As famosas “operações” têm ganhado destaque no imaginário popular nos tempos recentes. Para além de seus nomes curiosos e panfletários, o grande número de autoridades envolvidas e as atividades realizadas têm ganhado ampla cobertura nos meios de comunicação de massa, sobretudo em razão da relação de pessoas indicadas nas investigações, muitas vezes empresários e políticos. E, como não podia ser diferente, também ganha destaque no seio das aludidas “operações” a atuação dos advogados criminais, sobre a qual recai o tema desta coluna.
Pois bem. Em primeiro lugar, antes do ingresso efetivo no tema, é necessário que se explique do que se tratam estas “operações” e como elas costumam ter início. Uma “operação” não se trata, na esmagadora maioria dos casos, de um processo único. Muito pelo contrário. Acaba por englobar uma grande quantidade de feitos, todos conectados, com a finalidade de apurar ilicitudes em determinados contextos. Na realidade, o termo “operação” somente tem sentido quando há, de fato, o que chamamos de deflagração, na qual há uma grande mobilização de agentes policiais, promotores e até mesmo auditores fiscais que visam cumprir determinadas medidas – como prisões cautelares e buscas e apreensões – em locais previamente especificados, onde estão documentos e pessoas relacionados aos fatos, os denominados “alvos” das investigações. Os processos judiciais em si, como é o caso das ações penais decorrentes, embora carreguem a denominação da “operação”, já são propriamente uma fase posterior. Em resumo, toda a liturgia das “operações” tem início com uma investigação preliminar, originada numa mera denúncia de irregularidade ou encaminhamento de peças de informação de outros órgãos, como a Receita Federal ou Estadual. A partir de tal comunicação, o Ministério Público ou a autoridade policial dão início a um inquérito, pelo qual delimitam diversas linhas de investigação e indicam caminhos para a colheita de elementos de informação (indícios) da prática dos crimes. Com o desenvolvimento dos trabalhos, pode ser que as autoridades responsáveis pela investigação apurem uma ampla gama de possíveis crimes cometidos e a possibilidade do envolvimento de diversas pessoas nos fatos ilícitos, demonstrando eventual complexidade do caso. Ao apurar que os fatos supostamente criminosos são vários e que a colheita da prova torna-se uma tarefa complicada, máxime quando há riscos de dilapidação ou ocultação de tais elementos, as autoridades envolvidas costumam requerer judicialmente a decretação de certas medidas cautelares, sendo a mais comum delas a busca e apreensão, como também o são as prisões, temporárias ou preventivas. É neste momento, aliás, que passamos a ter os juízes que se tornarão preventos para o julgamento futuro de uma eventual ação penal consequente. Enfim. A partir da decisão judicial que acolhe o pedido de medida cautelar feito pela autoridade policial ou pelo membro do Ministério Público, dá-se início ao que denominamos como “operação” (que, em breve, passará a ter um nome representativo). É quando, após a expedição dos respectivos mandados (de busca e apreensão ou de prisão), as autoridades executoras (por excelência a polícia) definem a quantidade de agentes que serão empregados, os dias e os horários em que serão cumpridas as ordens judiciais e as equipes responsáveis por cada “alvo” (termo utilizado para definir os locais e as pessoas apontadas nos mandados). O cumprimento das medidas cautelares, como se vê, indica de fato a deflagração da “operação”. Posteriormente, após a colheita dos elementos de prova, pode ser que haja o oferecimento de uma denúncia por parte do Ministério Público, dando início ao processo penal propriamente dito, o qual, como dito, acaba por carregar o nome da “operação” que lhe deu origem. Mas e então, qual o papel desempenhado pelo advogado criminal neste novo contexto de grandes “operações”? Na nova dinâmica do processo penal, permeado pela deflagração de grandes “operações”, a atuação dos advogados criminais precisou (e precisa) de uma completa mudança de paradigma, sobretudo quando se tem em mente a forma em que se firmava a atividade advocatícia no passado. Quer-se dizer, atualmente, que o contexto dos processos se alterou de tal forma que não há mais espaço para atuações concentradas e individualizadas num único processo, como era no passado. O advogado criminal que pretende se inserir neste novo contexto tem de compreender que sua atuação deve abranger uma grande quantidade de processos e investigações, muitas das quais com grandes quantidades de documentos e elementos de informação, sobre os quais deverá debruçar-se com afinco e extrema atenção aos detalhes. O vetusto tempo dos processos individualizados, de no máximo um ou dois réus, se passou – pelo menos no que se refere aos casos de grande notoriedade. A nova advocacia criminal, aliás, deixa poucos espaços aos “solitários”, aqueles que trabalham sozinhos em escritórios reduzidos. Em virtude do alto grau de complexidade das “operações”, é cada vez mais exigível do profissional que detenha o auxílio de uma verdadeira equipe de defesa, na qual cada um dos membros desempenha função essencial na construção total do trabalho defensivo. Nesse novo contexto de “operações”, o advogado criminal não pode ficar reduzido ao conhecimento técnico do direito e do processo penal, que continuam sendo importantes, por óbvio; mas deve também compreender outras ramos do direito e outras áreas do conhecimento. Não é incomum, nestes casos, que o advogado tenha que enfrentar questões atinentes ao direito tributário ou ao direito empresarial, como também não é incomum que se veja diante de conceitos e documentos contábeis ou relativos a outras áreas técnicas, como a engenharia ou a medicina. Além disso, essa nova seara processual – podemos assim dizer – exige uma intensa atuação jurídica. Como dito, tais “operações” têm início no cumprimento de medidas cautelares, inclusive prisões. Isso deságua na necessidade de um amplo trabalho de “gerenciamento” da crise gerada. É preciso que o advogado esteja, ao mesmo tempo, preparado para acompanhar seu assistido imediatamente numa inquirição policial (ato subsequente às prisões) e pronto para interposição de medidas cabíveis, como habeas corpus, pedidos de restituição de bens, habilitação noutros processos conexos e colheita do maior número possível de informações do caso. Não se olvide que as “operações” se desencadeiam de forma bastante tormentosa com relação ao investigado. Todos os atos de cumprimento de medidas cautelares costumam primar pelo “elemento surpresa”, afetando a vida do assistido num momento de extrema vulnerabilidade. Sem mencionar que “por uma questão estratégica” (na realidade, no sentido de dificultar o direito de defesa), muitas dessas “operações” ocorrem em vésperas de feriados ou de recessos judiciários, tornando a atividade da defesa muito mais difícil, pois amplamente dependente de decisões judiciais exaradas em período de plantão, ou seja, pelo magistrado que não conduzirá a causa posteriormente – o que pode ser algo desvantajoso se levarmos em conta que o juiz de plantão muitas vezes não tem acesso à integralidade dos elementos colhidos. Todas essas nuances ajudam a pintar o quadro representativo da nova advocacia criminal. Não bastasse isso, ainda temos que os delitos comumente tratados nesses processos são, por si, complexos, muitas vezes previstos em leis esparsas e, para completar, dependentes de normas complementares administrativas (pois são casos de “normas penais em branco”). Tudo isso torna bastante difícil a vida do advogado criminal que não está atualizado ou focado em compreender novas figuras delitivas modernas (como é o caso da lavagem de dinheiro, crimes contra o sistema financeiro nacional ou da lei de licitações), pois sua atividade será, sem dúvida, deficitária e, por conseguinte, prejudicial à defesa do assistido – sem falar no severo risco à imagem profissional. Logo, com base em tudo o que foi dito, é de se ver que a nova feição do processo penal, permeado pela deflagração de grandes “operações”, exige do advogado criminal não só um amplo conhecimento técnico, como também torna bastante difícil a sua atuação solitária nos processos. Cada vez mais, ante a complexidade dos casos, os quais rogam por inúmeras atividades, tanto no sentido de peticionar, quanto no sentido de acompanhar in loco o trabalho das autoridades, é preciso que se tenha uma equipe de defensores bem entrosada e composta por profissionais singulares – com domínio de determinadas funções – para que se tenha o melhor trabalho defensivo. A advocacia criminal de tempos passados – calcada na atividade do advogado solitário e focado num processo individualizado, sem conexão com um contexto maior – se esgotou, ao menos no que diz respeito àqueles que almejam estar no centro das futuras “operações” que estão para vir. Douglas Rodrigues da Silva Especialista em Direito Penal e Processo Penal Advogado Criminal Comments are closed.
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