A literatura é a maneira mais agradável de ignorar a vida. A frase é de Fernando Pessoa, e merece ser contextualizada de acordo com o sentido em que foi escrita, a fim de que, com base nisso, possamos refletir em que sentido isso pode contribuir para com o Direito.
A literatura, tal qual o direito, possuem a linguagem como fator estruturante. Considerando que as coisas são ditas pela linguagem, e que pela linguagem se dizem as coisas, um dos liames que se aponta de tais saberes é justamente o dizer: a fala, a escrita. Daí a importância de se analisar essa base em comum, a fim de auxiliar na compreensão daquilo que, formado, ensejará em consequências resultantes dessa estruturação. A mencionada fala de Fernando Pessoa está inserida na parte 116 de seu “Livro do Desassossego”, aqui transcrita:
A literatura como simulação da vida. Algo constructo no e pelo ficcional, que dá amparo para o ignorar do real, da vida. Não que o real e o ficcional sejam dicotômicos, mas uma separação, mesmo que num plano meramente abstrato, se faz necessária a fim de que um raciocínio lógico seja possível numa análise epistemológica. Daí que ver o Direito como algo ficcional, pois assim o é, acaba sendo uma postura necessária e salutar a fim de que por esse “objeto” constructo, por mais que presente esteja a impossibilidade de se dizer o que é, seja possível construir uma história do que nunca foi, tal qual o romance literário. A narrativa que dá o mote e os contornos de um romance, também se faz presente, ou pelo menos deveria assim se fazer, no campo do Direito. Seja na tentativa de descrever a norma numa análise ontológica, seja no relato construído com base naquilo que é extraído de algo situado no campo do “real”, seja ainda na resposta estatal dada ao indivíduo que busca o amparo no Direito por algo que o conforte, auxiliando a suportar (ou ignorar) a vida, a estruturação dessa mensagem, desse constructo, dessa resposta, dessa busca, dá-se pelo verbo, pela imperativo, pelo deontológico, pela narrativa. É a busca em tais questões que se traduz muitas vezes numa forma de se ignorar a vida. A vida enquanto o “real”. A literatura enquanto o “imaginário”. O Direito também enquanto um meio de se ignorar a vida. Não que seja essa a base fundante do dito sistema, por mais que, dadas as diversas construções justificantes desse campo do “dever ser”, também provavelmente poderia se encontrar algo já assim construído nesse sentido. Mas há muitos que buscam nesse campo uma forma de fuga da vida. Seja legítima ou ilegítima a pretensão, a qual dependerá sempre da situação específica em concreto para que se qualifique de um modo ou de outro, tem-se que se pode dizer, sim, que na frase de Fernando Pessoa constante no título desse escrito, poderia haver uma substituição de “Literatura” por “Direito”, de modo que assim ficaria: “O Direito é a maneira mais agradável de ignorar a vida”. Se o agora aforisma se justifica de algum modo ou não, dependerá das possíveis bases estruturantes de uma definição nesse sentido. Pergunta-se: é possível, tal qual pela literatura, fugir ou ignorar a vida através do Direito? Paulo Silas Taporosky Filho Advogado Mestrando em Direito pela Uninter Especialista em Ciências Penais Especialista em Direito Processual Penal Especialista em Filosofia Membro da Rede Brasileira de Direito e Literatura Membro da Comissão de Prerrogativas da OAB/PR BIBLIOGRAFIA CONSULTADA PESSOA, Fernando. Livro do Desassossego: composto por Bernardo Soares, ajudante de guarda-livros na cidade de Lisboa. 3ª Ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. Comments are closed.
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