Artigo do colunista Iuri Machado no sala de aula criminal, vale a leitura! ''Para resguardar a imparcialidade dos julgadores, a legislação brasileira prevê exceções de impedimento, de incompatibilidade e de suspeição, cujas hipóteses de cabimento estão previstas dos artigos 252 ao 254 do CPP. Nada obstante a jurisprudência da Corte, a jurisprudência brasileira ainda é no sentido de que as causas de impedimento são taxativas e que as causas de suspeição são exemplificativas''. Por Iuri Machado Ainda que pareça ser uma utopia no judiciário brasileiro (que cada vez mais se distancia), a imparcialidade é tida como o princípio mais importante do processo penal, vez que justiça sem imparcialidade não passa de um mero simulacro. Dada a importância do princípio, as cortes internacionais de direitos humanos têm proferido diversos julgados sobre o mesmo.
A Corte Interamericana de Direitos Humanos (em diante, Corte) e o Tribunal Europeu de Direitos do Homem (em diante, TEDH), no intuito de dar maior proteção ao princípio, há longa data, definiram que existe uma diferença entre a imparcialidade subjetiva e a objetiva. Os casos Piersack v. Bélgica e De Cubber v. Bélgica são os marcos iniciais para tal diferenciação, conforme exposto em colunas anteriores: O Tribunal reconheceu que existe uma diferença entre imparcialidade subjetiva e objetiva, consignando que: 30. Whilst impartiality normally denotes absence of prejudice or bias, its existence or otherwise can, notably under Article 6 § 1 (art. 6-1) of the Convention, be tested in various ways. A distinction can be drawn in this context between a subjective approach, that is endeavouring to ascertain the personal conviction of a given judge in a given case, and an objective approach, that is determining whether he offered guarantees sufficient to exclude any legitimate doubt in this respect. A partir de tal distinção, reconheceu que no caso não existia prova de ofensa à imparcialidade subjetiva, a qual deve ser presumida até que se prove o contrário. Por outro lado, quanto à imparcialidade objetiva afirmou que ante as circunstâncias do caso “it is sufficient to find that the impartiality of the "tribunal" which had to determine the merits (in the French text: "bien-fondé") of the charge was capable of appearing open to doubt.”, reconhecendo violação ao art. 6, 1, da Convenção. (MACHADO, 2020) Ante tais circunstancias fáticas, o TEDH consignou que a imparcialidade subjetiva do julgador se presume até prova em contrário e que tal não havia sido objeto do recurso do sr. De Cubber. Por outro lado, no tocante à imparcialidade objetiva, foi consignado que sua aparência perante a sociedade é crucial para um justo julgamento: 26. However, it is not possible for the Court to confine itself to a purely subjective test; account must also be taken of considerations relating to the functions exercised and to internal organisation (the objective approach). In this regard, even appearances may be important; in the words of the English maxim quoted in, for example, the Delcourt judgment of 17 January 1970(Series A no. 11, p. 17, para. 31), "justice must not only be done: it must also be seen to be done". As the Belgian Court of Cassation has observed (21 February 1979, Pasicrisie 1979, I, p. 750), any judge in respect of whom there is a legitimate reason to fear a lack of impartiality must withdraw. What is at stake is the confidence which the courts in a democratic society must inspire in the public and above all, as far as criminal proceedings are concerned, in the accused (see the above-mentioned judgment of 1 October1982, pp. 14-15, para. 30). (MACHADO, 2020) A Corte aplicou tal entendimento, dentre outros, nos casos: Apitz Barbera e outros vs. Venezuela; Caso Usón Ramírez vs. Venezuela. Tem-se, então, que em âmbito convencional, é incontroverso que o julgador não pode ser, nem mesmo parecer ser imparcial. Para resguardar a imparcialidade dos julgadores, a legislação brasileira prevê hipóteses de impedimento, de incompatibilidade e de suspeição, que estão previstas dos artigos 252 ao 254 do CPP. Nada obstante a jurisprudência da Corte, a brasileira ainda é (majoritariamente) no sentido de que as causas de impedimento são taxativas e que as causas de suspeição são exemplificativas. No tocante aos jurados, a legislação prevê as hipóteses de isenção, suspeição, impedimento e incompatibilidade dos jurados, que estão previstas dos artigos 448 ao 451 do CPP. A imparcialidade dos jurados pode ser desafiada por meio das recusas motivadas (que não possuem o mesmo limite numérico das imotivadas) e pelo desaforamento (art. 427 do CPP). No que concerne ao desaforamento, apesar de não existirem hipóteses de imparcialidade elencadas, a interpretação que os Tribunais dão acaba por ser por demais restritivas, conforme se percebe de recente julgado do Superior Tribunal de Justiça em que se afirmou: “3. A mera presunção de parcialidade dos jurados em razão da divulgação dos fatos e da opinião da mídia é insuficiente para o deferimento da medida excepcional do desaforamento da competência.” (HC 492.964/MS, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 03/03/2020, DJe 23/03/2020). Assim, percebe-se que a jurisprudência brasileira não adota a imparcialidade objetiva com relação aos jurados, o que leva aos questionamentos: Deve ser assegurada a imparcialidade objetiva dos jurados? Em caso positivo, como é possível resguardá-la? A preocupação das Cortes Internacionais com a imparcialidade levou estas a avaliarem hipóteses de ofensa ao princípio quando do julgamento por juízes leigos. O TEDH, no caso Hanif e Khan v. Reino Unido, julgado pela 4ª Seção, consignou no parágrafo 138 que é crucial que as cortes inspirem confiança na sociedade, em especial ao acusado, e “to that end it has constantly stressed that a tribunal, including a jury, must be impartial from an objective as well as a subjective point of view”. A Corte, no Caso V.R.P., V.P.C.* Y Otros vs. Nicaragua, adotou o mesmo entendimento do TEDH, afirmando que “la denominada imparcialidad objetiva consiste en determinar si el juez cuestionado brindó elementos convincentes que permitan eliminar temores legítimos o fundadas sospechas de parcialidad sobre su persona. La Corte advierte que dichos parámetros son aplicables también a los miembros del jurado”[1]. Importante destacar que neste caso a Corte entendeu que houve “violación de la garantía de imparcialidad objetiva, prevista en el artículo 8.1de la Convención”. De tal modo, por ser obrigação convencional, a imparcialidade objetiva dos jurados deve ser resguardada. O que leva a segunda questão. A fim de resguardar a validade do julgamento por jurados, um devido processo convencional, a Corte delineou algumas regras, dentre as quais, a necessidade do voir dire: 245. La Corte nota que el procedimiento central en que puede disiparse la posible imparcialidad del jurado es la audiencia de desinsaculación, que en los sistemas anglo-sajones se denomina voir dire. Este procedimiento cobra especial relevancia en casos de violencia sexual, a fin de establecer si los jurados portan prejuicios y creencias falsas al respecto que pudieran influir negativamente sobre su valoración del caso en concreto a través de los prejuicios y mitos presentes en el imaginario social. En el caso de Nicaragua, se preveía dicha instancia con la posibilidad de recusara un jurado sin causa (supra párr. 230). Sabe-se, no Brasil não existe uma fase denominada voir dire, “em que as partes podem elaborar perguntas aos jurados, de forma a identificar possíveis tendências e inclinações” (AVELAR e FAUCZ, 2020, p. 371). Nada obstante, como fundamentado pela Corte, tal procedimento é essencial para averiguação da imparcialidade dos jurados. Neste sentido, ao tratar do direito estadunidense, Mckeen e Toutant defendem que “without a meaningful voir dire, however, litigants (civil or criminal) can be deprived of their rights to fair trials, while jeopardizing the equal protection rights of both litigants and jurors” (2011, p. 30), concluem que “A court’s refusal to permit attorney participation in voir dire deprives litigants of an impartial jury and denies potential jurors their fundamental right of equal protection under the law” (2011, p. 30). Nos Estados Unidos, o potencial jurado (venireperson) pode ser excluído por dois métodos, o challenge for cause e o peremptory challenge. O primeiro deve ser fundamentado e não encontra limitação numérica, ao passo que o segundo está ligado com a intuição das partes, conforme explicam Crocker e Kovera: There are two mechanisms by which attorneys may eliminate members of the venire panel, challenges for cause and peremptory challenges. […] As the Sixth Amendment provides defendants with the right to an impartial jury, venirepersons who express an inability to set aside bias or decide the case solely based upon the evidence may be excused from jury service through a challenge for cause. Challenges for cause are unlimited in number. The peremptory challenge is a tool that attorneys may use to excuse jurors for any other reason they see fit (withsome restrictions that will be discussed later).(CROCKER, KOVERA. 2011, p. 13). Importante pontuar que a Suprema Corte Estadunidense, ao longo dos anos, procurou limitar a peremptory challenge, a fim de diminuir formação de júris preconceituosos: There are some limitations to the use of peremptory challenge, however. Attorneys may not exclude venire members specifically on the basis of their status as a member of a cognizable group, such as race (Batson v.Kentucky, 1986; Miller-El v. Dretke, 2005) or gender (J.E.B. v. Alabama ex rel. T.B.,1994). Venire members are also protected under the law in some jurisdictions from exclusion based on socioeconomic status (Thiel v. Southern Pacific Co, 1946), sexual orientation (People v. Garcia, 2000), or religion (State v. Fulton, 1992). Apesar de existir uma certa semelhança com as recusas motivas e imotivadas do direito processual brasileiro, o voir dire é muito mais amplo, possibilita uma maior averiguação da imparcialidade subjetiva e objetiva. Assim, levando em consideração que “o Poder Judiciário deve levar em conta não apenas o tratado, mas também a interpretação que a Corte Interamericana, intérprete última da Convenção Americana, fez do mesmo” (Caso Almonacid Arellano e outros Vs. Chile), imperioso que seja dada interpretação conforme ao Código de Processo Penal, a fim de possibilitar que as partes possam inquirir os jurados quando de suas recusas. Iuri Victor Romero Machado Advogado Criminal e Professor de Direito Penal e Processo Penal. Especialista em Direito e Processo Penal. Vice-Presidente da Comissão de Assuntos Penitenciários da ANACRIM-PR. Ig: @iuri_vrmachado REFERÊNCIAS AVELAR, Daniel Ribeiro Surdi; SILVA, Rodrigo Fauz Pereira e. Manual do tribunal do júri. São Paulo: RT, 2020. Corte Interamericana De Derechos Humanos. Caso Almonacid Arellano y otros Vs. Chile. Sentencia de 26 de septiembre de 2006. _____. Caso V.R.P., V.P.C.* y Otros vs. Nicaragua. Sentencia de 8 de marzo de 2018. CROCKER, Caroline B.; KOVERA, Margaret B. (2011). Systematic jury selection. In R. L. Wiener & B. H. Bornstein (Eds.), Handbook of trial consulting (p. 13–31). Springer Science + Business Media. European Court of Human Rights. Fourth Section. Case of Hanif and Khan v. The United Kingdom. Judgment Strasbourg 20 December 2011. MACHADO, Iuri Victor Romero. Quem acusa pode julgar? Disponível em: <http://www.salacriminal.com/home/quem-acusa-pode-julgar>. Acesso em 27.02.21. MACHADO, Iuri Victor Romero. Quem investiga pode julgar? O Supremo Tribunal Federal e o caso de Cubber contra Bélgica. Disponível em: <http://www.salacriminal.com/home/quem-investiga-pode-julgar-o-supremo-tribunal-federal-e-o-caso-de-cubber-contra-belgica>. Acesso em 27.02.21. MCKEEN, Brian J.; TOURANT, Phillip B. The case for attorney-conducted voir dire. In Michigan Bar Journal: November 2011, Volume 90, No. 11. NOTAS: [1] A Corte afirmou que: “240. En esta línea, el Tribunal Europeo de Derechos Humanos ha sostenido que, cualquiera sea el sistema procesal de enjuiciamiento que se implemente, resulta fundamental para la existencia de una sociedad democrática que los tribunales inspiren confianza a los ciudadanos y, sobre todo en el proceso penal, al acusado. Para ello, ha afirmado que todo tribunal, incluido el jurado, debe ser imparcial desde un punto de vista tanto objetivo como subjetivo. La imparcialidad del juez y del jurado se presume, siempre que no se demuestre lo contrario, según las circunstancias del caso concreto''.
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