A crise na democracia delegativa brasileira tem causado intensos debates nos diversos campos de pesquisa sociológicos. As Ciências Políticas tentam explicar as causas de tamanha frustração e os nexos causais entre os fatos e resultados dos conflitos sociais. Conquanto cresce a indignação, os movimentos de resistência se intensificam nas ruas. Assim tem sido no mundo todo. Se a Primavera Árabe pode ser considerada como ponto de referência, o Brasil deve servir como foco para um viés analítico mais cuidadoso, tendo em vista a necessidade de encararmos a transformação do Estado Democrático de Direito num Estado de Exceção Permanente (conceito de Giorgio Agamben). Ponto fulcral para as manifestações que estão ocorrendo sucessivamente é a relação entre as ações – em desconformidade com o status quo – e a criminalização das mesmas, sobretudo após uma expansão evidente, a nível mundial, do chamado Law and Order (ver LoïcWacquant). O expansionismo penal, que busca tutelar bens jurídicos para além do Direito Penal Clássico ou Direito Penal Nuclear (como chama Winfried Hassemer), demonstra-se extremamente perigoso para a vida daqueles que se insurgem contra o sistema políticos, principalmente devido ao centralismo que a legalidade adquiriu nas faculdades de Direito do Brasil. O Direito Penal está apto para criminalizar uma série de condutas que se colocam contra a ordem institucional vigente, portanto que rompem com os aspectos legais, como no caso da Desobediência Civil, vista em ações individuais ou coletivas, de natureza política. Assim, entende-se, à luz do pensamento do sociológico Anthony Giddens, que desobedecer encontra fundamento no direito extrainstitucional ou paralegal. O tema é interessantíssimo para os distintos movimentos sociais, pois em um denominado Estado-empresa (teoria materialista do Estado, trabalhada pelo sociólogo alemão Joaquim Hirsch) a punição sobre atos contrários aos (des)governos são frequentes. Através da desobediência (ver Erich Fromm), as pessoas se infidelizam, legitimamente, contra uma forma sistêmica opressora, viciando os pilares jurídicos tradicionais. Outrossim, a desobediência civil deve ser tratada como situação supralegal de exculpação, ou seja, exclusão de culpabilidade, com característica de excepcionalidade, mas permitida para que uma justiça criminal e constitucional mais adequada seja praticada. Existe um debate mais clássico sobre uma diferenciação entre resistência ativa e desobediência civil. Para alguns doutrinadores, a admissibilidade dessas condutas insurgentes só se daria na medida em que as mesmas não se postulassem contra o Estado em si, na essência da manifestação política, sendo descartada a possibilidade do Direito Penal excluir do seu rol culpável aqueles que agem de modo revolucionário. No entanto, nada mais limitante e injusto do que tal entendimento, ao acometimento de uma compreensão mais moderna das teorias que se fundam no direito de resistência (ver Roberto Gargarella). A desconformidade de caráter revolucionário do agente com o ordenamento jurídico deve ser validado por causa da aceitabilidade de um Direito Alternativo, baseado, em parte, pela Teoria Crítica do Direito (Universidade de Frankfurt a.M.), creditando razoabilidade em decisões favoráveis ao uso da própria violência como fundamento para a exclusão supralegal da culpabilidade, em torno de um injusto penal (ver Juarez Tavares). A desobediência civil não pode ser engendrada em categorias simples. É um direito que deve ser vinculado ao neoconstitucionalismo e à moderna teoria dos direitos fundamentais, pois, normalmente, a existência dos desobedientes está ligada à ausência estatal perante ao exercício de direitos humanos considerados fundamentais. À guisa de conclusão, devemos compreender que se os direitos não são reconhecidos pelo Estado, o Direito Penal não pode atuar como instrumento de tutela de ações que buscam o resgate histórico desses direitos. Não cabe a utilização de qualquer critério teleológico quanto à função da pena criminal, portanto, não se consegue justificar a mão pesada do Estado, com o apoio da criminologia midiática (identificada por Eugenio Raúl Zaffaroni), massacrando a Insurgência. Os direitos atípicos não podem ser afastados. Sob um juízo de exigibilidade de consonância com as normas aplicáveis postas, numa ótica de plena dirigibilidade normativa, a desobediência está, na prática, fora do alcance do Estado Democrático de Direito. Não dá para conciliar com essa ideia. A vulnerabilidade da Resistência Civil não pode ser confundida com a violência do opressor. Assim sendo, defende-se, aqui, que seja reconhecida a constitucionalidade da Desobediência como causa de exculpação supralegal, eximindo-a dos efeitos referentes à tutela jurídico-penal. O conhecido jus puniendi do Estado-repressor (demonstrado por ClausOffe). Afinal, nenhum clichê é mais imprescindível do que “(...) entre o Direito e a Justiça, fiquemos com a segunda opção”. Viva a resistência! Valter Guerreiro Estagiário Profissional – Gomes Pinheiro Advogados Associados S/S Acadêmico de Direito da Escola de Direito da FA7 Fortaleza, CE.
0 Comments
Leave a Reply. |
ColunaS
All
|
|
Os artigos publicados, por colunistas e convidados, são de responsabilidade exclusiva dos autores, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento da Sala de Aula Criminal.
ISSN 2526-0456 |