Começando o ano de 2018, venho apresentar um tema, um tanto polêmico. Assunto que é pouco divulgado, digo, nunca divulgado, inclusive, muitos não conhecem como é sua execução. Estamos falando da pena de morte. Pena capital que ainda tem guarida constitucional no Brasil.
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, traz como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana[1]. Também tem como um dos princípios, a prevalência dos direitos humanos[2]. Nessa mesma constituição, no TÍTULO II em que apresenta do tema DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS, está encravado o CAPÍTULO I que aponta DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS. Na doutrina, Miranda (2017, p. 11) ensina que direitos fundamentais são “os direitos ou as posições jurídicas ativas das pessoas enquanto tais, individual ou institucionalmente consideradas, assentes na Constituição, seja Constituição formal, seja na Constituição material”. Assim, o artigo 5º[3], caput, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, consagra o direito a vida. Esta afirmação se alinha ao que prevê o artigo 3º[4] da Declaração Universal dos Direitos Humanos, bem como no artigo 4º, item 1, do Pacto de São José da Costa Rica[5], e tantos outros diplomas internacionais que asseguram a vida a qualquer pessoa, proibindo sua extinção de forma arbitrária. Diante de todo esse aporte, o nosso constituinte originário afirma que não haverá pena de morte, exceto no caso de guerra declarada[6]. Ressalta-se que o ato de declaração de guerra é privativo do Presidente da República[7]. O código penal militar, traz um rol de penas que são conhecidas como principais e outras como assessórias. O que nos interessa são as primeiras, que têm no topo a pena de morte[8]. Então surge a pergunta: como é realizada a execução dessa pena principal trazida pela legislação militar? Vamos aqui fazer a observação que tal medida pode ser contra militares e civis, pois a justiça militar da União pode julgar ambos. A pena de morte ela é prevista para os crimes militares em tempo de guerra. Sua topografia se apresenta desde o artigo 355, onde o crime inaugural é o de TRAIÇÃO, e vai até o artigo 408, todos no código penal militar. A execução da referida pena (CPPM, art. 707 a 710) é por fuzilamento. O militar ou o civil que tenha sua sentença transitada em julgado, terá esta sentença comunicada ao presidente da República, e no prazo de 07 (sete) dias. Porém, se a infração penal for cometida em zona de guerra, a execução será imediata após o transito da sentença penal condenatória. Se militar, o mesmo sairá da prisão fardado sem qualquer insígnia, e logo terá seus olhos vendados, e, caso se recuse a utilizar as vendas, as vozes de fogo serão substituídas por sinais. O mesmo procedimento será utilizado aos civis, devendo estar vestido de forma decente. Vê-se ainda que a lei prevê o que é chamado de “socorro espiritual”, ou seja, pode valer-se de ser atendido por qualquer líder religioso referente à sua religião, antes da execução. Ressalta-se que o Brasil, através do Decreto nº 2. 754, de 27 de agosto de 1998, promulga – dez anos após a promulgação da Constituição Federal - o Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos Referente à Abolição da Pena de Morte, adotado em Assunção, em 8 de junho de 1990, e assinado pelo Brasil em 7 de junho de 1994. O decreto afirma, já no seu terceiro CONSIDERNADO, que governo brasileiro depositou o Instrumento de Ratificação do referido Protocolo, em 13 de agosto de 1996, com a aposição de reserva, nos termos do Artigo II, no qual é assegurado aos Estados Partes o direito de aplicar a pena de morte em tempo de guerra, de acordo com o Direito Internacional, por delitos sumamente graves de caráter militar, passando o mesmo a vigorar, para o Brasil, em 13 de agosto de 1996. No corpo da referida norma, já no artigo 2º, item 1[9], confirma o que trouxe em seu CONSIDERANDO, que, para os crimes graves realizados em período de guerra, poderá ser aplicado a pena de morte, mas, de acordo com o Direito Internacional. Exatamente, depende de norma de direito internacional. Este é nosso questionamento final. Aquele xeque-mate que poderia ser usado. A possível cereja do bolo, aquele gol na prorrogação do segundo tempo em final de campeonato. Pergunta-se: com tal afirmação no final do referido artigo, a pena de morte aplicada as infrações penais graves em tempo de guerra, é aplicada conforme norma interna de cada Estado ou deve existir uma legislação internacional que trate do tema? O fato é: a pena de morte está prevista conforme aqui exposto, inclusive, com seu procedimento de execução através do fuzilamento. Porém, após leitura do Decreto nº 2. 754, de 27 de agosto de 1998, que trata do Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos Referente à Abolição da Pena de Morte, adotado em Assunção, fica o questionamento aqui apontado sobre dependência de regulamentação. Assim, trazemos à discussão, se a pena de morte deve ser utilizada aos militares e também aos civis, mesmo em crimes graves em tempo de guerra. O Estado realmente está além dos direitos e garantias fundamentais, e digamos mais, está além dos direitos humanos, também inerentes aos militares. Fica o tema para possíveis debates dos nossos queridos leitores. Raimundo de Albuquerque Advogado Criminalista Mestrando em Direito pela Universidade Autónoma de Lisboa (UAL) Especialista em Ciências Penais Secretário-Geral e Coordenador de Direito Penal ESA/RR Professor na graduação e pós-graduação em Direito Penal, Processo Penal e Criminologia do Centro Universitário Estácio da Amazônia Membro do International Center for Criminal Studies (ICCS)Colunista de Direito Militar do Sala de Aula Criminal REFERENCIAS MIRANDA, Jorge. Direitos fundamentais. Coimbra: Almedina, 2017.2. BRASIL. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, Brasília, DF, out 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 25 dez. 2017.3. BRASIL. DECRETO-LEI Nº 1.002, DE 21 DE OUTUBRO DE 1969. CÓDIGO DE PROCESSO PENAL MILITAR, Brasília, DF, out 1969. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del1002.htm>. Acesso em: 25 dez. 2017.4. BRASIL. DECRETO-LEI Nº 1.001, DE 21 DE OUTUBRO DE 1969. CÓDIGO PENAL MILITAR, Brasília, DF, out 1969. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del1002.htm>. Acesso em: 25 dez. 2017.5. Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica). Disponível em: <http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/sanjose.htm>. Acesso em: 25 de dezembro de 2017.6. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em: <https://www.unicef.org/brazil/pt/resources_10133.htm>. Acesso em: 25 de dezembro de 2017. [1] Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) III - a dignidade da pessoa humana; [2] Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: (...) II - prevalência dos direitos humanos; [3] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (...) [4] Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal. [5] Artigo 4º - Direito à vida 1. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente. [6] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XLVII - não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; [7] Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: (...) XIX - declarar guerra, no caso de agressão estrangeira, autorizado pelo Congresso Nacional ou referendado por ele, quando ocorrida no intervalo das sessões legislativas, e, nas mesmas condições, decretar, total ou parcialmente, a mobilização nacional; [8] Art. 55. As penas principais são: a) morte; [9] Artigo 2º 1. Não será admitida reserva alguma a este Protocolo. Entretanto, no momento de ratificação ou adesão, os Estados-Partes neste instrumento poderão declarar que se reservam o direito de aplicar a pena de morte em tempo de guerra, de acordo com o Direito Internacional, por delitos sumamente graves de caráter militar. Comments are closed.
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