A MORTE DO IN DUBIO PRO REO ANTE O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA COM BASE NO IN DUBIO PRO SOCIETATE5/26/2020 Estreando como Colunista do Sala de Aula Criminal, Bruna Simioni reflete sobre o equívoco do recebimento da denúncia nos processos criminais, com base no princípio do in dubio pro societate. Vale a leitura! Por Bruna Simioni Algo que muitas vezes intriga é o sentimento e a sensação de incerteza quanto a superação do modelo inquisitório no Brasil, e a efetiva aplicação e concretização de um sistema acusatório, a partir de uma leitura constitucional, com a, consequente, efetivação de direitos e garantias.
É sempre possível se deparar com a utilização de institutos não pertencentes ao direito processual penal, de retóricas antigas, ultrapassadas e, como bem coloca Alexandre Morais da Rosa, “regras de bolso’, utilizadas sem maior reflexão”. (p. 131) O que se deve, inicialmente e sempre, compreender é o fato de o processo penal não ser um mero “instrumento a serviço do poder punitivo”, mas sim um percurso necessário e indispensável “para chegar-se, legitimamente, à pena” (LOPES JUNIOR, p. 32), e nesse sentido a necessidade de uma leitura e à luz das disposições constitucionais. A promulgação da Constituição Federal de 1988 constitui marco político ao estabelecer o Estado Democrático de Direito e consagrar extenso rol de direitos e garantias individuais. (CAMARGO, p. 71) Dentre os dispositivos constitucionais, de caráter fundamental, coloca-se em evidência o princípio da presunção de inocência, previsto no art. 5°, LVII que estabelece que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença condenatória”, o qual foi incorporado a legislação Pátria visto que já anuía com a previsão na Declaração Universal de Direitos do Homem, de 1948. (CAMARGO, p. 99) Caminha ao lado do princípio da presunção de inocência o chamado princípio do in dubio pro reo, utilizado como “critério pragmático de solução da incerteza (dúvida) judicial” (LOPES JUNIOR, p. 357), sendo aplicado sempre que as provas colacionadas aos autos não sejam suficientes para ensejar a condenação do réu. Entretanto, em que pese a existência do princípio da presunção de inocência e do in dubio pro reo, o STJ tem o entendimento de que na fase de juízo de admissibilidade deve vigorar o princípio do in dubio pro societate, sendo, apenas, necessário para o recebimento da denúncia os indícios de autoria e materialidade, devendo a certeza e esclarecimentos de dúvidas ocorrer quando da análise do material probatório ao longo da instrução criminal. Ou seja, havendo indícios de autoria e materialidade a denúncia deve ser recebida com base ao argumento de que na dúvida a decisão deve-se dar em favor da sociedade. Porém o posicionamento adotado surge estabelecendo que “o processo penal pode se iniciar/ continuar sem que se tenha a dimensão do impacto subjetivo do lugar de acusado/condenado”. (ROSA, p. 132). Atenta-se para o fato da utilização de um princípio que não possui “a mínima base constitucional” (LOPES JUNIOR, p. 359), sendo verdadeira “expressão patológica do ranço inquisitório do processo penal do inimigo”. (ROSA, p. 134). Cumpre asseverar que, a peça denunciatória deve estar de acordo com o disposto no art. 41 do Código de Processo Penal, o qual dispõe sobre a necessidade de exposição do fato criminoso, as circunstâncias da sua ocorrência, qualificação do acusado ou esclarecimentos para sua identificação, classificação do crime e, quando necessário, o rol de testemunhas. A não observância do artigo 41 do Código de Processo Penal conduz a rejeição da peça acusatória, estabelecendo o artigo 395 do mesmo código, as hipóteses e dentre elas salienta a prevista no inciso III “faltar justa causa para o exercício da ação penal”. Elencada em inciso próprio a justa causa constitui uma das condições da ação, podendo ser entendida como a “existência de uma causa jurídica e fática que legitime e justifique a acusação (e a própria intervenção penal)”, pressupõe a existência de dois fatores: indícios de autoria e materialidade e, o “caráter fragmentário da intervenção penal”. (LOPES JUNIOR, 2018, p. 196), não podendo ser “entendida como o acoplamento hipotético-formal da acusação” (LOPES JUNIOR; ROSA, 2017), e uma vez ausente é passível de rejeição. Cabendo, portanto, ao acusador a prova da ocorrência de um crime, provando estar presente “todos os elementos que integram a tipicidade, a ilicitude e a culpabilidade e, logicamente, a inexistência das causas de justificação”. (LOPES Jr, p. 357). Qualquer dúvida que exista em relação aos elementos necessários para o recebimento da denúncia não pode ser atribuída em desfavor do réu e “se há dúvida, é porque o Ministério Público não logrou êxito na acusação que formulou em sua denúncia, sob o aspecto da autoria e materialidade”. (RANGEL, p. 670) O processo penal ao ser instaurado já é considerado danoso ao réu e admitir a dúvida a seu favor é “inaceitável dentro da estrutura de um Estado Democrático de Direito, que deve ter como um de seus propósitos fundamentais a contenção regrada do poder punitivo”. (ROSA, p. 136) A observância das disposições constitucionais, inclusive, na fase inicial, não somente evita abusos, arbitrariedades e excessos que possam, eventualmente, serem cometidos, mas, também, limitam o poder de punir do Estado e garantem direitos fundamentais do acusado. Bruna Isabelle Simioni Silva Mestre em Direitos Fundamentais e Democracia, Graduada em Direito, Professora de Direito Penal e Processual Penal - Graduação e Pós Graduação. Advogada criminalista. Referências biliográficas CAMARGO, Mônica Ovinski de. Princípio da Presunção de Inocência no Brasil: o conflito entre punir e libertar. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. LOPES JR., Aury. Direito processual penal. 15. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018. LOPES JR., Aury. Fundamentos do processo penal. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2018. LOPES JUNIOR, Aury; ROSA, Alexandre Morais da. Conheça a pedalada retórica do in dubio pro societate. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2017-jul-14/limite-penal-conheca-pedalada-retorica-in-dubio-pro-societate>. Acesso em 19 de maio de 2020. RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 27. ed. São Paulo: Atlas, 2019. ROSA, Alexandre Morais da. Guia de processo penal conforme a teoria dos jogos. 5. ed. rev., atual e amp. Florianópolis: EMais, 2019.
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