A PERMANENTE LINHA TÊNUE ENTRE A ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA E A MANIPULAÇÃO JURÍDICA NO TRIBUNAL DO JÚRI7/13/2018
Inicialmente, insta mencionar que no Tribunal do Júri não parece razoável dizer que há confronto, ou seja, que as partes se defrontam no plenário-crime. Quando se diz partes se refere ao todo: a sociedade ofendida, e de outro lado a partícula mínima, o indivíduo ofensor.[1]
Há, portanto, uma proposta de negociação/reeducação entre a sociedade e aquele que infringe as regras de convivência estabelecidas pela mesma a fim de regularização e estabilidade social. Ademais, não parece o melhor caminho pronunciar que há confronto no sentido de disputa entre os operadores do Direito em plenário do Júri: ganhar ou perder um júri. Há, ou talvez deveria haver, uma dialética ou um confronto de ideias técnicas totalmente distantes do intuito da disputa egoística presente em muitas das sustentações orais em plenário do Tribunal do Júri na atualidade. No que diz respeito à dialética, o orador vale-se de dois recursos que, mesmo separáveis, na maioria das vezes são apresentados concomitantemente. Consistem, portanto, tais recursos à manifestação oral persuasiva (conversa amiga, macia, apelo emocional) e interpretação teatral, cênica e irreverente. [2] A acuidade deste empenho está na tentativa de alcançar os limites da “verdade possível” da contingência fática, a ser extraída dos elementos autuados ou (no plano sociológico, filosófico, antropológico e psicológico) de elementos não necessariamente contidos no processo. [3] Ocorre que os elementos comprobatórios nos processos criminais deveriam ser quase que suficientes para o veredicto final: se há provas incontestáveis, o acusado deverá responder conforme a lei dispõe, e se não há provas incontestáveis, ou ainda paira a dúvida, enseja-se a absolvição do acusado. Ocorre que por muitas vezes na ânsia do “ganhar ou perder”[4] um Júri, tal qual acaba por ser tratado como um “vale-tudo” que aparentemente é jurídico. Então, alguns acusadores se distendem no passado do acusado quando há carência de provas robustas e com discursos extremamente punitivistas sobre o assíduo ranço da impunidade, ou alguns defensores elaboram as mais viageiras teses, traçando aos jurados leituras doutrinárias densas, os quais ficam a “viajar” naquele momento. Insta mencionar que o Direito e a argumentação jurídica caminham acoplados desde a sua constituição, e a argumentação jurídica é um procedimento jurídico extremamente necessário, desde que seja feita dentro dos limites da ética, da transparência e da hombridade humana. Aramis Nassif aduz que a interpretação oral e corporal no Júri versa, sobretudo, ao que possa ser animado, cujos fatos podem ser, na versão do debatedor/orador, ampliados nos detalhes da hipótese sustentada. [5] Diante da questão aviltada neste texto, vislumbra-se uma problemática do Júri em relação à forma de exposição dos fatos e teses em plenário. Uma tênue e sensível linha de até onde se deve ir com a argumentação jurídica para não desencadear uma manipulação contra os jurados, logo contra toda a sociedade democrática. Neste ponto, necessita-se de uma grande responsabilidade de nós, operadores do direito. Pois, consta-se que na grande massa esmagadora de sessões plenárias, por inúmeros motivos, os jurados sabem do processo criminal apenas o que é ali produzido, sob seus olhos, ficando a esmo tudo o que se desempenhou em anos de instrução processual criminal. No julgamento perante o Tribunal do Júri, o jurado tem contato com uma atividade estranha ao seu cotidiano; consequentemente, o que acaba por influenciar o Conselho de Sentença em sua decisão a favor da acusação ou da defesa esquecendo-se, portanto, do direito esculpido nos autos. Portanto, a capacidade cênica dos operadores de direito influenciará mais, em maior ou menor probabilidade de êxito do que, muitas vezes, a certeza de seus argumentos. [6] Afirma-se que, no âmbito do Tribunal do Júri, quem sofre maiores condenações são aqueles que são apresentados como os mais inadequados ao modelo de comportamento social implícito nos códigos e explicitado em sua aplicação. [7] Angelo Ansanelli Júnior[8] descreve que a observação compulsória do julgamento perante o Tribunal do Júri, para quem o presidiu por vários anos, resultou numa sensação de desconforto ideológico e espiritual, na medida em que se pode registrar a omissão de elementos essenciais ao exame da conduta fática durante o julgamento a serem apreciados na formação de convencimento dos jurados e, posteriormente, ser sopesada na fixação da pena pelo magistrado. Caso não raro no dia a dia de um Tribuno é a observância dos operadores do direito desempenhando o direito penal do autor como fundamento de se demonstrar a veracidade de suas alegações acusatórias (como já mencionado neste texto). Frisa-se que por parte de alguns magistrados, os quais deveriam ser espelho de imparcialidade para o corpo de sentença, trazem à tona a discussão dos registros criminais do acusado em plenário de modo extremamente pejorativo ao mesmo, cuja consequência traz à baila a repulsante condenação dupla ou tripla, e assim por diante, de um mesmo fato. [9] A verdade é que “uma decisão judicial pode modificar as vidas de pessoas, contribuindo para uma integração ou marginalização sociais definitivas, e acarretar-lhes consequências indeléveis” e que “não basta que o juiz conheça as leis, mas é necessário que ele alie este conhecimento a uma perspectiva social, histórica, cultural e moral ao decidir”. [10] No Júri, os acusados compõem uma minoria sem representatividade eficaz para informar seus pares, se é que pode ser considerada a “paridade quando alguém está envolvido em um crime doloso contra a vida” (pensamento que se observa por alguns jurados na prática: “júri do preconceito”). O Conselho de Sentença é constituído por pessoas que não tiveram acesso à leitura plena dos autos do processo, quando muito ouviram a notícia alardeada pelos meios de comunicação à época do fato. Assim, tudo o que sabem, na maioria dos casos, é o que está sendo narrado pelo promotor e pelo advogado de defesa. A partir do exposto, sobre a ampliação significativa dos poderes de atuação dos operadores do Direito, ponto em que se centra a presente crítica (longínqua intenção de esgotar o tema), já que no Tribunal do Júri é permitido utilizar estratégias que normalmente não poderiam ser utilizadas em qualquer outro procedimento previsto em nosso ordenamento jurídico, faz-se urgente ressaltar mais uma preocupação em relação ao Júri: a observação maciça de um veredicto de absolvição ou de aplicação de uma pena indevida emanados de um julgamento vicioso, baseado em ludibriação do corpo de jurados que, despreparados ou desconhecedores dos limites entre o legal e o ilegal, entre o crime e a ação valorosa, deixam-se levar por alguns discursos envolventes de operadores não tão bem intencionados. E, por isso, urge-se dialogar com aqueles que vão operar neste encantador e belo instituto. Necessita-se de reflexão, ética e responsabilidade nos trabalhos desenvolvidos nesse instituto, bem como aqueles que desejam ser jurados um dia, imperioso se faz estarem atentos também para essa celeuma. Carla Juliana Tortato Mestranda em Direito pela UNINTER Especialista em Direito e Processo Penal pela Academia Brasileira de Direito Constitucional Advogada Criminal. [1] LYRA, Roberto. O Ministério Público e o Jury. 1932, pg. 15. Apud TORRES, Margarino. Processo Penal do Jury no Brasil. Ed. Jacinto. Rio de Janeiro. 1932, pg. 350. [2] NASSIF, Aramis. Júri Instrumento da Soberania Popular. 2. ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 93. [3] NASSIF, Aramis. Júri Instrumento da Soberania Popular. 2. ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 93. [4] http://www.salacriminal.com/home/quem-ganha-e-quem-perde-com-a-decisao-do-conselho-de-sentenca-no-tribunal-do-juri [5] NASSIF, Aramis. Júri Instrumento da Soberania Popular. 2. ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 93. [6] FONSECA, Sara. A incompatibilidade do Tribunal do Júri com o sistema jurídico brasileiro. Disponível em: http://ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=16754 Acesso em 26 de setembro de 2016. [7] STRECK, Lenio Luiz. Tribunal do Júri: símbolos e rituais. 4. ed. Porto Alegre. Livraria do Advogado, 2001. p. 129. [8] ANSANELLI JUNIOR, Angelo. O Tribunal do Júri e a Soberania dos Veredictos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.p.41. [9] Sobre a reincidência: http://www.salacriminal.com/home/a-reincidencia-sua-ineficacia-e-perpetuidade-no-modelo-de-repressao-penal [10] BARBOSA, Rui; apud NASSIF, Aramis. Júri Instrumento da Soberania Popular. 2. ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 41. Comments are closed.
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