É incrível como o ser humano vem desenvolvendo novas tecnologias num curto espaço de tempo. A cada dia um aplicativo novo, uma invenção diferente, pois é, pasmem, até máquina que possui a função de lavar, secar, passar e dobrar as roupas já existe. Estamos em pleno ano de 2017, e nós, as autoras deste artigo, tendo que afirmar o óbvio – não nos cabe retirar a dignidade de ninguém, muito menos de uma criança. De uma pessoa condenada a uma pena privativa de liberdade pode-se retirar apenas a liberdade, mas jamais a dignidade. Pois bem, para iniciar o presente artigo, faz-se necessário saber que o Ordenamento Jurídico Pátrio tem como um de seus pilares o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Isso enseja dizer que a República Federativa do Brasil tem como um de seus fundamentos o referido princípio previsto no artigo 1º, inciso, III da Constituição Federal. Sobre o tema, Barroso leciona1:
A saber, todas as normas jurídicas estão umbilicalmente ligadas à Dignidade da Pessoa Humana. Nesse diapasão, nos termos do artigo constitucional 5º, inciso L, “às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação”. Complementando o dispositivo anterior, o texto constitucional determina em seu artigo 5º, inciso XLIX, “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”. No entanto, a realidade difere do que preceitua a Constituição de 1988, evidenciando algo distinto no que tange aos direitos das mulheres grávidas e mães que se encontram encarceradas no nosso sistema prisional. As estatísticas anunciam um aumento avassalador de mulheres grávidas que ingressaram nos presídios nos últimos 16 anos, conforme apresenta o site do CNJ2:
Além dos requisitos inseridos no artigo supracitado da LEP, o artigo 89 do mesmo diploma legal determina que “a penitenciária de mulheres será dotada de seção para gestante e parturiente e de creche para abrigar crianças maiores de 6 (seis) meses e menores de 7 (sete) anos, com a finalidade de assistir a criança desamparada cuja responsável estiver presa”. Apesar disso, os dados disponíveis no site do CNJ3 demonstram que apesar da previsão legal, “apenas há creche em três (7,3%) das 41 unidades citadas no ofício” e “apenas 13 (31%) das unidades respondentes possui berçário”. Assim, o aumento de mulheres ingressadas no sistema carcerário somado às más condições das instalações dos presídios femininos têm sido motivo de estudos e pesquisas sobre a relevante temática ora apresentada. Segundo o site do CNJ, o perfil dessas mulheres, integra na sua maioria mulheres jovens, negras e mães solteiras. Sob essa perspectiva, os dados relatam a seguinte porcentagem4:
Não há como perder de vista que a maioria da população carcerária feminina responde pelo crime de tráfico de entorpecentes. Contudo, torna-se imprescindível mencionar que esse fato não deriva de qualquer categoria de presidiárias, outrossim, tratam-se de mulheres que são mães e encarceradas, ensejando uma situação que faz emanar a indispensabilidade do reconhecimento de suas características como fator essencial para compreender o seu status de vulnerabilidade social. O perfil é contundente: são mulheres que possuem poucos estudos, muitas foram abandonadas pelos maridos ou companheiros, e são as provedoras do lar. Diante de tal cenário, a prática criminalizada surge como opção de complementar/viabilizar o sustento. Os dados de CNJ demonstram que “a vulnerabilidade social do grupo das mulheres presas, especialmente as mães que tiveram filhos na cadeia, também foi constatada pelo fato de 30% delas chefiarem suas famílias... (48%) não tinha concluído o ensino fundamental...”5. A pobreza é indiscutivelmente fonte direta de marginalização, de doença social. Quanto à gestação dentro do presídio, o cenário não poderia ser pior: ambientes insalubres, ausência de creches, precariedade do atendimento à saúde. Neste sentido, identifica-se o não atendimento a um direito básico da gestante e seu feto: o pré-natal, que é um procedimento de acompanhamento essencial do desenvolvimento do feto e cuidados com a saúde da gestante. Sobre o tema, o CNJ revela que6:
Todavia, de todo esse contexto, o momento mais crítico é a hora do parto. Existem mulheres que dão à luz algemadas. Tal condição é deplorável, inaceitável, uma ofensa basilar aos direitos fundamentais da mulher grávida presidiária. Temos que partir do pressuposto que o direito infringido de um cidadão deve ser considerado como o direito infringido de todos os outros. Oras, estamos vivendo num Estado Democrático de Direito e não na Era Medieval! Destarte, a realidade sobre o parto das mulheres encarceradas é demonstrada por intermédio de dados de pesquisas indicados no site do Conselho Nacional de Justiça que revela8:
O momento do parto é sem sombra de dúvida um dos momentos mais importantes da história da vida de qualquer mulher. Retirar a dignidade, e infligir medo e insegurança a uma mulher neste momento, é certamente um ato de crueldade. Importante ressaltar, a pena privativa de liberdade não autoriza o Estado a provocar danos morais, danos existenciais aos encarcerados. A maternidade não pode ser negligenciada pelo sistema carcerário como tem ocorrido atualmente no Brasil. Finalmente, há de se analisar, ainda, que o interesse da criança deve prevalecer até mesmo sobre os interesses da mãe, tendo em vista que a pena da mãe não deve passar para o filho. Os filhos das mulheres presidiárias têm o direito de nascerem livres, de serem amamentados por suas mães em um ambiente adequado, tendo sua saúde amparada desde a sua concepção. Para tanto, existem leis que protegem a maternidade no que diz respeito à mulher encarcerada. Para tanto, a lei existe, porém o que realmente falta é colocar em prática o que já está positivado e que deve estar sobre a observância de todos. Infelizmente não há interesse econômico na proteção de mulheres pobres, grávidas e encarceradas. Não havendo interesse econômico, também não há interesse político. Mas também não há interesse da sociedade civil neste público. O sentimento de vingança infelizmente se sobrepõe ao sentimento de solidariedade com o próximo. Aicha de A. Q. Eroud Acadêmica de Direito do 6º período da faculdade FAFIG Roseméri Simon Bernardi Mestre em Direito pela PUC/PR Advogada Psicóloga Referências: 1 BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. – 5ª ed. – São Paulo: Saraiva, 2015, p. 285 2-3 Número de mulheres presas multiplica por oito em 16 anos. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/85563-numero-de-mulheres-presas-multiplica-por-oito-em-16-anos>. Acesso em 23/10/2017. 4-5-6-8 Jovem, negra e mãe solteira: a dramática situação de quem dá à luz na prisão. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/85402-jovem-negra-e-mae-solteira-a-dramatica-situacao-de-quem-da-a-luz-na-prisao>. Acesso em 23/10/2017. Comments are closed.
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