Estreando como Colunista do sala de aula criminal, Osvaldino Nunes enfatiza que o sistema somente será acusatório, quando cada parte cumprir o seu papel, sem interferência ou parcialidade, trazendo reflexões necessárias. Vale a leitura! “Até que isso aconteça, o Sistema Processual Penal Brasileiro, segue sendo, como sempre foi, um sistema inquisitório”. (Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, 2003)''. Por Osvaldino Nunes Aprovada recentemente e no auge da sua vigência, a Lei 13.964/2019, que institui o pacote anticrime e, entre tantas mudanças, altera significativamente o Código de Processo Penal, traz consigo evoluções consideráveis, inclusive, na busca de se assegurar um sistema processual, efetivamente acusatório.
Defendido por diversos juristas e, ao reflexo de sistemas já instituídos, o JUIZ DAS GARANTIAS traz consigo, a esperança de um processo penal mais estável e sem inferências inquisitoriais, uma vez que, assegura a impossibilidade de prevenção, fazendo, consequentemente, que o magistrado julgador não esteja contaminado com a prova que deverá ser produzida diante do contraditório e da ampla defesa. No entanto, como esperado e já pontuado por Lopes Jr e Moraes da Rosa, “assim que instituído, a mentalidade inquisitória de pronto se opôs ao cumprimento da reforma”. Tendo a suspensão da implementação do Juiz das Garantias, até o julgamento em plenário das ADIs 6.298, 6.299, 6.300 e 6305. (Aury Lopes Jr e Alexandro Moraes da Rosa, 2019). Na ocasião, entendeu o Ilustríssimo Ministro Luiz Fux, ao conceder a medida cautelar requerida nos autos da ADI 6299: A seguir, passo ao reexame dos pedidos cautelares formulados nas ações diretas de inconstitucionalidade nn. 6.298, 6.299, 6.300 e 6.305. Neste momento processual, não realizarei um juízo de mérito exaustivo e definitivo quanto ao tema. Em nível de cognição vertical, limitar-me-ei ao escopo do que recomenda a análise de uma medida cautelar, no sentido de demonstrar que os questionamentos apresentados pelas partes autoras militam pela imediata suspensão ad cautelam de várias das normas impugnadas, ad referendum do Plenário. Por questões didáticas, distribuirei os dispositivos questionados em grupos, os quais serão analisados em tópicos separados. [...] Ex positis, na condição de relator das ADIs 6.298, 6.299, 6.300 e 6305, com as vênias de praxe e pelos motivos expostos: (a) Revogo a decisão monocrática constante das ADIs 6.298, 6.299, 6.300 e suspendo sine die a eficácia, ad referendum do Plenário, (a1) da implantação do juiz das garantias e seus consectários (Artigos 3º-A, 3º-B, 3º-C, 3º-D, 3ª-E, 3º-F, do Código de Processo Penal); e (a2) da alteração do juiz sentenciante que conheceu de prova declarada inadmissível (157, §5º, do Código de Processo Penal); Diante de tal situação, aquilo que se parecia uma “luz no fim do túnel”, novamente se torna uma utopia processual. Afinal, dentre as alterações que ocorreram com a redação da Lei 13.964/2019, – como é o caso de referido instituto do JUIZ DE GARANTIAS, até então suspenso – a reforma se abstém de tratar pontos que continuam merecendo comutação, como é o caso, por exemplo, das redações dos artigos 156 e 385 do Código de Processo Penal, in verbis:
Com isso, muito embora com a reforma estabelecida pelo “pacote anticrime”, se garanta um sistema processual penal acusatório, enquanto da vigência de textos legais que autorizam a participação ou ingerência do julgador na produção da prova ou na condenação de ofício, jamais poderemos sustentar tal entendimento. Assim, estaríamos ajustados de que possuímos, no ordenamento jurídico brasileiro, um sistema misto? Não! Afinal, “não é possível que sistemas com características tão diametralmente opostas, possam ser conciliados.”. (Adriano Bretas, 2017) Nas palavras de Alexandre Moraes da Rosa, 2017: No modelo Inquisitório o juiz congrega, em relação à gestão da prova, poderes de iniciativa e de produção, enquanto no Acusatório essa responsabilidade é dos jogadores, sem que possa exercer papel de protagonismo. De outra face, no Inquisitório a liberdade do condutor do feito na sua produção é praticamente absoluta, no tempo em que no Acusatório a regulamentação é precisa, evitando que o juiz se arvore num papel que não é seu. Neste aspecto, ou temos um sistema acusatório, onde as partes interessadas no feito produzem a prova sob o crivo do contraditório, ou então, a atuação inquisitória, onde o julgador, assumindo papel de player, buscará provas de ofício e, mesmo que o “dono” da ação penal requeira a absolvição, poderá prolatar sentença penal condenatória. Daí que, no raciocínio de Morais da Rosa, “inexiste um sistema puro, ao ponto que se o julgador passa de espectador para protagonista, infringe-se, a primeira das garantias orgânicas que institui o papel do magistrado: a imparcialidade.”. (Alexandre Moraes da Rosa, 2017). Em resumo, em que pese as alterações e garantias trazidas com a promulgação da Lei 13.964/2019, como por exemplo, o instituto do Juiz das Garantias, o Arquivamento do Inquérito Policial e o Reexame da Prisão Preventiva, fato é que, o “In Dubio Pro Hell” ainda se sobressai no ordenamento jurídico brasileiro, refletindo, infelizmente, na inevitável manutenção da intervenção inquisitória em uma estrutura que se diz acusatória. Eis que, necessária é a preocupação! Afinal, nos deparamos com preceitos de uma performance estatal estabelecida no texto legal e, portanto, interminável. O que leva-nos a uma só conclusão: O sistema somente será acusatório, quando cada parte cumprir o seu papel, sem interferência ou parcialidade. “Até que isso aconteça, o Sistema Processual Penal Brasileiro, segue sendo, como sempre foi, um sistema inquisitório”. (Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, 2003). Osvaldino Nunes Advogado Especialista em Direito Penal e Processo Penal – ABDConst Especialista em Direitos Humanos e Realidades Regionais – Unicesumar Membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB/SC REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Manifesto contra os juizados especiais criminais (uma leitura de certa “efetivação” constitucional). In: SCAFF, Fernando Facury (Org.). Constitucionalizando direitos: 15 anos da constituição brasileira de 1988. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. pp. 347-358. p. 349. BRASIL. Lei 13.964 de 24 de dezembro de 2019. Aperfeiçoa a legislação penal e processual penal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13964.htm . Acesso em: 04/05/2020. BRASIL. Entenda o impacto do Juiz das Garantias no Processo Penal. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-dez-27/limite-penal-entenda-impacto-juiz-garantias-processo-penal . Acesso em 05/05/2020. BRASIL. Jurisprudência. STF. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5840373 . Acesso em: 05/05/2020. BRASIL. Lei 3.689 de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm . Acesso em: 06/05/2020. BRETAS, Adriano. Apontamentos de Processo Penal. Curitiba: Sala de Aula Criminal, 2017. p. 42. MORAIS DA ROSA, Alexandre. Guia do processo penal conforme a teoria dos jogos. Florianópolis: Empório do Direito, 2017. p. 287-289. MORAIS DA ROSA, Alexandre; KHALED JR. Salah Hassan. In Dubio Pro Hell: profanando o sistema penal. 3ª Ed., Editora EMais, Florianópolis, 2018.
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