A literatura deve sofrer algum tipo de restrição? Termos, passagens e questões tratadas em romances, contos, ensaios e afins devem passar por algum tipo de controle prévio? Minha resposta é um sonoro não! A literatura é um mundo a parte, onde tudo é possível. O diálogo da literatura com a realidade constantemente se faz presente, até mesmo nos escritos onde aparentemente o real esteja distante, ou seja, mesmo num cenário onde o inimaginável se torna concreto, há sempre a possibilidade de se extrair algo tangível para o ‘aqui’. Assim, a literatura é incensurável. Tomo como base e ponto de partida o artigo de André Karam Trindade (“Vivemos Tempos de Patrulhamento (Jurídico) à Literatura”) presente no excelente livro “Precisamos Falar Sobre Direito, Literatura e Psicanálise”, coescrito com Alexandre Morais da Rosa, obra esta que sugiro a leitura. O autor narra em tal escrito um episódio ocorrido envolvendo a literatura de Monteiro Lobato e os ataques sofridos pelo ‘politicamente correto’, culminando na análise do caso pelo Supremo Tribunal Federal, demonstrando assim o patrulhamento jurídico atualmente existente e suas lamentáveis consequências. A polêmica se deu pelo seguinte:
Em outras palavras, buscou-se no direito a censura de um modo eufemístico. Ataques como esse, cheio de boas intenções, possuem sob a roupagem do ‘politicamente correto’ uma total desconsideração dos fatores que permeiam escritos que eventualmente façam com que hoje se torça o nariz. Irresignações atuais sobre posicionamentos superados ou controversos presentes na literatura não podem ensejar em qualquer tipo de censura. O que dizer da defesa da escravidão por Aristóteles em “A Política”? Deveríamos queimar seus livros? E sobre a misoginia explícita de Nietzsche quando escreveu os ‘sete ditinhos de mulher’ em “Além do Bem e do Mal”? Seus livros deveriam ser recolhidos? E “Lolita” deveria vir com uma tarja de aviso (algo como “cuidado: conteúdo pedófilo”)? Mesmo sendo um cenário mais caótico o imaginado, é para tal caminho que se aponta o patrulhamento. Gustavo Melo Czekster, autor de “O Homem Despedaçado” (eis mais uma sugestão de leitura), ao descrever a responsabilidade da escrita em um de seus textos (“Escrever é uma forma de oração”), pontuou que há sempre de se levar em conta que quando se escreve, não se escreve sozinho, pois há sempre um contexto em que se está inserido no momento da redação. Aliás, uma boa literatura, para que sobreviva, há de conter uma visão própria de mundo do autor. Estou nessa com Gustavo Melo Czekster:
Não se diz da defesa de ideias atualmente não mais aceitas, controversas ou polêmicas. Mas há de se compreender que num dado momento determinada questão foi registrada pela escrita. Se presente na literatura, deve haver o respeito para com tal fato, não necessariamente com a ideia em si, mas com o direito de que a escrita seja mantida em sua integralidade. Retorno assim ao ponto inicial para encerrar, a saber, o texto de André Karam Trindade, ilustrando a questão exposta com um clássico:
Olhos abertos com o patrulhamento jurídico. De boas intenções, vários lugares estão cheios. Cuidemos com os ímpetos de bom mocismo irrefletidos. Literatura não se censura, se preserva. Paulo Silas Taporosky Filho Advogado Especialista em Ciências Penais Especialista em Direito Processual Penal Especialista em Filosofia BIBLIOGRAFIA CONSULTADA CZEKSTER, Gustavo Melo. Escrever é uma forma de oração.Disponível em: https://homemdespedacado.wordpress.com/2016/04/02/escrever-e-uma-forma-de-oracao/ Acesso em: 27/06/2016. ROSA, Alexandre Morais da. TRINDADE, André Karam. Precisamos Falar Sobre Direito, Literatura e Psicanálise.1º Ed. Florianópolis: Letras e Conceitos, Lda& Empório do Direito, 2015. Comments are closed.
|
ColunaS
All
|
|
Os artigos publicados, por colunistas e convidados, são de responsabilidade exclusiva dos autores, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento da Sala de Aula Criminal.
ISSN 2526-0456 |