PRECISAMOS (RE)PENSAR A POLÍTICA CRIMINAL DE DROGAS
Entendendo que para a necessária compreensão do presente, bem como uma reflexão mais aprimorada para pensarmos no futuro, se faz necessário olhar para o passado, para assim compreendermos os erros e acertos que tivemos.
Prima facie para abarcarmos na Política de Drogas, deve-se partir do pressuposto que as substâncias hoje reconhecidas como entorpecentes e proibidas pela legislação brasileira, eram utilizadas antes mesmo de serem reconhecidas como algo maléfico à saúde. Tendo uma delas sido motivo central de uma guerra entre países, como a guerra do ópio ocorrida entre Grã-Bretanha e China. Desta forma, verifica-se que nem sempre as drogas foram tidas como ilícitas ou proibidas. Porém, quanto a origem da proibição das substâncias, não é possível apontar um ponto de partida único, sendo que Salo de Carvalho, descreve como algo impossível de se delinear como começo meio e fim, mas sim como um processo moralizador e volátil.[1] Não obstante, pode-se citar como precursor de um modelo proibicionista sistematizado, Richard Nixon e sua política de “Guerra as Drogas”. O discurso de Nixon, derivava do aumento da utilização das substâncias entorpecentes e sua entrada através da fronteira entre as décadas de 40 e 60, em verdade, há relatos que as drogas tiveram uma conotação com carga negativa, devido a grande maioria de seus usuários serem mexicanos e posteriormente negros americanos que moravam na periferia, caracterizando o discurso contra o inimigo interno. Dotada de uma carga negativa em sua utilização, tendo em vista que na época existia o preconceito contra estrangeiros, criou-se o discurso contra o inimigo externo, sendo que os E.U.A. fecharam suas fronteiras com o México, China e demais países exportadores de entorpecentes para os E.U.A. Destarte, tomando um rumo proibicionista mais incisivo, como marco internacional, cita-se a Convenção de Viena em 1971, determinando a proibição da comercialização de algumas substâncias consideradas nocivas à saúde. Em continuidade ao discurso de Nixon, Ronald Reagan presidente dos E.U.A. na década de 80, por sua vez, toma medidas mais repressivas contra as drogas, adotando medidas militarizadas para o combate, em especial da substância conhecida como cocaína, sendo estabelecida em 1984 na Casa Branca a estratégia nacional para a prevenção do uso e o tráfico de drogas. Noutro lado, surgem os cartéis do tráfico, que por sua vez, adotam posturas empreendedoras por assim dizer, se estruturando e agindo paralelamente ao Estado. Ao final da década de 80, com o aumento exacerbado do consumo das substâncias entorpecentes, a nível internacional é aprovado e ratificado pelo Brasil em 1991, a Convenção Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e de Substâncias Psicotrópicas realizada em Viena em 1988[2] Ainda, foram realizadas diversas outras convenções para discussões acerca do combate ao tráfico, sempre com os ideais da política repressiva com relação aos entorpecentes. Com relação a Política Criminal de Drogas no Brasil, podemos notar o primeiro registro acerca da proibição em 1890, ainda de forma tímida no Código de 1890[3], como um crime contra a saúde pública, estando previsto no artigo 159 do Código da época. A terminologia drogas ou entorpecentes ainda não era adotada, e muito menos a pena de prisão, a terminologia adotada era substâncias venenosas e a pena fixada com multa. Com o gradativo aumento no consumo das substâncias, em especial o ópio e haxixe, em 1932 houve uma alteração do Código para fins de adotar uma política mais repressiva no que tange a comercialização e o uso de entorpecentes[4]. Nesta alteração, a terminologia adotada para as substâncias foi agora de fato entorpecentes, bem como ficou previsto a pena de reclusão para quem transgredisse a norma. Sendo assim, com tais alterações pode-se dizer houve um verdadeiro modelo repressivo contra as drogas. Porém, o modelo sistematizado de proibição brasileiro urge somente com o Código Penal de 1940. Na década de 60, contrariando a orientação internacional, que já aceitava o discurso do usuário como doente e que necessita de tratamento e não de pena, no Brasil com o Decreto-lei 385/68 altera o art. 281 do Código Penal e passa a adotar as mesmas medidas para usuários e traficantes, sem qualquer distinção. Avançando historicamente, na década de 70, há várias alterações legislativas no que tange a Política de Drogas, primeiramente no início da década, de modo ainda mascarado, a legislação brasileira tenta adotar um discurso do usuário como doente, porém sem diferenciação entre usuário e traficante, possuindo as mesmas penas. Já ao final da década, com a criação do Programa Nacional Anti-Drogas (PANAD), houve a distinção entre o usuário e o traficante, tratando o primeiro como alguém que necessita de tratamento e o último com extremo rigor. O programa possuía como escopo fundamental reduzir 50% do consumo de substâncias entorpecentes no prazo de 10 anos, porém em 2009 os representantes dos países se reúnem com agencias de controle internacional e ONG’s, ao qual constataram que o plano de redução foi um completo fracasso. Vendo a necessidade de mais uma vez reformular a lei sobre a Política de Drogas, é criado a então vigente 11.343/2006. Porém, em todos os anos, além do aumento do consumo das substâncias entorpecentes, bem como da sua comercialização, houve um aumento expressivo no que tange a violência ligada aos antigos cartéis do tráfico, que com o passar dos anos se estruturaram e fortaleceram ainda mais. Tais problemas ainda refletem no cometimento de diversos crimes ligados ao tráfico, tais quais, mortes, trocas de tiros entre o aparelho repressivo do Estado e o poder paralelo instalado, disputas de territórios, dentre outros delitos. Por óbvio, não apresentamos o contexto completo de todo o percurso da Política de Drogas e todas as suas alterações no contexto fático histórico e legislativo, porém, se fez esta análise justamente para questionar a proibição como fato gerador do poder paralelo ao Estado. Nota-se que a Política de Drogas se assemelha muito à Política no que tange o Álcool nos E.U.A. entre 1920 e 1933, a qual proibiu a comercialização de bebidas alcóolicas. Importante salientar que a política adotada nos E.U.A. se deu em um contexto de imigração de irlandeses para seu território, e estes, por sua vez, consumiam muitas bebidas alcóolicas. Associando o álcool aos problemas de moralidade, sendo o Estado religioso à época, determinou-se a proibição da comercialização de bebidas alcóolicas. Outrossim, com a proibição houve um aumento exacerbado na criminalidade em torno do álcool, e o surgimento da tão conhecida Máfia do Álcool de Al-Capone. Entre o período em que o álcool foi proibido nos E.U.A. gerou uma criminalidade ainda maior com a disputa de territórios e a comercialização ilegal e extremamente lucrativa do álcool. Com a proibição, as bebidas alcóolicas tornaram escassas e quem lucrou com tal escassez foi o comércio ilegal, que por sua vez, para manter seu território e o comércio armaram-se belicamente, utilizando-se das armas ora contra os demais traficantes do álcool, ora contra a polícia. Maria Lúcia Karam realiza uma exposição brilhante em uma palestra promovida pela LEAP BRASIL em conjunto com a EMERJ[5], assemelhando os dois modelos proibicionistas do álcool e das drogas, concluindo que, a proibição gerou ainda mais violência, sendo pior que o próprio consumo das referidas substâncias. Sendo assim, adotando o mesmo posicionamento, percebe-se nitidamente que os dois modelos realmente se assemelham, sendo o início da proibição pautada na moralidade e associada ao indivíduo consumidor, que por sua vez é dotado de uma carga negativa pelos demais da sociedade. A fortificação do poder paralelo as margens do Estado, possuindo cada vez mais poder aquisitivo, bem como armamento bélico para proteger seu território de “concorrentes” e do poder repressivo do Estado. E por fim, importante salientar que, os problemas ligados a máfia do álcool tiveram seu fim através do retorno da comercialização do álcool com o controle estatal novamente em suas mãos. Fato o é, que não vemos nos dias atuais, homens fortemente armados em torno de fábricas de cerveja ou outras bebidas etílicas. Devemos encarar o consumo de substâncias nocivas à saúde como algo que sempre existiu dentro da sociedade, ou seja, como algo inerente ao ser humano, e como consequente problema de saúde pública. A partir do momento que pensamos que o modelo proibicionista falhou veementemente na repressão às drogas, e trouxe consigo uma gama de problemas, sendo eles o poder paralelo estruturado, podemos concluir que não precisamos do direito penal para reprimir, precisamos mesmo é repensar e rediscutir urgentemente a Política de Drogas. Se com a mudança da Política acerca do álcool comprovadamente funcionou no que tange a diminuição da criminalidade, o questionamento remanescente é:a Política de Drogas continua a mesma porquê? Bryan Bueno Lechenakoski Advogado Criminal Pós-graduando em Processo Penal e Direito Penal na ABDCONST. Pós-graduando em Direito Contemporâneo no Curso Jurídico. [1] CARVALHO, Salo de. (2013). A política Criminal de Drogas no Brasil (Vol. 6 ed. rev. atual. eampl.). São Paulo: Saraiva. pag. 56. [2]http://www.oas.org/juridico/MLA/pt/bra/pt_bra_1988_convencao_trafico.pdf [3]legis.senado.gov.br/legislacao/ListaNormas.action?numero=847&tipo_norma=DEC&data=189 01011&link=s [4] CARVALHO, Salo de. (2013). A política Criminal de Drogas no Brasil (Vol. 6 ed. rev. atual. eampl.). São Paulo: Saraiva. Pág. 59 [5] KARAM, Maria Lucia. Palestra na abertura do seminário “Drogas: dos perigos da proibição à necessidade da legalização” promovida por LEAP BRASIL, em conjunto com o Fórum Permanente de Direitos Humanos da EMERJ, e ICC – Rio de Janeiro-RJ- 4 de abril de 2013. Disponível em: http://www.leapbrasil.com.br/media/uploads/texto/57_SEMIN%C3%81RIO%20LEAP-ICC%20-%20Apresenta%C3%A7%C3%A3o.pdf?1365476879 Comments are closed.
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ISSN 2526-0456 |