Albert Camus foi um notório autor que propagou o seu existencialismo absurdo através de importantes obras, dentre elas os curtos, porém, profundos “O Estrangeiro” e “A Queda”. Por meio de sua escrita, a qual se deu também por notáveis e arrebatadores romances, transmitiu de maneira única todo um pensamento filosófico complexo e peculiar.
O existencialismo de Camus se estabelece no absurdo, pois a constatação da ausência de um porquê é a conclusão que se chega ao se debruçar sobre a liberdade do indivíduo. Se não há uma essência prévia, um plano a ser seguido, um destino certo, pode-se tudo. Diferentemente da visão menos “desesperadora” de Sarte, Camus se orienta no sentido de que a ampla liberdade possuída pelo indivíduo, carregada de toda aquela angústia que sua constatação acarreta, enseja no absurdo da vida, das coisas, da existência. Conforme pontua em “A Queda”, Camus expõe que “no final de toda liberdade, há uma sentença; eis por que a liberdade é pesada demais”[1]. Não há fatores externos que determinam condutas dos indivíduos. Antes, toda e qualquer ação parte do próprio indivíduo em decorrência de uma escolha do próprio. O resultado disso é que toda e qualquer conduta humana tem como base a plena liberdade que é exercida por todos. Não há influências justificantes a ponto de afastar a culpa que sempre recai sobre os ombros daquele que perpetrou o pensar e o agir. As ações que se inserem no fenômeno das relações evidenciam o declínio da condição humana ao escancarar o absurdo existencial que se faz presente no ser. Essa visão do autor se encontra posta de maneira bem visível em “A Queda”, incutindo em reflexões que podem ser trazidas para o campo do direito. A questão aqui hoje posta é meramente explanativa, a qual é feita no intuito de apresentar a perspectiva existencialista de Camus e suas possíveis consequências quando de uma análise pelo direito. Na mencionada obra, tem-se um monólogo pelo qual um advogado francês exerce um exame de sua própria consciência. Fala enquanto um juiz-penitente acusando a si próprio, de modo que tal postura enseja numa autocrítica que acaba o levando a um angustiante declínio no qual se vê obrigado a revelar sua verdadeira faceta. É do vazio existencial proporcionado pela autodenúncia que o advogado confessa o seu ‘eu’, incutindo assim no reconhecimento do resoluto processo de aceitação do domínio da liberdade. Em certa passagem de “A Queda”, Camus apresenta, através do juiz-penitente, de modo bastante contundente, a defesa de sua exposição, conforme o trecho que segue: [...] se dissermos a um criminoso que seu erro não decorre de sua natureza, nem de seu caráter, mas de circunstâncias infelizes, ele nos será violentamente reconhecido. Durante a defesa, escolherá até mesmo esse momento para chorar. [...] esses bandidos querem a absolvição, isto é, a irresponsabilidade e, sem vergonha, extraem justificativas da natureza ou desculpas das circunstâncias, mesmo que sejam contraditórias.[2] Há pontos e contrapontos relevantes que merecem ser destacados – não apenas na passagem aqui transcrita, mas em todo o profundo pensamento existencialista camusiano. Não é, entretanto, o intuito do presente escrito se imiscuir na crítica ou defesa dessa perspectiva. Quer-se apenas demonstrar que diferentes pontos de vista geram divergentes formas de se analisar as coisas – as pessoas, as condutas, os fenômenos, as relações, o direito e tudo o mais. E não que isso seja um modo de dizer que as coisas não podem ser compreendidas enquanto são. Longe disso. Evidencia-se apenas o fato de que há de se atentar para as diferentes perspectivas e suas consequências, as quais também ocorrem no âmbito jurídico. Essa atenção é necessária para se evitar incongruências. O próprio Camus se pauta em contradições não confessadas para expor o seu ponto que segue carregado na passagem aqui transcrita. Para o autor, o indivíduo não vê problemas em receber elogios por seus esforços pelos quais se tornou inteligente ou generoso, enquanto de igual modo aceita que seus erros acontecem em decorrência de infelizes circunstâncias. Eis a contradição denunciada. A literatura, através de suas narrativas, possibilita conhecer diferentes posicionamentos de maneira única. Em “A Queda”, Camus explica seu existencialismo através do literário. É por essa arte que o autor expõe o indivíduo atual abandonando todos os seus valores e caindo num profundo vazio existencial. Conforme mencionado, não se concorda nem se discorda aqui de tal pensamento. Sabe-se que há outros saberes que se estabelecem em consonância com o existencialismo do absurdo, bem como aqueles díspares que refutam a condição do indivíduo defendida por Camus. A depender de qual for o chão em que pisa o jurista, sua abordagem no estudo das relações humanas pelo viés jurídico refletirá conforme se posicione. A perspectiva camusiana permeia o pouco que aqui foi trazido. Aceitando-a ou não, tem-se como importante conhecê-la a fim de que o debate filosófico, jurídico, científico e literário esteja sempre em voga. Paulo Silas Taporosky Filho Advogado Especialista em Ciências Penais Especialista em Direito Processual Penal Especialista em Filosofia Mestrando em Direito pela UNINTER Membro da Rede Brasileira de Direito e Literatura Membro da Comissão de Prerrogativas da OAB/PR Referências: [1] CAMUS, Albert. A Queda. 7ª Ed. Rio de Janeiro: BestBolso, 2015. p. 100 [2] CAMUS, Albert. A Queda. 7ª Ed. Rio de Janeiro: BestBolso, 2015. p. 62 Comments are closed.
|
ColunaS
All
|
|
Os artigos publicados, por colunistas e convidados, são de responsabilidade exclusiva dos autores, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento da Sala de Aula Criminal.
ISSN 2526-0456 |