Dois séculos separam o romance “O Conde de Monte Cristo” de Alexandre Dumas dos dias atuais. Embora muitas coisas tenham se modificado, uma delas não foi a configuração do sistema carcerário brasileiro, pelo menos de forma essencial. Digo de forma essencial, pois há um evidente entendimento consuetudinário entre os jurisconsultos, no que tange à sua “nova” função social assumida do século XIX para cá, a ressocialização ideológica. Sim, ideológica de forma que não passe minimamente do mundo das ideias de Platão, ideal pois não há ou há quase que de forma espectral, uma mínima transação do que deveria ser para o ser. Pois, para entendermos o que acabo de apresentar acima, é necessário se atear momentaneamente à obra do romancista francês também supracitado, como forma de compreender ambas as perspectivas penais do cárcere. O Cenário é a cidade portuária de Marseille na França, no século XIX. O então marinheiro mercante Edmond Dantès é preso no dia do seu casamento, falsamente acusado diga-se, por alta traição contra a coroa francesa, enviado para uma prisão para que seja esquecido. Lá ele enfrenta os maiores obstáculos que a possível delinquência apresenta ao encarcerado na busca pelo reencontro social, a luta de si contra si mesmo, além dos conflitos que lhe cercam. Há uma passagem do livro que sintetiza minimamente possível para aqueles que não o sofreram, os embates pessoais desenvolvidos ao longo da experiência da privação:
Fazendo-se uma breve analise entre a personagem e os personagens reais do sistema carcerário, logo vê-se que Dantès apesar de ter profissão, é uma pessoa de pouca instrução acadêmica, carece de recursos financeiros e por passar a maior parte da sua vida no mar do que em terra com familiares e em convívio social amplo, carece de certa forma de afeto, embora este não lhe falte como falta à grande parte daqueles que estão hoje sob custódia penal do Estado. Ao avançar na leitura e se deparar com as tão sutis e características impressões imanadas pelo autor acerca da carceragem, é perceptível que Alexandre Dumas em sua obra não tenta meramente entreter o leitor, sobretudo nesta parte, mas sim o contrário, incutindo neste o debate acerca da política criminal e o sistema prisional da época, tanto dentro como fora da prisão. Como buscar compreender as aflições destinadas àqueles a quem o descuido de uma vida marcada pela delinquência? Simplesmente vestir as roupas do Direito Penal do inimigo que estão muito em voga nos dias atuais? Como reaproximar o sujeito submetido à uma vida sub-humana como Dantès foi, ao convívio da sociedade? O cárcere além de um local de punição, se não for destinado à recuperação humana, torna-se uma máquina que produz violência, essa voltada para aquilo que o encarcerado passa a desconhecer, como explana Dumas, aquilo que é sucedido pela raiva, os aspectos da vida humana em geral. Desta forma, a experiência carcerária, na ótica do professor e psicólogo Alvino Augusto de Sá, em seu livro Criminologia Clínica e Psicologia Criminal, deve integrar todos os sujeitos que se inserem no contexto fático do crime e que figuram o processo penal, não necessariamente aqueles que tenham se envolvido em uma mesma situação punível criminalmente, mas sim que obedeçam às condições de vítima, acusado e sociedade, retirando a impessoalidade Kafkiana com o qual o condenado é tratado durante toda a execução penal. Aduz o citado autor:
Haja visto que, portanto, para além de uma excelente obra da literatura mundial, para aquele que vos escreve, o magnum opus do referido autor, é uma obra dotada de excelente conteúdo criminológico e antropológico, que rompe com as barreiras do Direito Penal total, buscando uma ótica desvirtuada de impessoalidade e da animalização do condenado, destinando àqueles que se encontram hoje sob o sistema jurídico penal uma reaproximação social a partir da própria pena e não exigindo que a pena seja pré-requisito para uma futura ressocialização. Matheus Ribeiro Silva Canário Acadêmico de Direito na Universidade Católica do Salvador – UCSAL 6º semestre acadêmico. BIBLIOGRAFIA O Conde de Monte Cristo. DUMAS, Alexandre. Ed. Martin Claret - São Paulo 2014 Criminologia Clínica e Psicologia Criminal. SÁ, Alvino Augusto de. Ed. Revista dos Tribunais – São Paulo 2007. Comments are closed.
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ISSN 2526-0456 |