O tema que venho trazer hoje talvez me pareça o mais delicado aos futuros advogados (e atuais também). Como muitos sabem, o instrumento de trabalho do advogado criminal é a palavra. A palavra escrita, a palavra falada. A comunicação se perfaz como o diferencial da atividade forense, pois se fazer compreender é até mesmo mais importante do que saber manejar teorias e normas penais. Ultimamente, seja na minha experiência como ex-assessor de gabinete, seja na minha experiência como advogado criminal, eu percebi que os jovens estudantes e novos bacharéis entram no mercado de trabalho com uma falha gravíssima, quase imperdoável: a impropriedade linguística. É lamentável, mas é preciso que se assevere isso. A grande maioria de nossos profissionais deixa os bancos das universidades sem saber escrever. Parece um exagero de minha parte – e eu espero que sim. Mas a prática tem mostrado, e tenho certeza que não só a mim, a grande falha dos jovens advogados no uso adequado da língua portuguesa. Confesso a vocês que grande parcela da culpa não está com os estudantes, podemos imputar o resultado, em sua grande medida, às próprias universidades. De uns tempos para cá, visando a eficiência na correção de provas e entregas de notas, sem mencionar o novo “mercado” aberto pelo país dos “concurseiros”, o direito transformou-se num grande curso caracterizado pela múltipla escolha. Provas e mais provas que não exigem nenhum esforço dos avaliados em construir redações claras, objetivas e precisas. Não, nada disso. O que se requer é a precisão em se marcar um “X”. Da mesma forma, parece-me, que se pretende transformar o advogado num grande repetidor de jurisprudência e artigos de lei, mas sem qualquer tipo de habilidade argumentativa, tampouco hermenêutica. É, realmente, lamentável o destino de nosso ensino jurídico. Porém, não se pode perder de vista, também, que os próprios estudantes e futuros advogados têm uma grande parcela de culpa. Não é difícil encontrar estudantes de direito que sequer leram algum livro jurídico por completo até o término do curso. E pior. É comum observar que muitos bacharéis se formam sem ter praticado, com exaustão, a técnica de redação jurídica. Algo, inadmissível. Muitos estudantes são ótimos em usar uma língua estrangeira, sobretudo o inglês, mas não sabem dominar sua língua materna. A escrita, o bom uso da palavra, exige, assim como qualquer outra habilidade humana, o treino, a repetição, a transpiração. O simples fato de ler diversos livros não transforma ninguém num grande escritor – justo porque ler muito apenas significa que você sabe ler e talvez tenha um vocabulário mais desenvolto. Contudo, para se escrever bem, é necessário que se escreva. Por isso mesmo a culpa das instituições de ensino em não exigir do futuro profissional essa habilidade e dos alunos em não se esforçarem nessa atividade por conta própria. Mas por que eu digo isso? Porque na vida, tudo se torna melhor quando alguém nos diz, antes de qualquer infortúnio, a nossa possibilidade de erro. Num mercado extremamente saturado como o da advocacia, é preciso que o jovem profissional apresente-se de maneira diferencial. Na advocacia criminal nem se fala. Não se esqueçam que nos autos de um processo penal estão expostas dores, estigmas, famílias partidas. O advogado criminal fala por alguém que já não tem mais a quem recorrer, sendo, não raras vezes, o único amigo do acusado e sua própria voz. Como carregar, pelo resto da vida, a responsabilidade de ter deixado uma defesa ruir em virtude do mau uso da palavra? O instrumento de trabalho e a melhor amiga do advogado criminal ainda é a palavra, sem mais. É mister que o causídico a domine, a adestre. Sobral Pinto, Evandro Lins e Silva, Ruy Barbosa, Luís Gama, Heleno Fragoso, Roberto Lyra, Waldir Troncoso Peres, René Ariel Dotti, dentre tantos outros e outras, destacaram-se pela imensa sabedoria no uso do vernáculo, tendo muitas de suas falas até hoje gravadas nos livros de história da justiça criminal brasileira. Eles sabiam a importância da palavra e trataram logo de dominá-la. A palavra é tão importante que um descuido (ou talvez malandragem) na interpretação levou ao Supremo Tribunal Federal reconhecer que onde se lê trânsito em julgado, lê-se julgamento em segunda instância. Notem os nefastos efeitos que o manejo equivocado da palavra nos causa. Antes, pois, de querer ser um grande advogado, seja um grande amante da língua. O domínio da linguagem é a principal habilidade que irá diferenciar um mero bacharel com carteira da Ordem dos Advogados do Brasil de um verdadeiro advogado criminal, a quem o réu poderá confiar sua sorte. Então, se posso deixar algum conselho a vocês, estudantes e advogados, é que não deixem de lado o prazer da leitura, mas não olvidem da necessidade de prática da escrita, nosso país já sofre muito com interpretações de textos medíocres, portanto, façam textos compreensíveis por si – todos agradecem, principalmente o cliente e o direito. Douglas Rodrigues da Silva Especialista em Direito Penal e Processo Penal Advogado Criminal
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