante 07 dias (07/12/2000 a 14/12/2000). O Supremo Tribunal Federal se posicionou no HC 120026 no sentido de que houve uma abolitio criminis temporária e extinguiu a punibilidade do agente que portava lança perfume na data mencionada, ainda, declarou o efeito retroativo para aqueles que estavam presos, condenados pelo delito de tráfico de entorpecente por estarem portando a substância Cloreto de Etila antes da substância ser novamente incluída no rol da ANVISA. Desta feita, percebe-se que quem determina que uma substância é proibida e criminalizada é, em verdade, a ANVISA, o que significa dizer que a ANVISA legisla sobre matéria penal, o que tornaria a lei de drogas por si só inconstitucional. Neste sentido Rogério Greco:
Noutro passo, cumpre-se retornar à discussão acerca da Lei Penal em Branco Heterogênea, o que para alguns autores é inconstitucional, pois não possui uma representatividade popular, ofendendo o princípio da legalidade, além de gerar uma séria insegurança jurídica, neste sentido Rogério Greco:
Neste mesmo vértice Francisco de Assis do Rêgo Monteiro Rocha Junior:
Não se pode negar a insegurança jurídica trazida pela legislação repressiva de entorpecentes. Retomemos o conceito de drogas empregado pela lei 11.343/06: “as substâncias ou os produtos capazes de causar dependência assim especificados em lei ou relacionados em listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União”. E se ao invés de liberado o Lança perfume na data de 07/12/2000 a 14/12/2000, fosse criminalizado o álcool, o chocolate e o cigarro (que são substâncias que podem causar dependência)? Há o questionamento de que se as substâncias entorpecentes não forem regulamentadas pela portaria da ANVISA, tornaria praticamente impossível de disciplinar e proibir as drogas que são desenvolvidas todos os dias. Primeiramente, porque proibir? Faço aqui uma remissão ao brilhante artigo de André Luis Pontarolli (remissão homogênea): (http://www.salacriminal.com/home/quer-combater-as-drogas-tire-o-direito-penal-do-caminho) Por derradeiro, é escorreito o entendimento de que os fins justificam os meios? Que em busca do sistema “punitivista perfeito” seria possível a relativização de preceitos constitucionais? Se a Constituição da República e Princípios Constitucionais são relativizados todos os dias e concordamos com tais relativizações fundamentados na (in)eficiência do sistema repressivo, poderemos reclamar no futuro da relativização da presunção de inocência? Ops, esse também já foi relativizado. Bryan Bueno Lechenakoski Advogado Criminal Pós-graduando em Processo Penal e Direito Penal na ABDCONST. Pós-graduando em Direito Contemporâneo no Curso Jurídico. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS. [1] PORTARIA ANVISA - 344, 12 de maio de 1998. Disponível em: <http://www.anvisa.gov.br/hotsite/talidomida/legis/portaria_344_98.pdf> [2] GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal Parte Especial. Vol. II. 6ª Ed. Rev. Amp. e atual. Niterói: Impetus. 2012. P. 70. [3] GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal Parte Especial. Vol. II. 6ª Ed. Rev. Amp. e atual. Niterói: Impetus. 2012. P. 72. [4] GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal Parte Especial. Vol. II. 6ª Ed. Rev. Amp. e atual. Niterói: Impetus. 2012. P. 73. [5] GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal Parte Especial. Vol. II. 6ª Ed. Rev. Amp. e atual. Niterói: Impetus. 2012. P. 73. [6] ROCHA JUNIOR, Francisco de Assis do Rêgo Monteiro. (A inexistência de) Controle de Constitucionalidade das Leis Penais em Branco: Causas e Consequências. Cadernos da Escola de Direito e Relações Internacionais da Unibrasil. Jan/Dez 2007. Apud PAVON, Pilar Gomez. P. 13. [7] ROCHA JUNIOR, Francisco de Assis do Rêgo Monteiro. (A inexistência de) Controle de Constitucionalidade das Leis Penais em Branco: Causas e Consequências. Cadernos da Escola de Direito e Relações Internacionais da Unibrasil. Jan/Dez 2007. Apud PAVON, Pilar Gomez. P. 112. Comments are closed.
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